Alberto Dines

‘COPA DAS COPAS’? MENOS, BEM MENOS…

COPA DO AUTORITARISMO

“Não serei o primeiro a lembrar que, dentre os vários legados da Copa do Mundo, um dos mais duradouros será certamente a ampliação da zona de suspensão de direitos. O Brasil já era conhecido por seu histórico de violência policial, de desrespeito aos direitos civis e pela proximidade entre bandidos e a polícia. Nesta Copa do Mundo, a despeito da segurança contra manifestações políticas, tal processo chegou muito próximo da perfeição.

…Transformando praça pública em verdadeiras praças de guerra nas quais pessoas ficaram confinadas por horas à força, espancando jornalistas, moradores, advogados e ativistas de maneira indiscriminada (…) e prendendo por ‘formação de quadrilha’ pessoas cujo maior crime foi manifestarem-se politicamente, as ‘forças da ordem’ [o colunista alude à PM do Rio de Janeiro] conseguiram impor um padrão de excelência em matéria de indistinção entre democracia e passado ditatorial.

Já em São Paulo, (…) a polícia havia mostrado quão pouco realmente se deixa intimidar por certas ‘ideias abstratas’, como respeito ao direito popular de contestação e às garantias constitucionais….

…práticas de exceção, quando aparecem devido a situações, digamos, excepcionais (como Copas, Olimpíadas, uma invasão de argentinos, guerras ou catástrofes naturais) não desaparecem mais. Elas vão se tornando uma espécie de jurisprudência muda, que pode existir nas entrelinhas, sem precisarem ser claramente enunciadas para serem efetivamente seguidas.” (Vladimir Safatle, em sua coluna desta 3ª feira, 15,  na Folha de S. Paulo, cuja íntegra pode ser acessada aqui)

COPA DAS MARACUTAIAS

“A Copa do Mundo deixa um legado de infraestrutura para o Brasil muito menor do que o prometido quatro anos atrás – e a um custo mais alto. Em 2010, o governo anunciou que o evento atrairia investimentos de R$ 23,5 bilhões em 83 projetos de mobilidade urbana, estádios, aeroportos e portos. Parte das obras ficou no caminho e só 71 projetos foram mantidos na lista.
Segundo levantamento feito pela rede de repórteres do Estado nas 12 cidades-sede, as obras entregues para a Copa e as inacabadas somam R$ 29,2 bilhões – mesmo tendo sido substituídos em várias cidades projetos mais ambiciosos, como trens e monotrilhos, por modestos corredores de ônibus. Ou seja, o País gastou mais para fazer menos e com menor qualidade.” (reportagem de O Estado de S. Paulo, de autoria de Lourival Santanna e Marina Gazzoni, cuja íntegra pode ser acessada aqui)

COPA DO AFOGADILHO

“A mídia, porventura, errou ao chamar a atenção para o atraso nas obras, excesso de sedes, previsões orçamentárias desrespeitadas? Da imprensa não se espera outra atitude se não a de advertir para erros, apontar irregularidades e cobrar providências. O cronograma estava visivelmente comprometido, corria-se o risco de começar a Copa com andaimes nos estádios, tapumes nos aeroportos, nó monumental no trânsito, caos nas comunicações.

A imprensa pensava no público, tanto a nacional como a internacional. E graças à salutar verberação, as autoridades se apressaram, abusos foram evitados e providências extremas adotadas. Sem a fieira de feriados nos dias de jogos do Brasil ou nas cidades-sede o país ainda hoje estaria engarrafado. Mesmo nos dias úteis registrou-se um abrandamento geral nos horários e nos compromissos. Durante cinco semanas as viagens de negócio foram praticamente suspensas. Isso tem um custo, sobretudo em situações de depressão econômica como a atual.” (artigo de Alberto Dines publicado no Observatório da Imprensa, cuja íntegra pode ser acessada aqui)

