Rota

A DESMILITARIZAÇÃO DO POLICIAMENTO IMPÕE-SE DESDE 1985!!!

No instante em que é novamente discutida a substituição das polícias militarizadas brasileiras por instituições civis, vale lembrarmos que, no final de junho de 2012, o Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou a extinção das ditas cujas, em função não só de seu altíssimo índice de letalidade, mas também do fato de que parte expressiva de tais óbitos se devia a “execuções extrajudiciais”.

Após analisar 11 mil casos de alegadas  resistências seguidas de morte, a ONU constatou o que por aqui todos estávamos carecas de saber desde 1992, quando Caco Barcellos lançou seu primoroso livro-reportagem Rota 66 – A história da polícia que mata: frequentemente não houvera resistência nenhuma mas, tão somente, assassinatos a sangue frio de suspeitos já rendidos.

Para piorar, as autoridades brasileiras quase sempre acobertavam os homicídios desnecessários e covardes perpetrados pelos PMs.

Na reunião da ONU em que se discutiu o assunto, coube à Coreia do Sul dar nome aos bois, equiparando tais episódios aos crimes outrora cometidos pelos nefandos esquadrões da morte (aqueles bandos de policiais exterminadores que, durante a ditadura militar, trombeteavam triunfalmente seus feitos e agora atuam com alguma discrição, mas continuam existindo, sim, senhor!).

“TREINAMENTO CRUEL E HUMILHANTE”

Para Marcelo Freixo, professor de História e deputado estadual pelo PSOL (RJ), “é fundamental que o Congresso Nacional aprove a proposta de emenda constitucional (PEC 51/2013) que prevê a desvinculação entre a polícia e as Forças Armadas; a efetivação da carreira única, com a integração entre delegados, agentes, polícia ostensiva, preventiva e investigativa; e a criação de um projeto único de polícia”. Concordo em gênero, número e grau.

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo deste sábado (28), Freixo citou vários episódios em que o treinamento imposto pela PM, rigoroso a ponto de justificar a comparação com sessões de tortura, causou a morte de soldados.

O caso mais chocante aconteceu no Rio de Janeiro, em novembro, quando um integrante da 5ª Companhia Alfa da PM morreu, outros 33 recrutas passaram mal e 24 sofreram queimaduras nas mãos ou nas nádegas (quem não suportava os exercícios era obrigado a sentar-se no asfalto escaldante).

Os oficiais não lhes davam sequer tempo para se hidratarem, então alguns beberam a água suja destinada aos cavalos. A enfermaria da unidade revelou que alunos chegaram a urinar e vomitar sangue.

O secretário estadual de Segurança José Mariano Beltrame, acertadamente, classificou a morte do recruta Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, como homicídio. Resta saber se será punida como tal.

Uma pertinente indagação de Freixo:

Como esses soldados, submetidos a um treinamento cruel e humilhante, se comportarão quando estiverem patrulhando as ruas e atuando na pacificação das comunidades? 

E uma constatação também pertinente (eu diria até irrefutável…):

Em todos os Estados do país, a PM é concebida sob a mesma lógica militarista e antidemocrática. (…) Em vez de se preocupar em formar soldados para a guerra, para o enfrentamento e a manutenção da ordem de forma truculenta, o Estado precisa garantir que esses profissionais atuem de forma a fortalecer a democracia e os direitos civis. A realização dessa missão passa necessariamente por mudanças na essência do braço repressor do poder público.

ENTULHO AUTORITÁRIO

Tal mostrengo existe por obra e graça da ditadura de 1964/85, só sobrevivendo a ela em função da pusilanimidade dos governantes civis a quem cabia eliminar o entulho autoritário.

Na sua trajetória para concentrarem poder na segunda metade da década de 1960, os militares encontraram alguma resistência por parte dos governadores civis que ajudaram a dar o golpe mas depois viram, com óbvio desagrado, esfumarem-se suas ambições presidenciais. Precavidos, os fardados resolveram assegurar-se de que os paisanos não contariam com tropas a eles leais.

O governador Adhemar de Barros, p. ex., até o último momento acreditou que a Força Pública impediria a cassação do seu mandato (tiraram-no do caminho acusando-o de corrupto -o que ele sempre foi- mas, na verdade, porque não se conformava com o monopólio castrense do poder).

Então, nas Constituições impostas de 1967 e 1969, a ditadura fez constar da forma mais incisiva que “as polícias militares (…) e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército“.

