Robert Altman

O CAPTAIN, MY CAPTAIN, POR QUE MORRESTE TÃO CEDO?

Mal eu tomei conhecimento da morte de Robin Williams, resolvi registrá-la de alguma forma, mas me faltou inspiração para escrever algo. De imediato, optei por fotos e pelo trecho final do melhor filme que ele protagonizou, Sociedade dos poetas mortos (d. Peter Weir, 1989). Agora, depois de uma boa noite de sono, estou completando o serviço.
Se eu ainda atuasse na crítica cinematográfica, pariria um necrológio propriamente dito, ainda que baseando-me mais em textos alheios. Hoje, para o bem ou para o mal, não sou mais obrigado a encher espaços, nem a tecer loas aos finados famosos. Posso me dar ao luxo da franqueza.

E, sinceramente, jamais o considerei um grande ator. Era apenas um sujeito simpático e engraçado, cujo tipo se adequava bem para alguns papéis.

Só alcançou o estrelato graças à semelhança física com um antigo personagem de HQ, Popeye. Em 1980, Robert Altman o escolheu para personificar o marinheiro do espinafre na tela, acertando em cheio.

[Mas, claro, foi apenas uma amenidade bobinha do diretor de obras-primas como M.A.S.H., Voar é com os pássaros, Um perigoso adeus, Onde os homens são homens, Oeste selvagem e Quinteto. A melhor fase de Altman já havia passado, com o fim da voga da contracultura no cinema. Cada vez mais o criador ousado cedia lugar ao cineasta convencional, outro pistoleiro de aluguel a que Hollywood recorria para prover-lhe entretenimento sem idéias nem ideais.]

Até aí, tudo bem. Sean Connery também só teve sua grande chance porque era, cravado, o James Bond descrito pelo novelista Ian Fleming. A diferença é que o escocês provou ser muito mais do que o 007 e Williams continuou sendo apenas um sujeito simpático e engraçado. Apareceu muito bem em produções adequadas ao seu perfil, como Bom dia Vietnã e Sociedade dos poetas mortos, mas também acompanhou o padrão tedioso daquelas fitinhas edificantes, para a família, em que atuou no final de carreira.

Prefiro lembrar-me dele como o professor John Keating, seu personagem mais marcante e sua atuação mais consistente (sem os excessos caricaturescos que comprometeram outros desempenhos).

UM VÍDEO RARO DE LEONARD COHEN: "THE STRANGER SONG"

The stranger song foi um caso de amor à primeira audição: adorei quando a fiquei conhecendo, logo nos créditos iniciais da obra-prima de Robert Altman, McCabe & Mrs. Miller (1971). 

Trata-se de um western outonal, sobre jogador que decide trocar a vida errante pela posição de dono de bordel  numa rústica comunidade mineira. Por aqui recebeu títulos asnáticos tanto no cinema (Onde os homens são homens) quanto em vídeo e DVD (Jogos e trapaças). 

O Youtube agora me revelou que Cohen já a apresentara no Festival da Ilha de Wight de 1970 (os dois vídeos citados estão abaixo).

Curioso, garimpei a origem da canção e descobri que ela consta do álbum de 1967 do Cohen! 


Trata-se, portanto, de um caso raro de música que  casou  melhor com o filme do que se tivesse sido composta especialmente para ele.

Recomendo com entusiasmo.

A CANÇÃO DO ESTRANHO
É verdade que todos os homens que você conheceu eram jogadores
que diziam ter largado o jogo
cada vez que você lhes dava abrigo.
Eu conheço este tipo de homem,
é difícil segurar a mão de qualquer um
que a esteja erguendo ao céu para se render,
que a esteja erguendo ao céu para se render.
E então, varrendo os coringas que ele deixara para trás,
você descobre que ele não te deixou muito, nem mesmo uma risada.
Como todo jogador, ele estava esperando a carta
tão rara e oportuna
que ele jamais precisaria jogar outra partida.
Ele era apenas outro José procurando uma manjedoura,
Ele era apenas outro José procurando uma manjedoura.
E então, apoiando-se no peitoril da sua janela,
um dia ele dirá que sentiu-se tentado
a ficar com seu amor, calor e abrigo.
Mas, em seguida, tirando de sua carteira
um velho folheto de horários de trens, ele dirá:
quando cheguei, eu lhe avisei que era um errante,
quando cheguei, eu lhe avisei que era um errante.
Agora outro errante parece
querer que você ignore os seu fracassos,
como se fossem o fardo de algum outro.
Oh, você já viu este tipo de homem antes,
com braço hábil distribuindo as cartas,
mas que agora está enferrujado do cotovelo ao dedo.
E ele quer trocar o jogo que pratica por abrigo.
Sim, ele quer trocar o jogo que conhece por abrigo.
Ah, você odeia ver outro homem cansado
abaixar sua mão,
como se estivesse desistindo do sagrado jogo de pôquer.
E enquanto ele conta seus sonhos na hora de dormir,
você nota que há uma estrada
enrolando-se feito fumaça sobre o ombro dele,
enrolando-se feito fumaça sobre o ombro dele.
Você diz a ele para entrar e se sentar,
mas alguma coisa te faz virar,
a porta está aberta, você não consegue fechar seu abrigo.
Você tenta a maçaneta da rua,
ela se abre, não tenha medo.
É você, meu amor, você que é a estranha.
É você, meu amor, você que é a estranha.
Bem, eu estive esperando, eu tinha certeza
de que nos encontraríamos entre os trens que aguardávamos.
Acho que é hora de subir a bordo de outro,
por favor, entenda, eu nunca tive um mapa secreto
para chegar ao âmago deste
ou de qualquer outro assunto.
Quando ele conversa deste jeito,
você não sabe o que ele pretende.
Quando ele fala deste jeito,
você não sabe o que ele pretende.