TRIBUTO À COERÊNCIA

“Morreu Plínio de Arruda Sampaio. Era um homem inequivocamente de esquerda sem nunca ter sido de fato marxista. Foi um democrata cristão no início de sua vida pública sem jamais ter sido um conservador. Sua personalidade complexa e aparentemente contraditória, que conheci bem, guardava uma notável coerência.
Concordasse eu com suas escolhas ou não –e é certo que, politicamente, estivemos mais próximos no passado do que em dias recentes–, tenho claro que Plínio rompeu barreiras políticas sempre por bons motivos, que nunca atenderam à sua conveniência pessoal. Há homens que admiramos não porque falam o que nós pensamos, mas porque falam o que eles pensam. Plínio se foi de bem com sua consciência, e aí está uma grandeza e uma paz merecidas.” (José Serra, em artigo publicado nesta 3ª feira, 15, na Folha de S. Paulo, cuja íntegra pode ser acessada aqui)
Obs. Já que o oficialismo tenta de todas as formas impingir a balela propagandística de que o Mundial 2014 da Fifa (muito mais dela do que nosso…) teria sido a Copa das Copas, é sempre bom alguém mostrar o outro lado da moeda. Sou um dos que cumprem atualmente este papel, seja por meio de textos próprios, seja chamando a atenção dos meus leitores para aspectos importantes que outros abordaram, como faço agora. Com a autoridade de quem não tem o rabo preso com nenhuma candidatura presidencial. Apenas me indigna ver, em 2014, a repetição do mesmo ufanismo belicoso de 1970. Mudaram os slogans, mas a essência continua a mesma: manipulação e intolerância. Antes era “Brasil, ame-o ou deixe-o!”, agora é “Vândalos, mofem no cárcere para não melarem a festa!”. 

De quebra, destaco o belo necrológio de José Serra, que teve o privilégio de ser amigo do Plínio de Arruda Sampaio, dando, portanto, um depoimento que só quem o conhecia intimamente poderia dar. Não é o meu caso, embora nossos rápidos contatos tenham confirmado minha impressão de que ele era um dos últimos brasileiros cordiais, além de idealista exemplar e valoroso companheiro.

ALTAS DOSES DE RANCOR E SADISMO INATO

ignóbil matéria-de-capa da edição 2365 da veja continua despertando a indignação dos justos.
Do ponto de vista jornalístico, a palavra final foi dada pelo grande Alberto Dines, lenda viva da imprensa brasileira, que afirmou (vide íntegra do artigo aqui):

José Dirceu, a Vida na Cadeia não é reportagem, é pura cascata: altas doses de rancor combinadas a igual quantidade de velhacaria em oito páginas artificialmente esticadas e marombadas. As duas únicas fotos de Dirceu (na capa e na abertura), feitas certamente com microcâmera, não comprovam regalia alguma.

Ao contrário: magro, rosto vincado, fortes olheiras, cabelo aparado, de branco como exige o regulamento carcerário, não parece um privilegiado. Se as picanhas, peixadas e hambúrgueres do McDonald’s supostamente servidos ao detento fossem reais, Dirceu estaria reluzente, redondo, corado. Um preso em regime semiaberto pode frequentar a biblioteca do presídio, não há crime algum.