Na prática, seus comandos foram se subordinando cada vez mais aos das Forças Armadas; e as lições de tortura aprendidas de instrutores estadunidenses e aprimoradas nos DOI-Codi’s da vida foram ciosamente repassadas aos novos  pupilos. Daí a tortura ter continuado a grassar solta, longe dos holofotes, depois da redemocratização do País, só mudando o perfil das vítimas (passaram a ser os presos comuns).

Além disto, a ditadura estimulou a absorção da civilizada Guarda Civil de São Paulo pela truculenta Força Pública (que atuava como tropa de choque em conflitos), sob a denominação de Polícia Militar. Vale notar que o decreto-lei neste sentido, o de nº 217, é de 08/04/1970, bem no auge do terrorismo de estado no Brasil.

Não é à toa que, até 2011, a unidade mais violenta da PM paulista (a Rota) mantinha no seu site rasgados elogios ao papel que a corporação havia desempenhado na derrubada do presidente legítimo João Goulart, só os deletando sob vara da ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário.

POR QUE SÃO PAULO NÃO HOMENAGEIA TAMBÉM O EMPALADOR VLAD DRACUL?

“Existe (…) um pacto entre os parlamentares para aprovação automática no plenário de projetos de decreto legislativo, que fazem homenagens a pessoas e instituições.

Recentemente, ousamos debater e recusar a proposta de homenagear a Rota com a Salva de Prata. Pelo simples fato de pedirmos voto nominal, no intuito de dar transparência ao processo, fomos constrangidos por vereadores, acusados de ofensa pessoal e ameaçados.

(vereador Toninho Vespoli, do PSOL, sobre a repulsiva e aberrante proposta que tramita na câmara Municipal de São Paulo, de agraciar uma corporação que é conhecida e execrada até no exterior como símbolo da prática de maquilarem-se execuções de marginais já rendidos, fazendo parecer que morreram resistindo à prisão)

BLITZKRIEG SOBRE SAMPA: O XÍS DA QUESTÃO

A imprensa e os políticos reagiram exatamente como esperado à violência extrema que a Polícia Militar paulista desencadeou contra manifestantes, jornalistas, transeuntes e até fregueses dos botecos na  5ª feira negra: houve os que protestaram, houve os que justificaram, ordenaram-se investigações e é provável que um ou outro gato pingado venha a ser punido. Depois, o esquecimento.
Inconcebivelmente, nem a própria Folha de S. Paulo deu a devida importância à contundente denúncia do seu renomado colunista Elio Gaspari, de que  tudo transcorria de forma pacífica até que duas dezenas de policiais engendraram o caos:
Num átimo, às 19h10, surgiu do nada um grupo de uns 20 PMs da Tropa de Choque, cinzentos, com viseiras e escudos. Formaram um bloco no meio da pista. Ninguém parlamentou. Nenhum megafone mandando a passeata parar. Nenhuma advertência. Nenhum bloqueio…
Em menos de um minuto esse núcleo começou a atirar rojões e bombas de gás lacrimogêneo… 
Atiravam não só na direção da avenida, como também na transversal…
Em outras palavras, foi a provocação  da tropa de choque que deflagrou as agressões e o descontrole policial.
Então, o que tem mesmo de ser investigado é o seguinte: quem deu a ordem para eles agirem desta forma, e por quê?
Pois vários episódios anteriores já demonstraram que há uma  linha dura  dentro da PM, articulada em torno da Rota e composta por oficiais que tiveram a cabeça feita pela ditadura militar e até hoje atuam com espírito de Gestapo e não de polícia democrática.
Se nada for feito para identificar e expor esta corrente, outras provocações  virão, pois seu objetivo último é o de minar a democracia, abrindo caminho para um novo golpe de Estado. 

PM BARBARIZA O CENTRO DE SÃO PAULO

Nunca me senti tão velho como nesta 5ª feira (13), quando, acamado com forte gripe, só fiquei sabendo pela mídia e pelas redes sociais que a Polícia Militar barbarizara o centro de São Paulo, reprimindo bestialmente os manifestantes que (até então) protestavam pacificamente contra o aumento das tarifas de transporte coletivo.