Vamos nos encontrar amanhã, se preferir,

pela praia, embaixo da ponte
que estão construindo sobre algum rio infinito.
Então, ele salta da plataforma
para o vagão-leito que está quente.
Você percebe, ele só está atrás de outro abrigo.
E você percebe que ele nunca lhe foi estranho.
E você diz OK, na ponte ou em algum lugar mais tarde.
E então varrendo os coringas que ele deixara para trás…
E apoiando-se no peitoril da sua janela…
Quando cheguei, eu lhe avisei que era um errante.

"F…-SE O MUNDO!" DEIXOU DE SER GRACEJO

Primeiro vieram os alertas de que as alterações climáticas convulsionariam o planeta, ameaçando a própria sobrevivência da espécie humana.

Depois, os que lucram com as práticas causadoras do aquecimento global e da dilapidação de recursos essenciais para continuarmos a existir, contra-atacaram com uma verdadeira blietzkrieg de propaganda enganosa. 

No capitalismo todos se vendem, até cientistas. Então, não foi difícil encontrar quem preferisse um bom saldo bancário do que boas perspectivas para  os pósteros. É a velha história do “eu não me chamo Raimundo”. Mesmo quando “f…-se o mundo!” deixou de ser gracejo, tornando-se possibilidade concreta.

Veio Fukushima e poucos notaram que as inundações e terremotos causados pelos distúrbios do clima poderão ter efeito semelhante em qualquer usina nuclear do planeta. São bombas-relógio que armamos para nós mesmos.  Passamos tanto tempo temendo que o fim do mundo viesse com as superpotências iniciando uma guerra atômica e não nos demos conta de que a radiação poderá se abater sobre nós… por acaso.

Mas, os grandes poluidores e os grandes devastadores continuam auferindo grandes lucros. Já as chances de haver um século 22 deixaram de ser grandes e diminuem cada vez mais.

E ainda há quem acredite que uma campanha eleitoral deva centrar-se em miudezas paroquiais, quando deveríamos, isto sim, estar tentando deter a marcha da insanidade, na economia e no clima.

Eis um novo alerta, desta vez do colunista Marcelo Leite, da Folha de S. Paulo. Faz lembrar um filme agourento do mestre Robert Altman, Quinteto (1979), sobre os estertores da humanidade sob uma nova Era Glacial. Leiam e reflitam:

Seis dias atrás, o oceano Ártico alcançou um recorde notado por pouca gente. A calota de gelo que flutua sobre ele, na região do polo Norte, encolheu para a menor área já registrada: 3,4 milhões de km² (para comparar, o território do Brasil tem 8,5 milhões de km²).

 …são fortes os indícios (…) de uma tendência para sobrar cada vez menos gelo.

Essa tendência foi prevista por sucessivos relatórios do vilipendiado Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, nos quais se apontava que o aquecimento global seria mais rápido e intenso no hemisfério Norte. Só que as projeções do IPCC indicavam um Ártico livre de gelo no verão ali por 2100, e agora parece cada vez mais provável que esse evento descomunal ocorra já nesta década.

Por trás da aparente aceleração estaria o ‘feedback positivo’ temido por climatologistas, ou seja, uma tendência que se realimenta de si própria -uma reação em cadeia.

Menos gelo significa uma área menor de superfície branca para refletir a luz do sol, radiação que passa a ser absorvida pela água escura. Mais quente, o oceano forma menos gelo, e assim por diante.

…um Ártico sem gelo tumultuaria o clima no hemisfério Norte. Paradoxalmente, prevê-se que seus invernos fiquem mais rigorosos.