Os defensores dos direitos humanos, estranhamente, têm permanecido à margem da discussão e, que eu saiba, nenhum se indignou com a tom zombeteiro adotado tanto pela revista quanto por seu principal blogueiro, ao aludir ao podólogo que cuida da unha encravada do Zé Dirceu.
Em sites como o Brasil 247, há uma enxurrada de comentaristas contrapondo às minhas ponderações sua ânsia, explícita ou implícita, de vingança contra os grãos petistas  (vide aqui). 
Insisto: o cerne da questão é se presos têm ou não direito a tratamento civilizado, o que inclui médico, exames laboratoriais, dentista, oculista, fisioterapeuta, podólogo, nutricionista, etc., sempre que realmente necessário. 
Porque o contrário seria acrescentar à pena de reclusão que estão cumprindo, outras que as sentenças não preveem: a de morte ou encurtamento da vida, comprometimento temporário ou definitivo da saúde, privação da visão e da locomoção, dores terríveis (de dentes e de unhas encravadas), etc. 
Os que lhes negam tais direitos elementares de quaisquer seres humanos, sob pretexto de que outros presos não teriam acesso a isso tudo, é porque não os querem para preso nenhum. 
Nada há de errado em que alguns detentos remunerem tais profissionais; e os demais poderiam ser levados a instituições que os atendessem gratuitamente ou mediante convênios firmados pelo Estado. 
Isto, claro, partindo do pressuposto de que a privação da liberdade visa à reabilitação do criminoso, a impedir que ele reincida e a desestimular que outras pessoas o imitem, pois são estas, em teoria, as finalidades da pena de prisão. 
Mas, como notou Hélio Schwartsman (neste artigo apropriadamente intitulado de Sadismo Inato),  “parte de nossas mentes acredita que o apenado tem de sofrer na prisão”, pois  a “natureza humana [é] ligeiramente sádica”. 
A nossa caminhada rumo a estágios superiores de civilização exige que nos esforcemos para superar tal sadismo primevo, tentando agir sempre como seres verdadeiramente humanos. 
Estimulando retrocessos por interesses políticos ou desumanidade inerente, os editores da veja e Reinaldo Azevedo apontam um caminho que nos conduziria diretamente às cavernas, de onde eles parecem jamais ter saído. 

O NATAL COMO CELEBRAÇÃO DO TEMPLO E DE SEUS VENDILHÕES. E A ALTERNATIVA.

O que o mundo realmente celebra no Natal? A saga de um carpinteiro que trouxe esperança a pescadores e outras pessoas simples de um país subjugado ao maior império da época.
Os primeiros cristãos eram triplamente injustiçados: economicamente, porque pobres; socialmente, porque insignificantes; e politicamente, porque tiranizados.
Jesus Cristo nasceu três décadas depois da maior revolta de escravos enfrentada pelo Império Romano em toda a sua existência.
As mais de seis mil cruzes fincadas ao longo da Via Ápia foram o desfecho da epopéia de Spartacus, que, à sua maneira rústica, acenou com a única possibilidade então existente de revitalização do império: o fim da escravidão. Roma ganharia novo impulso caso passasse a alicerçar-se sobre o trabalho de homens livres, não sobre a conquista e o chicote.
Vencido Spartacus, não havia mais quem encarnasse (ou pudesse encarnar) a promessa de igualdade na Terra.
Jesus Cristo a transferiu, portanto, para o plano místico: todos os seres humanos seriam iguais aos olhos de Deus, devendo receber a compensação por seus infortúnios num reino para além deste mundo.
Este foi o cristianismo das catacumbas: a resistência dos espíritos a uma realidade dilacerante, avivando o ideal da fraternidade entre os homens.
Hoje há enormes diferenças e uma grande semelhança com os tempos bíblicos: o império igualmente conseguiu neutralizar as forças que poderiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.
A revolução é mais necessária do que nunca, mas inexiste uma classe capaz de assumi-la e concretizá-la, como o fez a burguesia, ao estabelecer o capitalismo; e como se supunha que o proletariado industrial fizesse, edificando o socialismo.
AS AMEAÇAS DE CATÁSTROFES E O FANTASMA DO RETROCESSO
O fantasma a nos assombrar é o do fim do Império Romano: ou seja, o de que tal impasse nos faça retroceder a um estágio há muito superado em nosso processo evolutivo.
O capitalismo hoje produz legiões de excluídos que fazem lembrar os bárbaros que deram fim a Roma; não só os que vivem na periferia do progresso, mas também os miseráveis existentes nos próprios países abastados, vítimas do desemprego crônico.
E as agressões ao meio ambiente, decorrentes da ganância exacerbada, estão atraindo sobre nós a fúria dos elementos, com conseqüências avassaladoras. Décadas de catástrofes serão o preço de nossa incúria.
No entanto, como disse o grande jornalista Alberto Dines, “criaturas e nações cometem muitos desatinos, mas na beira do abismo recuam e escolhem viver”.
Se a combinação do progresso material com a influência mesmerizante da indústria cultural tornou o capitalismo avançado praticamente imune ao pensamento crítico e à gestação/concretização de projetos alternativos de organização da vida econômica, política e social, tudo muda durante as grandes crises, quando abrem-se brechas para evoluções históricas diferentes.
Temos pela frente não só a contagem regressiva até que as contradições insolúveis do capitalismo acabem desembocando numa depressão tão terrível como a da década de 1930, como a sucessão de emergências e mazelas que decorrerão das alterações climáticas.
O sofrimento e a devastação serão infinitamente maiores se os homens enfrentarem desunidos esses desafios. Caso as nações e os indivíduos prósperos venham a priorizar a si próprios, voltando as costas aos excluídos, estes morrerão como moscas.
O desprendimento, substituindo a ganância; a cooperação, em lugar da competição; e a solidariedade, ao invés do egoísmo, terão de dar a tônica do comportamento humano nas próximas décadas, se as criaturas e nações escolherem viver.
E há sempre a esperança de que os mutirões criados ao sabor dos acontecimentos acabem apontando um novo caminho para os cidadãos, com a constatação de que, mobilizando-se e organizando-se para o bem comum, eles aproveitam muito melhor as suas próprias potencialidades e os recursos finitos do planeta.
Então, para além deste Natal mercantilizado, que se tornou a própria celebração do templo e de seus vendilhões, vislumbra-se a possibilidade de outro. O verdadeiro: o Natal cristão, dos explorados, dos humilhados e ofendidos.