Foi a confirmação do que venho alertando há anos (vide aqui, p. ex.): está em curso uma escalada de fascistização em São Paulo, orquestrada pelo governador  Opus Dei  Geraldo Alckmin, com a cumplicidade de figurinhas carimbadas como o reitor  TFP  João Grandino Rodas (da USP) e tendo como principais provocadores os brucutus da tropa de choque da PM, vulgo Rota (aquela que se orgulha de ter coadjuvado o terrorismo de estado nos  anos de chumbo, que é sempre denunciada pelas entidades internacionais de defesa dos direitos humanos por suas execuções maquiladas em  resistência à prisão e que os vereadores paulistanos da  bancada da bala  querem homenagear com uma salva de prata).
A aposta dessa gente é numa nova ditadura. E, se o governo federal a continuar subestimando, o ovo da serpente vai ser chocado até que uma crise de maiores proporções crie um cenário favorável à sua eclosão. Os petistas parecem gostar de viver perigosamente; eu detesto saber que há uma lâmina de guilhotina pendente sobre minha cabeça.

Como estive ausente do palco dos acontecimentos, prefiro não produzir um relato jornalístico da nova  blitzkrieg

Sirvo-me, então, dos principais trechos do depoimento do jornalista e historiador Elio Gaspari, colunista da Folha de S. Paulo e de O Globo, que me pareceu o mais satisfatório da grande imprensa. 
A PM COMEÇOU A BATALHA DA MARIA ANTÔNIA
Quem acompanhou a manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus ao longo dos dois quilômetros que vão do Theatro Municipal à esquina da rua da Consolação com a Maria Antônia pode assegurar: os distúrbios de ontem começaram às 19h10, pela ação da polícia, mais precisamente por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, com suas fardas cinzentas, que, a olho nu, chegaram com esse propósito. Pelo seguinte:

Bala de borracha da PM atingiu esta repórter no olho
Desde as 17h, quando começou a manifestação na escadaria do teatro, podia-se pensar que a cena ocorria em Londres. Só uma hora depois, quando a multidão engordou, os manifestantes fecharam o cruzamento da rua Xavier de Toledo.

Nesse cenário havia uns dez policiais. Nem eles hostilizaram a manifestação, nem foram por ela hostilizados.

Por volta das 18h30 a passeata foi em direção à praça da República. Havia uns poucos grupos de PMs guarnecendo agências bancárias, mais nada. Em nenhum momento foram bloqueados.
Numa das transversais, uns 20 PMs postaram-se na Consolação, tentando fechá-la, mas deixando uma passagem lateral. Ficaram ali menos de dois minutos e se retiraram. Esse grupo de policiais subiu a avenida até a Maria Antônia, caminhando no mesmo sentido da passeata. Parecia Londres.
Voltaram a fechá-la e, de novo, deixaram uma passagem. Tudo o que alguns manifestantes faziam era gritar: “Você é soldado, você também é explorado” ou “Sem violência”. Alguns deles colavam cartazes brancos com o rosto do prefeito de São Paulo, “Malddad”.
Num átimo, às 19h10, surgiu do nada um grupo de uns 20 PMs da Tropa de Choque, cinzentos, com viseiras e escudos. Formaram um bloco no meio da pista. Ninguém parlamentou. Nenhum megafone mandando a passeata parar. Nenhuma advertência. Nenhum bloqueio, sem disparos, coisa possível em diversos trechos do percurso.

Em menos de um minuto esse núcleo começou a atirar rojões e bombas de gás lacrimogêneo. Chegara-se a Istambul.

Atiravam não só na direção da avenida, como também na transversal. Eram granadas Condor. Uma delas ficou na rua que em 1968 presenciou a pancadaria conhecida como “Batalha da Maria Antônia”…  (por Elio Gaspari)

VEREADORES PAULISTANOS PODEM HOMENAGEAR A REPRESSÃO DA DITADURA

“Bandido bom é bandido morto”, diz Telhada,
que já esteve envolvido em várias mortes.
O vereador tucano Paulo Telhada propôs a concessão da Salva de Prata, uma das comendas mais importantes da capital paulista, ao batalhão Tobias de Aguiar, que existe há mais de um século e, a partir dos anos de chumbo, passou a ser mais conhecido como Rota, pois suas rondas ostensivas acabaram definindo-lhe a identidade e a imagem: trata-se da unidade mais truculenta da Polícia Militar paulista.

A Rota tem sido, nas últimas décadas, acusada de um sem-número de execuções covardes de marginais já subjugados e que não estavam resistindo à prisão.

