Werner Herzog

PROJETOS DISPARATADOS VÊM DE LONGE NA REGIÃO AMAZÔNICA

Numa homenagem do blogue aos projetos megalomaníacos, estapafúrdios e perdulários que a região amazônica tem a sina de inspirar, tanto em tempos de ditadura (Transamazônica) quanto nos de democracia (arena de Manaus), resolvi postar aqui o Fitzcarraldo (d. Werner Herzog, 1982). 

Completo e legendado, resgata as peripécias do inglês Brian Sweeney Fitzgerald, fã de Caruso que se obstinou em construir uma casa de óperas no Alto Amazonas

Ou seja, trata-se de um filme sobre os sonhos malucos que acabam virando pesadelos -neste caso, com a atenuante de não estar associado à mais imunda politicalha (vide aqui). 

A atuação de Klaus Kinski é soberba, embora as más línguas garantam que esteve aquém do seu desempenho nos arranca-rabos com o diretor Herzog… 
Destaque também para a extraordinária Claudia Cardinale, que continua firme e forte no seu 56º ano de carreira; e para nossos inesquecíveis José Lewgoy e Grande Otelo. 

A AMBIÇÃO DELIRANTE DE AGUIRRE E O REICH DE MIL ANOS DE HITLER

Aguirre, a cólera dos deuses (1972) -disponibilizado, completo e legendado, na janelinha abaixo- é a obra máxima do diretor alemão Werner Herzog, que começou no dito cinema de arte e marcou forte presença nas décadas de 1970 e 1980. 

Desde então, contudo, sua carreira decaiu miseravelmente. Mas, não deve ser julgado por equívocos como a refilmagem piorada de Vício frenético (levou uma goleada do Abel Ferrara!) e O sobrevivente. Ele chegou a ser muito grande. Deveria ter encerrado a carreira quando não lhe ofereciam mais projetos com os quais tivesse afinidade ou que estivessem à altura do seu talento.

Aguirre continua sendo, até hoje, um dos filmes que melhor flagram a apatia e passividade com que o povo alemão se submete a líderes autoritários imbuídos de ambições desmedidas e destrutivas, acompanhando-os até o mais amargo fim. O paralelo com Hitler e seu Reich de mil anos é mais do que evidente.

Destaque também para a inesquecível atuação do carismático Klaus Kinski, que parece ter nascido para representar o papel de Don Lope de Aguirre -o aventureiro que, quando o fracasso de uma expedição em busca de Eldorado se evidencia, não se conforma com a decisão de Don Pedro de Urzúa (nosso velho conhecido Ruy Guerra), o qual, sensatamente, ordena o retorno. Assume o comando pela força e arrasta a todos para o âmago da selva amazônica, que os tragará.

Os  cenários naturais são majestosos, a ganância ensandecida de Aguirre impacta fortemente os espectadores e o filme é lembrado também pela convivência difícil entre Kinski e Herzog, que o diretor depois esmiuçaria no documentário Meu melhor inimigo (1999). 

"MOBY DICK" DISSECA OS LÍDERES MESSIÂNICOS E CATASTRÓFICOS

Adaptação cinematográfica clássica de um clássico da literatura, o Moby Dick de 1956 (que vocês podem assistir, completo e legendado, na janelinha abaixo) é praticamente insuperável, em função da excelência da trinca de grandes talentos que reuniu e da perfeita sinergia que se verificou entre eles: 
  • o diretor John Huston, cuja alma de aventureiro lhe permitia valorizar como ninguém as histórias de homens que se propõem desafios quase inalcançáveis e desenvolvem esforços descomunais para concretizá-los -caso também dos fundamentais O tesouro de Sierra Madre (1948) e O homem que queria ser rei (1975).
  • o roteirista Ray Bradbury que, como escritor, foi um dos pais das novelas de sci-fi, tendo praticamente lançado a tendência de enfocar mais as consequências dos avanços científicos sobre os homens e a sociedade, do que embasbacar-se com as geringonças futuristas, como fazia Isaac Asimov. Sem Bradbury não teriam existido Philip K. Dick, Robert Silvelberg, Robert A. Henlein e outros autores que, basicamente, projetaram no futuro, amplificadas, as inquietações e ameaças do presente. Gente desse quilate não trabalha mais para Hollywood, privando o cinema comercial das centelhas de vida inteligente que lhe serviam como álibi para a infinidade de tralhas que despejava nas telas.
  • e Gregory Peck, o ator que parece ter nascido para interpretar o Capitão Ahab. É difícil imaginarmos algum outro ator que tivesse não só a competência artística, mas também o enorme carisma que o papel exige.
A insânia do projeto de Ahab e a liderança messiânica que exerce, envolvendo a marujada na sua idéia fixa e fazendo com que ela marche passivamente para a própria destruição, é o cerne desta obra-prima de Huston. 

Neste sentido, pode-se dizer que inspirou outro filme seminal: Aguirre, a cólera dos deuses (1972), de Werner Herzog. E que ambos foram fortemente inspirados por Adolf Hitler, o homem que mesmerizou o povo alemão e arrastou-o para o mais amargo fim.

UM FILME NA CONTRAMÃO DO JUVENILISMO OPORTUNISTA

O diretor alemão Werner Herzog, hoje com 71 anos, é um grande talento que não encontra mais espaço para fazer grandes filmes. Dá vontade de chorar quando comparo Aguirre, a cólera dos deuses (1972) com tralhas caça-níqueis como O sobrevivente (2006).
Na contramão dos críticos, considero No coração da montanha (1991), que vocês podem ver completo e legendado na janelinha abaixo, como sua última obra-prima. 
É de arrepiar! Numa fase em que o cinema já mimava despudoradamente os jovens, por serem eles os maiores consumidores do produto  filmes, Herzog foi na direção contrária. [A coisa é tão patética que a novela no qual se baseou o filme Fuga do Século 23, dirigido por Michael Anderson, estabelece 21 anos como o limite da vida no futuro, em função da escassez de recursos. O filme, contudo, preferiu fixar em 30 anos a idade em que as pessoas tinham de ser executadas, para não assustar a  clientela…] 
Um aclamado alpinista por vocação e paixão (Vittorio Mezzogiorno), já quarentão, entra em confronto com um jovem (Stefan Growacz) interessado apenas em colher os frutos do sucesso: grana & fama. Para tornar a disputa mais dramática, o novo fica com a mulher (Matilda May) do velho.

Ambos acabam travando um duelo mortal ao escalarem, cada qual por uma face, um dos picos mais perigosos do mundo. Um tem a ambição e o vigor, o outro a afinidade com a natureza adquirida num longo convívio e as habilidades desenvolvidas à custa de haver sempre amado aquilo que fazia. 
De quebra, Herzog fustiga com suas alfinetadas mais cáusticas a indústria cultural.
As performances e personagens de Mezzogiorno e Donald Sutherland são simplesmente inesquecíveis.