Se frutificarem os esforços dos homens de boa vontade.

"ESTAMOS VIAJANDO A GALOPE EM DIREÇÃO À IDADE MÉDIA"

Com indesculpável atraso, acabo de tomar conhecimento da 
MELHOR análise sobre o fenômeno Russomanno publicada 
nas  tribunas  conceituadas (avalio a minha como
 alternativa): a de Alberto Dines (foto),  lenda 
 viva da  resistência  jornalística brasileira 
à ditadura militar.

Recomendo com entusiasmo e subscrevo cada palavra.

NINGUÉM TENTA EXPLICAR O 
“MILAGRE” RUSSOMANNO 
É jovem (56 anos), viúvo, razoável pinta, arrumado, verbo solto, experimentado repórter de TV (no popularíssimo Aqui, Agora, do SBT). Já teve votações espetaculares como deputado federal, a primeira em 1994 (pelo PSDB). Depois de tucano experimentou ser corvo de Paulo Maluf, agora é uma águia macedista, alado seguidor do bispo Edir Macedo, imperador do PRB e da Igreja Universal do Reino de Deus.
Celso Russomanno lidera com folga há algumas semanas a disputa pela prefeitura paulistana onde enfrenta simultaneamente, e sem estresse, duas feras eleitorais – José Serra e Lula da Silva.
Opinionistas, politólogos, musas acadêmicas, pesquisólogos e especialistas em eleições acham que o fenômeno não se aguenta nas pernas, e talvez por isso sequer tentam interpretações mais originais para explicá-lo. Já se falou em desgaste da polarização PT-PSDB, em cara nova, neopopulismo, cacarequismo, nova classe média etc., etc. As acusações de corrupção, falsidade ideológica e outras tantas do Código Penal não colam em Russomanno.
Poucos analistas se animam a tocar na explicação fundamental: a formidável politização da religião. Não é a defesa do consumidor que dá robustez à candidatura de Russomanno. É o apoio da maior organização evangélica neopentecostal da América Latina – e talvez a maior do mundo.
Rumo ao passado
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) é uma potência política, econômica, midiática. Edir Macedo, seu fundador, é incomparavelmente mais poderoso do que foi o reverendo coreano Sun Myung Moon, apóstolo da Igreja da Unificação, falecido há dias.
Mesmo que Mitt Romney seja eleito presidente dos EUA e convertido em líder de uma superpotência mundial, Edir Macedo continuará como papa de uma congregação global articulada pelo fanatismo e pelo fundamentalismo.
Colocar Russomanno no centro de uma guerra santa é temerário, mas talvez seja exatamente este o tríplice sonho de Edir Macedo – ser perseguido pela Santa Madre Igreja, desembaraçar-se de Lula e aniquilar a grande imprensa que tanto o incomoda. Isso explica a superficialidade das análises midiáticas sobre a arrancada de Celso Russomanno. Melhor fingir de avestruz, comer areia, do que enfrentar as manadas das seitas político-religiosas iluminadas por holofotes de neon.
Falar no poder da IURD significa trazer para a ribalta o poder recôndito do Opus Dei, hoje um dos polos do poder político brasileiro que a esquerda teima em ignorar e à direita não interessa badalar.
Estamos viajando a galope em direção à Idade Média. Seu ícone, bem penteado e bem vestido, não precisa de novas mídias nem de redes sociais; sua força está contida numa mensagem de apenas 19 caracteres: votem em Russomanno. (Fonte: Observatório da Imprensa)