Sua chacina mais famosa motivou o jornalista Caco Barcellos a passar um pente-fino em episódios anteriores, daí concluindo que os assassinatos a sangue-frio constituíam norma (jamais uma exceção!), só não atraindo o mesmo interesse porque as vítimas eram coitadezas dos bairros pobres. Merecidamente, Rota 66 – a história da polícia que mata ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro-reportagem de 1993.

E foi sempre a menina dos olhos do ex-governador Paulo Maluf que, nas campanhas eleitorais, prometia “botar a Rota nas ruas” para intimidar os criminosos com a  lei do cão –ou seja, igualando-se a eles.

Quanto ao coronel da reserva Paulo Telhada, que comandou a Rota entre 2009 e 2012, é um símbolo dos excessos por ela cometidos, tanto que tinha como bordão “bandido bom é bandido morto”. Sua trajetória na PM, segundo a Carta Capital (vide aqui), foi marcada “pelas mortes que acumulava em ações policiais, por transferências recordes de batalhões e até prisões por descumprimento do regulamento interno”. Em 1992, p. ex., foi afastado do policiamento da Rota por desentendimentos com superiores da Polícia.

Num artigo candente (vide aqui), o justamente indignado Carlos Lungarzo põe o dedo na ferida:

…a Rota é também um símbolo, como o é o Bope no Rio, daquele setor policial que é uma verdadeira máquina de extermínio e que serve às políticas das elites brasileiras de reduzir à sua mínima expressão aqueles setores que, exatamente nos mesmos termos que o fascismo utilizava em 1938, elas acham que não têm direito de existir.

Agora, uma homenagem à sua colaboração com a ditadura e com o extermínio de setores que pretendiam voltar à democracia, é um absurdo! É uma grave provocação!.

SUSTENTÁCULOS DE UMA DITADURA BESTIAL
 
Este é, sem dúvida, o aspecto mais importante a ser considerado: o destaque que Telhada dá, no seu projeto, à participação da Rota “no combate à guerrilha urbana que atormentava o povo paulista”.

Copia na íntegra trechos do tópico A História dos boinas pretas (ver aqui), que o portal do governo paulista mantém no ar 28 anos depois de o Brasil ter saído das trevas, despachando a ditadura militar para o local a que pertence: a lixeira da História, na qual hoje não passa de sórdida lembrança, tanto quanto o nazismo alemão, o fascismo italiano, o franquismo e outras abominações.

Como Telhada andou escrevendo um livro sobre a Rota, é provável que seja ele próprio o autor das pessimamente traçadas linhas que enaltecem o terrorismo de Estado no portal do Geraldo Alckmin. Lutei contra tal ignomínia de 2008 até 2011 (vide aqui), até que, sob vara da ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário, o governador ordenou a retirada, pelo menos, do trecho em que a Rota parabenizava a si própria por ter ajudado as Forças Armadas a darem uma quartelada contra o governo legítimo do presidente João Goulart (vide aqui).

A tarefa ficou pela metade e o resultado aí está: novamente teremos de nos empenhar para que o direito de resistência à tirania seja tão respeitado no Brasil quanto o é em todo o mundo civilizado. E para que as loas ao arbítrio ditatorial recebam aqui o mesmo tratamento que recebem, p. ex., nos países europeus, onde elogiar o Holocausto é crime punível com prisão (na Suécia, aliás, político que faça propaganda do nazismo pode ser alvo imediato de impeachment, como bem lembrou o Lungarzo).

Inacreditavelmente, o projeto de Telhada foi aprovado na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal; mas, precisa passar por duas outras comissões antes da votação em plenário.

Ou seja, os vereadores paulistanos ainda têm três chances para evitar um desgaste equivalente ao da Câmara Federal no episódio Feliciano.

E nós podemos esclarecê-los sobre a história recente deste país, a qual, lamentavelmente, parecem ignorar.

Aliás, há um papel a ser cumprido, neste trabalho didático, pela Comissão da Verdade e pelos defensores dos Direitos Humanos em geral. Mãos à obra, pois!

É o mínimo que a cidadania pode fazer pelos resistentes massacrados numa luta tão desigual e travada de forma tão hedionda que só mesmo desinformados ou indignos podem se orgulhar do vergonhoso  papel que nela desempenharam, de sustentáculos de uma ditadura bestial.

A ZIGUEZAGUEANTE TRAJETÓRIA DE QUEM É MOVIDO PELA AMBIÇÃO

O bom jornalista Gilberto Dimenstein tocou num ponto interessante em seu artigo Russomanno está debochando?. Mas, nossas conclusões diferem um pouco.