Por isso, se lá por dezembro ou janeiro caírem nevascas gigantes na Europa ou nos EUA, fique esperto com os murmúrios de que o aquecimento global é pura farsa.

QUE PAUL NEWMAN CONTINUE SE DIVERTINDO LÁ EM CIMA…

Paul Newman morreu, aos 83 anos. Não era um ator extraordinário, mas tinha carisma e um faro quase infalível para escolher papéis que o destacariam.

Parecia ser um sujeito simpático e de bem com a vida. Mas não lhe faltava coragem nem discernimento político, pois fez campanha por Eugene McCarthy, pré-candidato à presidência que, já em 1968, propunha-se a tirar os EUA do Vietnã.

Não era qualquer celebridade que ousava associar sua imagem à do santo guerreiro Gene, tão amado pelos estudantes quanto detestado pelos conservadores e reacionários de todos os matizes (que seriam apropriadamente designados por Richard Nixon como maioria silenciosa, em contraposição à minoria que falava porque tinha o que dizer…).

Ao desacelerar sua carreira cinematográfica, continuou em evidência como um dos proprietários da equipe Newman-Hass, uma das principais escuderias da Fórmula Indy.

Mesmo com câncer terminal, respondia com gracejos às indagações sobre seu estado de saúde. Impossível não simpatizarmos com ele.

Os críticos ressaltarão, como sempre, os seus olhos azuis. O que mais me chamava a atenção era a voz grossa, que parecia pertencer a um grandalhão, não a um indivíduo de porte mediano.

O boxeador Rocky Graziano foi seu primeiro grande personagem, em Marcados Pela Sarjeta (dirigido por Robert Wise, 1956). Houve quem dissesse tratar-se da cinebiografia do lendário Rocky Marciano (até eu caí nessa…), mas eram dois pugilistas diferentes.

Newman estrelou um filme antológico em 1962: Desafio à Corrupção (d. Robert Rossen). Foi a melhor atuação de sua carreira, como o craque da sinuca Eddie Felson, que enfrenta o grande campeão Minnesota Fats (Jackie Gleason) e, embora seja mais talentoso, perde por falta de personalidade. Começa, então, a descida aos infernos na qual ele forjará seu caráter, a um preço terrível.

Em qualquer outro ano, Newman certamente ganharia o Oscar. Naquele, entretanto, teve de competir com outra culminância: Gregory Peck, em O Sol É Para Todos (d. Robert Mulligan).

Também Desafio à Corrupção não levou sorte, pois bateu de frente com o superlativo Lawrence da Arábia (d. David Lean).

Para compensar, a Academia o premiou por retomar o personagem Eddie Felson numa medíocre seqüência cometida por Martin Scorcese em 1986: A Cor do Dinheiro.

Muito mais merecedoras de estatuetas foram suas performances em obras-primas como Um de nós Morrerá (d. Arthur Penn, 1958), O Indomado (d. Martin Ritt, 1963), Rebeldia Indomável (d. Stuart Rosenberg, 1967), Hombre (d. Martin Ritt, 1967), Oeste Selvagem (d. Robert Altman, 1976), Quinteto (d. Robert Altman, 1979) e O Veredicto (d. Sidney Lumet, 1982).

Aliás, mesmo seu desempenho em amenidades simpáticas como Butch Cassidy (d. George Roy Hill, 1969), Golpe de Mestre (d. George Roy Hill, 1973) e Roy Bean, o Homem da Lei (d. John Huston, 1972) foi artisticamente superior ao de A Cor do Dinheiro, um papel sem verdadeiras exigências, que ele representou correta mas burocraticamente.

O personagem também não ajudava. Scorcese pisou feio na bola. Felson termina Desafio à Corrupção como um homem que se reconstruiu ao confrontar e vencer a podridão ambiente. E começa A Cor do Dinheiro como o veterano que adestra outro jovem para seguir o caminho que ele, enojado, rejeitara. Talvez Newman tenha percebido esta incongruência e optado por manter algum distanciamento.

De resto, é impressionante a lista de grandes diretores com quem Newman trabalhou. Aos citados acima devem-se acrescentar, ainda, Richard Brooks (Gata em Teto de Zinco Quente, 1958, e Doce Pássaro da Juventude, 1962) e Otto Preminger (Exodus, 1960).

Na Hollywood de então, não se era cineasta de primeira linha sem saber dirigir atores. Esses medalhões souberam extrair de Paul Newman atuações quase sempre marcantes, que não sairão tão cedo da lembrança de quem, como eu, curtia intensamente o cinema nas décadas de 1950, 60 e 70 – as do seu apogeu.

Que descanse em paz. Ou, melhor ainda, que continue se divertindo lá em cima…