A VEXATÓRIA SUBMISSÃO DA GRANDE MÍDIA ÀS "FORÇAS DO MERCADO"

O Observatório da Imprensa traz mais uma lição de jornalismo do mestre Alberto Dines, vindo ao encontro do que flagrei no meu artigo O pião do PIG: o viés descaradamente anti-indignados da grande imprensa brasileira.

Recomendo e aplaudo o artigo Coleguinhas, não tenham medo dos indignados!, cujos principais trechos destaco:
Nossa mídia está visivelmente embaraçada com a inesperada ampliação do movimento dos indignados nos quatro cantos do mundo. Embaraçada, abobalhada e apavorada. Sobretudo com a versão americana, mais focada, mais centrada e mais politizada – anticonservadora, escancaradamente anti-Tea Party.

 Como escreveu o catedrático emérito de direito Norman Birnbaum no El País de domingo (16/10), esta não é uma revolta, é um movimento social com seculares antecedentes históricos. Segundo ele, finalmente abriu-se uma brecha no consenso de que este capitalismo global praticado hoje é a única via para o paraíso.

Não obstante, nossa mídia mostra-se nos últimos anos incapaz de perceber sutilezas. Radicalizou. Embruteceu. Tornou-se assumidamente reacionária. Confundiu canhestramente liberalismo econômico com liberalismo político e adotou, sem qualquer constrangimento, as postulações populo-conservadoras made in USA.
A infiltração da Opus Dei na grande mídia (inclusive latino-americana) criou nas nossas entidades corporativas, na cúpula de muitas empresas jornalísticas, em ‘aquários’ e mesmo em redações, uma vexatória submissão às chamadas ‘forças do mercado’. Esquecida de que é a única indústria cujo funcionamento é garantido pela Constituição, nossa imprensa engavetou o seu papel de guardiã do interesse público. A palavra regulação foi banida – em todos os campos, esferas, espaços, segmentos. Criamos em surdina um Tea Party caboclo, um Coffee Party, igualmente tóxico, desagregador.
Coleguinhas, não tenham medo dos indignados. Eles são vocês do outro lado da rua. Querem apenas um mundo menos atribulado do que o proposto pelos adeptos da destruição criativa.

DINES: CAPA DA ‘VEJA’ É UM ATENTADO À INTELIGÊNCIA DO LEITOR

É sempre gratificante apreciarmos o texto de um mestre em dia inspirado.

Caso de Jornalismo político volta à Era da Pedra Lascada, com que o grande Alberto Dines dimensiona bem a última falácia da pestilenta Veja: uma matéria de capa extremamente tendenciosa e disparatada em seu conjunto, que carece de lógica “mesmo enquanto ficção”.

Como resultado do parto da montanha, efetuado com métodos criminosos, pariu-se um rato jornalístico, “atentado à inteligência do leitor” que “degrada o processo político”. Perfeito.