Comecemos pelo Dimenstein:

Geralmente (quase sempre, aliás) planos de governo e promessas de campanha quase se confundem em sua inutilidade. São apenas peças para atrair votos. Muitas das ‘propostas’ são elaboradas não por técnicos, mas por marqueteiros.

Uma vez eleito, o candidato é limitado pela realidade dos números –e os eleitores logo esquecem, afinal, resignam-se, ‘todos os políticos são iguais’. Celso Russomanno, porém, parece estar conseguindo debochar ainda mais o que já é debochado.

Cobrado nos debates por não ter um programa, requentou (isso para ser generoso) um programa que entregou, por obrigação, ao tribunal eleitoral. Nenhuma –e nenhuma aqui não é força de expressão– meta detalhada em números.

Algumas possibilidades, todas complicadas para quem se diz defensor dos direitos do consumidor:

  1. Ele não imaginava que iria tão longe na disputa eleitoral e que seria cobrado nos debates;
  2. Não acha plano de governo importante;
  3. Não acha que o eleitor ache plano de governo importante. E, portanto, tanta faz como tanto fez;
  4. Não dispõe de gente qualificada para, no mínimo, inventar um plano de governo.

Deveríamos inventar um Código de Defesa do Eleitor.

Russomanno deve mesmo ser combatido como o pior dos candidatos à Prefeitura paulitana, nem tanto pelo que é –não passa de um oportunistazinho que, por si só, nunca voaria alto–, mas por servir como  cavalo de Tróia  para Edir Macedo, este sim um vilão considerável, daqueles que constroem impérios do mal. Versão brasileira do  satânico Dr. Moon.

Todos os alarmes já deveriam ter soado quando se verificou a união de algumas empresas religiosas que, via de regra, competem encarniçadamente pelos otários a serem depenados. 

Se os vendilhões do templo somarem permanentemente as forças, como já fazem suas bancadas no Congresso, muita coisa ruim poderá acontecer. Afinal, têm um exército de zumbis para colocar nas ruas, o que hoje falta a quase todos os partidos, inclusive os de esquerda.

Hitler também era insignificante quando começou a discursar em cervejarias, daí ter sido tão subestimado. Deu no que deu.

Intolerância: o príncipio…

E alguns de seus truques estão sendo bisados, como a demonização de qualquer grupo como espantalho contra o qual unir o rebanho. Naquele tempo eram os judeus, agora são os devotos do cultos afrobrasileiros, os gays, os defensores do direito das mulheres ao aborto, etc. Nada se cria, tudo se copia.

Mesmo assim, sou obrigado, por minhas convicções, a fazer uma meia-defesa do Russomanno: plano de governo não tem mesmo importância nenhuma!

Trata-se de uma das muitas imposturas que a indústria cultural martela na cabeça dos eleitores, no sentido de reduzir as eleições a um mero cotejo de bonequinhos de ventríloquos a recitarem o blablablá dos marqueteiros, propostas mirabolantes e miudezas paroquiais.

O governador Geraldo Alckmin, evidentemente, não colocou na sua proposta de governo que detonaria os coitadezas da cracolândia e do Pinheirinho, nem que concederia à PM  licença para matar  (salvo no período eleitoral, quando, para salvar as aparências, age como acaba de agir: substituiu sofregamente um comandante da Rota que ele mesmo empossara e de cujos antecedentes –envolvimento no Massacre do Carandiru– tinha a obrigação de estar ciente, não podendo alegar surpresa quando ocorre um mais do que previsível aumento da taxa de  homicídios oficializados).

O que deveria realmente ser considerado pelos eleitores é o programa do partido. Havendo um comprometimento com valores políticos e ideológicos bem definidos, o papel do eleito seria esforçar-se ao máximo para traduzir tais princípios na prática administrativa.

…e o fim.

Mas, claro, não interessa ao sistema fortalecer os partidos, pois os de esquerda teriam consistência muito maior. Então, a lavagem cerebral midiática é toda ela no sentido de  personalizar  a escolha.

O que vem ao encontro da cultura consumista: assim como se opta por uma marca de sabão, opta-se por um candidato. E ambos são embalados e promovidos da mesmíssima forma.

Então, melhor do que cobrar um plano de governo do Russomanno seria cobrar-lhe uma explicação pormenorizada sobre o que o atraiu no programa do PFL, no do PSDB, no do PPB/PP e no do PRB, já que são partidos com diretrizes e ideologias bem diferentes; por que saiu de um e ingressou no outro; se o atual é definitivo ou será trocado ao sabor das conveniências, etc.

Duvido que ele conseguisse encontrar alguma argumentação plausível para justificar sua ziguezagueante trajetória, típica de quem é movido pela ambição e por convicções.

URGENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO PODERÁ PEDIR INTERVENÇÃO FEDERAL EM SP

Em audiência pública que realizará nas próximas horas, o Ministério Público Federal vai discutir a “perda do controle da segurança” em São Paulo, o eventual afastamento do comando da Polícia Militar paulista e até a necessidade ou não de um pedido de intervenção federal no Estado.

O MPF, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e o Movimento Nacional dos Direitos Humanos questionarão autoridades públicas e instituições policiais a respeito do número exorbitante de homicídios praticados por agentes públicos nos últimos meses.

“Precisamos discutir as medidas e a reação da sociedade diante das violências que estão sendo praticadas por quem deveria proteger o cidadão”, afirmou o procurador da República Matheus Baraldi Magnani.

ROTA: LETALIDADE DISPARA NOS ÚLTIMOS 5 ANOS

Um dado que dimensiona bem a escalada de  assassinatos legalizados  em SP: a Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, unidade mais truculenta da PM, aumentou sua letalidade em 78%, de 2007 (quando admitiu ter matado 46 pessoas por supostamente haverem resistido à prisão) a 2011 (quando o número disparou para 82).

A Rota fechou o primeiro semestre de 2012 com um saldo de 48 óbitos. Se não forem tomadas providências, deverá bater novo recorde.

Representando menos de 1% do efetivo total da PM, nos últimos cinco anos a Rota foi responsável por 14% dos casos de alegadas  resistências seguida de morte  da corporação como um todo.

Como enfatizou o Conselho de Direitos Humanos da ONU no final de maio, ao recomendar ao Brasil a extinção pura e simples das polícias militarizadas, a análise de 11 mil casos o levou a concluir que as ditas  resistências seguidas de morte  frequentemente encobrem homicídios desnecessários e covardes perpetrados pela PMs em episódios nos quais os marginais já estão rendidos.

PARA LER E MEDITAR (É ESTA A POLÍCIA QUE QUEREMOS?)

“Ao começar a fazer este livro, meu objetivo era denunciar a ação de matadores oficiais contra os civis envolvidos em crimes na cidade. O balanço final do meu trabalho, em junho de 92, acabou surpreendendo a mim mesmo. Os criminosos não representam a maioria entre as pessoas mortas pelos policiais militares.

O resultado de minha investigação, que abrange o período de 22 anos de ação dos matadores, mostra que a maior parte dos civis mortos pela PM de São Paulo é constituída pelo cidadão comum que nunca praticou um crime: o inocente.

O resultado do confronto do nosso Banco de Dados com os arquivos da Justiça Civil revela que 65 por cento das vítimas da PM que conseguimos identificar eram inocentes.”

(Caco Barcellos no livro Rota 66 – a história da polícia que mata, cujo texto integral pode ser acessado neste endereço)

É HORA DE NOS LIVRARMOS DE MAIS UM ENTULHO AUTORITÁRIO: A PM

Lendo o artigo do filósofo Vladimir Safatle, Pela extinção da PM, dei-me conta de que, quando a Polícia Militar paulista executou cidadãos honestos na semana passada, a ficha não me caiu e deixei de relacionar as matanças à recente recomendação da ONU, no sentido de que o Brasil elimine mais este entulho autoritário. 
Lapso imperdoável, pois eu havia sido o primeiro a concordar entusiasticamente com tal proposta, conforme se pode constatar no meu artigo de 04/06/2012, Da ONU para o Brasil: extingam as PM’s!!! (ver aqui).

Então, é uma bandeira que estou levantando e convidando os companheiros a levantarem.

Na contramão do Paulo Maluf, que adotava como bordão o sinistro vou botar a Rota na rua!, tem tudo a ver exigirmos: vamos botar a PM no museu da ditadura!  Quiçá na mesma prateleira do Doi-Codi…

Eis o artigo do Safatle, que, claro, aprovo e recomendo:

 No final do mês de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a pura e simples extinção da Polícia Militar no Brasil. Para vários membros do conselho (como Dinamarca, Espanha e Coreia do Sul), estava claro que a própria existência de uma polícia militar era uma aberração só explicável pela dificuldade crônica do Brasil de livrar-se das amarras institucionais produzidas pela ditadura.