Eis os trechos principais do excelente artigo publicado no Observatório da Imprensa:
…Há hoje uma metamensagem ou criptojornalismo, cifrado, exclusivo de um seleto grupo de iluminados. O governo manda suas mensagens, a mídia é obrigada a entender. Mesmo não gostando. A réplica pode vir com a mesma sutileza…
O que conspira contra o jogo democrático são as ameaças de rupturas. O presidente Lula não entendeu, não quis ou não teve paciência para entender o tricô das raposas. Subia no palanque e ‘mandava ver’ (…). Criou impasses, cavou confrontos perigosos.

É o que fez Veja com a sua última matéria de capa sobre o ex-ministro José Dirceu (‘O poderoso chefão’, edição nº 2232, data de capa 31/8/2011). Sutil como uma carga de cavalaria – e tão eficaz quanto esta –, produziu um curto-circuito, reintroduziu a imprudência no diálogo governo-imprensa. Repercutiu no exterior. E daí?

A verdade é que a matéria recoloca o jornalismo político brasileiro na Era da Pedra Lascada. Traz de volta os vídeos clandestinos, os arapongas, os dossiês secretos jogados no colo de jornalistas ditos ‘investigativos’.
José Dirceu (…) é também um consultor/lobista. Pode alugar um andar inteiro num hotel dez estrelas em Brasília ou Luanda e nele receber legiões de correligionários, clientes e amigos. Não há nada de ilícito ou malfeito…
O texto inteiro de Veja, da primeira à última linha, é customizado, adaptado para servir à tese de que o ex-chefe da Casa Civil está conspirando contra a sua sucessora, atual presidente da República. Não há evidências, apenas insinuações, ambigüidades, gatilhos.
Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, é amigo pessoal de Dilma Roussef, não poderia conspirar contra ela. José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras cujo maior acionista é o governo, não enfrentaria o seu maior eleitor quando reiniciar sua carreira política. Delcídio Amaral é um petista light, quase-tucano.
A lista dos ‘conspiradores’ é frágil e as possíveis motivações, inconsistentes. O conjunto é disparatado, não faz sentido, carece de lógica. Mesmo enquanto ficção.

Os encontros gravados duraram em média 30 minutos, tempo insuficiente até para acertar uma empreitada de pequeno porte. Devidamente investigados, os fatos poderiam vincular-se e ganhar alguma dimensão. No estado bruto em que foram apresentados pelo semanário de maior tiragem do país representam um atentado à inteligência do leitor, não renderiam sequer uma nota numa coluna de fofocas políticas.

Este é um jornalismo que não se sustenta, é retrocesso. Não favorece a imagem da imprensa, não ajuda a presidente Dilma, prejudica a oposição. Faz esquecer a faxina moralizadora e degrada o processo político.

INDÚSTRIA CULTURAL DISSEMINA OBSCURANTISMO E RETROCESSO

Um dos nomes mais ilustres da resistência jornalística à ditadura militar, Alberto Dines continua firme e forte em sua trincheira no Observatório da Imprensa, brindando-nos com textos impecáveis e imperdíveis como o desta semana: Depois da Guerra Fria, a Guerra Santa, no qual dimensiona outro retrocesso (mais um!) impulsionado pela indústria cultural.

Recomendando a leitura da íntegra, destaco as linhas mestras:
A questão religiosa está nas manchetes, capas, telinhas e monitores da mídia mundial. Há mais tempo, com mais destaque e mais espaço do que a crise econômica mundial (formalmente iniciada em setembro de 2008) e os conflitos bélicos propriamente ditos.
Novos tempos, velha intolerância

Não se trata de um enfrentamento litúrgico ou teológico, Deus não está em discussão, nem a conquista territorial dos Estados conflagrados (…). O objetivo das cruzadas do século 21 é a conquista dos corações e mentes (mais aqueles do que estas) dentro desses Estados.

…estamos testemunhando sem perceber (…) uma tentativa de paralisar o processo civilizacional que marca a humanidade há alguns milênios. Gigantesca guerrilha política, a primeira no gênero, verdadeiramente global, disfarçada em conflito confessional com o objetivo de trocar o ser humano pleno, soberano, em mero adorador de imagens e rituais.
…Defender o Estado secular não significa investir contra as religiões ou crenças, queimar templos, livros sagrados ou desrespeitar devoções. Significa apenas defender o Estado de Direito democrático e isonômico..

ALBERTO DINES E O FEDOR QUE A CAPA DA "FOLHA" EXALA

Durante um arranca-rabo entre os dois principais jornais paulistas na década de 1960, O Estado de S. Paulo, em editorial, acusou os proprietários da Folha de S. Paulo de serem meros comerciantes.
Estes responderam, também em editorial, que o eram, sim, e com muita honra.
 
Bem, os comerciantes da Folha estão negociando tudo, até a capa do seu produto, conforme constata, entre indignado e sarcástico, o grande Alberto Dines, neste artigo imperdível para o Observatório da Imprensa, que reproduzo na íntegra:
FOLHA SHIT“, A INVENÇÃO GENIAL
Front page (em inglês), la une (francês), primera plana (espanhol), primeira ou capa (português) designam o espaço mais nobre de um jornal. Proscênio, altar, janela, fisionomia, marca de identidade, mesmo na imprensa popular a primeira página sempre foi envolvida por uma aura de respeitabilidade.
Neste reino da avacalhação, na última década as primeiras páginas começaram a ser sistematicamente desmoralizadas num conluio entre agências de publicidade desejosas de exibir sua pseudo-ousadia e departamentos comerciais interessados apenas em atender as metas de faturamento e ganhar o seu bônus.
O vale-tudo começou paradoxalmente na chamada grande imprensa reunida sob a égide e as benções da Associação Nacional de Jornais (ANJ). A prostituição do lugar de honra dos jornais foi primeiro experimentada na  Paulicéia Desvairada, depois se estendeu ao resto do país. Inicialmente sob a forma de sobrecapas publicitárias ocupando metade das primeiras páginas e, depois, diante da ausência de protestos, a ocupação passou a ser integral.
Ajuda extraordinária
Fundadores de jornais-monumentos certamente reviravam-se em suas veneráveis tumbas quando debaixo de cabeçalhos que ajudaram a glorificar penduravam-se ofertas de liquidificadores, linguiças e nabos. Virgindade perdida, na fase seguinte foi fácil aos fabulosos criativos das agências sugerir brincadeiras com capas ditas “promocionais” ou disfarçadas de “informes publicitários”, conspurcando não apenas o veículo, mas a sua relação com os leitores.

Na segunda-feira (20/6), a Folha de S.Paulo vendeu-se a uma franquia de cursos de inglês chamada Red Baloon. Inventou uma capa inteiramente escrita em inglês com o mesmo design e teor da capa verdadeira. Genial?

Estúpido! Inglês macarrônico, capenga, burlesco, traduzido ao pé da letra, incompreensível para anglo-saxões porque os pobres tradutores foram obrigados a manter o tamanho dos títulos e a própria organização das frases em português.
Com a inestimável ajuda da Red Baloon, a Folha criou na última segunda-feira do outono uma caricatura idiomática chamada Portinglês e uma nova retranca – a “Folha-shit”.

A ETERNA MAJESTADE DE UM REI DO JORNALISMO LIBERTÁRIO

Alberto Dines, que completará 79 anos no próximo sábado, foi figura exponencial da resistência jornalística à ditadura de 1964/85: seu espaço dominical na Folha de S. Paulo, o Jornal dos Jornais, contribuiu decisivamente para reduzir a influência dos bolsões do totalitarismo e impulsionar a redemocratização do País.