No resto do mundo, uma polícia militar é, normalmente, a corporação que exerce a função de polícia no interior das Forças Armadas. Nesse sentido, seu espaço de ação costuma restringir-se às instalações militares, aos prédios públicos e aos seus membros.

Apenas em situações de guerra e exceção, a Polícia Militar pode ampliar o escopo de sua atuação para fora dos quartéis e da segurança de prédios públicos.

No Brasil, principalmente depois da ditadura militar, a Polícia Militar paulatinamente consolidou sua posição de responsável pela completa extensão do policiamento urbano. Com isso, as portas estavam abertas para impor, à política de segurança interna, uma lógica militar.

Assim, quando a sociedade acorda periodicamente e se descobre vítima de violência da polícia em ações de mediação de conflitos sociais (como em Pinheirinho, na cracolândia ou na USP) e em ações triviais de policiamento, de nada adianta pedir melhor ‘formação’ da Polícia Militar.

Dentro da lógica militar, as ações são plenamente justificadas. O único detalhe é que a população não equivale a um inimigo externo.

Isto talvez explique por que, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea, 62% dos entrevistados afirmaram não confiar ou confiar pouco na Polícia Militar. Da mesma forma, 51,5% dos entrevistados afirmaram que as abordagens de PMs são desrespeitosas e inadequadas.

Como se não bastasse, essa Folha mostrou no domingo que, em cinco anos, a Polícia Militar de São Paulo matou nove vezes mais do que toda a polícia norte-americana (‘PM de SP mata mais que a polícia dos EUA’, ‘Cotidiano’).

Ou seja, temos uma polícia que mata de maneira assustadora, que age de maneira truculenta e, mesmo assim (ou melhor, por isso mesmo), não é capaz de dar sensação de segurança à maioria da população.

É fato que há aqueles que não querem ouvir falar de extinção da PM por acreditar que a insegurança social pode ser diminuída com manifestações teatrais de força.

São pessoas que não se sentem tocadas com o fato de nossa polícia torturar mais do que se torturava na ditadura militar. Tais pessoas continuarão a aplaudir todas as vezes em que a polícia brandir histericamente seu porrete. Até o dia em que o porrete acertar seus filhos.

O HOMEM QUE TODOS AMAM ODIAR: PAULO MALUF

Nunca antes neste país se viu um político detentor de enorme popularidade sofrer rejeição tão extremada e generalizada quanto a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula experimentou ao serem divulgadas as fotos de sua alegre contraternização com Paulo Maluf.

É óbvio que tal reação foi principalmente a de um público bem informado, que se interessa pela política, acompanhando-a pela imprensa ou internet (nas quais aquelas imagens repercutiram da forma mais negativa possível). Até agora não se aferiu a impressão causada naqueles que veem Lula como o novo  pai dos pobres. Terão se indignado? Pelo menos sabem quem é Maluf?

E os bem pensantes, sabem?

Eu, que acompanho a carreira de Maluf desde os primórdios, sempre estranhei que estes últimos o erigissem no mais execrável de todos os execráveis políticos direitistas.

Em bateboca memorável num debate eleitoral de 1989, Leonel Brizola o qualificou várias vezes de “filhote da ditadura”, o que não é toda a verdade.

Os  filhotes  paradigmáticos eram aqueles políticos inexpressivos e servis que  governaram São Paulo unicamente por terem o beneplácito dos ditadores, como Laudo Natel e Paulo Egydio Martins.

Maluf foi, isto sim, um sapo direitista que a ditadura ultradireitista engoliu. Com sorte e muita habilidade para cooptar e corromper delegados, três vezes conseguiu arrobar a festa.

Dona Flor e seus dois maridos
O governador Abreu Sodré escolheu Luiz Arroba Martins para ser nomeado prefeito de São Paulo, mas o dito cujo cometeu o deslize de, numa reunião no Palácio dos Bandeirantes, criticar o poder central. Imediatamente os militares o vetaram e Sodré foi obrigado a digerir a nomeação do pretendente alternativo, aquele presidente da Associação Comercial que Delfim Netto protegia. Assim Maluf se tornou prefeito (1969-1971).
Com seu estilo de  tocador de obras, fez muitas, tanto como prefeito quanto como secretário dos Transportes do Governo de Natel (1971-1975). E, claro, a corrupção correu solta –o que nunca foi novidade no Brasil. Vide seu antecessor mais célebre em SP, o interventor federal, prefeito e governador Adhemar de Barros, popularmente conhecido como o  rouba-mas-faz.

Agradeceria a Natel pelo trampolim disponibilizado para sua ascensão política… traindo-o e o derrotando de forma vexatória. Natel foi escolhido pelos militares para governar São Paulo pela terceira vez e pensou que os convencionais da Arena bateriam continência; não deu a mínima para eles.

Maluf visitou os 1.261, um por um e, com os argumentos sonantes  habituais, acabou seduzindo 617 e ganhando a convenção por diferença de 28 votos. Os fardados, estupefatos, cogitaram virar a mesa, mas acabaram se conformando.

Lula preso pelo Dops. Adivinhem quem era o governador…

Cansaram de afastar arbitrariamente os políticos opositores e os que, mesmo estando ao seu lado no momento da quartelada, depois passaram a defender a redemocratização do País. Hesitaram, contudo, em dar o mesmo tratamento àquele que era o maior dos seus puxa-sacos; Maluf só os contrariava no tocante a suas ambições pessoais, beijando-lhes abjetamente os coturnos em todo o resto.

A pior faceta de Maluf, o motivo que o faz mais merecedor de repúdio (no meu entender) foi, como governador (1979-1982), ter dado carta branca para a tropa de choque da Polícia Militar, a Rota, barbarizar os bairros pobres, atuando com truculência desmedida e exterminando marginais com sanha comparável à do antigo Esquadrão da Morte. Depois, em cada uma das quatro tentativas frustradas de voltar ao Palácio dos Bandeirantes, repetiu o bordão: “Vou colocar a Rota na rua!”.

Vale lembrar que, em Rota 66 – A polícia que mata, o repórter Caco Barcelos documentou 4.200 casos (totalizando cerca de 12 mil vítimas inocentes) de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como alvos, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros, muitas vezes sem antecedentes criminais. Os cidadãos honestos atingidos por engano seriam em maior número do que os verdadeiros criminosos – cuja condição, claro, não eximia os policiais do dever de entregá-los à Justiça, ao invés de simplesmente os abater como moscas.

VALORES DISTORCIDOS
Para lembrar outro filme: “Dormindo com o inimigo”…
Até hoje me indigna que Maluf haja se tornado um criminoso procurado pela Interpol em razão de crimes financeiros e não como patrono e incentivador de assassinos seriais, responsável último por uma infinidade de execuções maquiladas em  resistência à prisão. Isto dá uma boa idEia da escala desumana de valores do sistema capitalista…

Nos estertores da ditadura, Maluf repetiu a proeza de conquistar os convencionais do partido governista, convencendo-os a não endossarem a candidatura oficial de Mário Andreazza. Mas, uma parte deles preferiu debandar e constituir o PFL, garantindo sua permanência no poder como aliados do PMDB.

Foi o fim das chances presidenciais de Maluf, que chegou perto mas não levou… felizmente! Teve de contentar-se em ser mais uma vez prefeito de São Paulo (1993-1996), mas a tentativa de nova decolagem enguiçou quando o sucessor que elegeu, Celso Pitta, teve gestão escandalosa e acabou rejeitado, como   ruim  ou   péssimo, por 83% dos paulistanos.

Lula salvou Sarney de ser escorraçado. Pode?
E Maluf acabou sendo mais execrado ainda do que Fernando Collor, o outro populista de direita importante das últimas décadas. Merece sê-lo por seu absoluto desprezo pelos direitos humanos, principalmente dos pobres e excluídos. Mas, no restante, corrupção inclusa, os dois são farinha do mesmíssimo saco.

Quanto a Lula, considero tão infames seus salamaleques com Maluf como com outros três grandes vilãos da direita: Collor (o cafajeste que invadiu sua intimidade e tornou público um assunto constrangedor –a existência de uma filha que ocultava– para usá-lo como munição eleitoral), Sarney (vaquinha de presépio dos milicos que deu um jeito de continuar emporcalhando a cena política depois de 1985) e ACM (o coronelão nordestino que mais poder acumulou durante a ditadura).

Sei lá por que foi desta vez que o copo transbordou. Mas, a intuição do Lula parece ter evaporado, pois a consequência daquelas fotos era mais do que previsível.