É emocionante vê-lo ainda tão esperançoso e otimista como se revelou no artigo A aldeia global em ação, de que tomei conhecimento com algum atraso (mea culpa!), mas ainda faço questão de dividir com vocês.
Seus votos também são os meus: de que a imprensa reassuma a missão de resgatar e disponibilizar a verdade a seus públicos, bem como o compromisso de contribuir para o progresso e a evolução da humanidade.

A ALDEIA GLOBAL EM AÇÃO 

Alberto Dines

No ano do centenário de nascimento do canadense Marshall McLuhan, o ditador egípcio Hosni Mubarak consagrou definitivamente o conceito de Aldeia Global ao colocar seus esbirros contra a imprensa internacional acampada no Cairo para cobrir a revolta popular que exigia a sua saída.
Apesar da violenta repressão, veículos dos quatro cantos do mundo (inclusive do Brasil) reagiram de forma instintiva, coerente, determinada: Mubarak, a figura e não uma estátua, começou a desabar naquele exato momento.
Depois de tantas bolhas, vacilações e vexames, a mídia noticiosa reencontra a sua história e missão. Ao atravessar a maior crise existencial e institucional, o jornalismo – é ele que está em questão – mostrou o seu ânimo, sua força, sua validade.
A humanidade tem sede de saber, a imprensa tem a obrigação de saciá-la. Sobretudo quando se trata de livrá-la da opressão e do obscurantismo. Este compromisso não pode ser regulado nem controlado por caudilhos oportunistas, diplomatas maneiristas, políticos ambiciosos, fanáticos delirantes, especuladores gananciosos.

SEGUNDA DÉCADA – Atender aos chamamentos por liberdade está na alma deste ofício, é o seu modelo de negócios, qualquer que seja a plataforma utilizada. Pela primeira vez, o jornalismo foi às ruas para evitar um banho de sangue, e não para provocá-lo. Sua presença, mais do que o seu testemunho, foi decisiva para impedir a maré montante da repressão.

O Ocidente reencontrou-se, releu talvez o discurso de Barack Obama em 4 de junho de 2009 pronunciado ali mesmo, no Cairo, e reverteu o rumo das cruzadas medievais. Foi ao Oriente para ajudá-lo a acabar com a opressão e não trocá-la por outra. Trouxe a sua tecnologia, sua criatividade e, principalmente seu compromisso com uma utopia das Nações Unidas chamada Aliança das Civilizações.
A revolta egípcia corre o mundo e desperta entonações revolucionárias. Enquanto a China se cala, manietada por suas contradições, a praça Tahrir do Cairo força os irmãos Castro em Havana a liberar o blog de Yoani Sánchez. Um gerente egípcio do Google torna-se ídolo mundial porque assume integralmente sua condição de comunicador social e cala a boca do apedrejador persa Ahmadinejad.
Em meio a terríveis nevascas, portentosos dilúvios e presságios de fome, a segunda década do século 21 começa alentadora. Graças à imprensa – plural, livre, descontraída, diversificada.

O JORNALISMO QUE ESTÁ À DIREITA DO PODER

Reportagens e editoriais desastrosos motivaram
reações como esta, fazendo a circulação da Folha
cair 5% em 2009, para 295 mil exemplares/dia.

A Folha de S. Paulo trocou seis por meia-dúzia, como era esperado. Mudou o formato da embalagem, a cor do rótulo e o tamanho do conta-gotas. Mas, o produto continua o mesmo: ora placebo, ora veneno.

Cadê um novo Paulo Francis, um novo Osvaldo Peralva, um novo Samuel Wainer, um novo Lourenço Diaféria, um novo Plínio Marcos? Continuam faltando os talentos superiores, talvez porque polêmicos demais para o domesticado produto da indústria cultural que a Folha é hoje.

Houve um tempo em que não ficava muito longe do Pasquim. Hoje está bem próxima da Veja.

Por que não chamar de volta o Alberto Dines, ainda melhor comentarista de imprensa x política do que todos que a Folha tem?

E qual a grande matéria de jornalismo investigativo da edição inaugural da nova reforma do jornal? A mais do mesmo sobre o crack?

No fundo, a única mudança que devolveria à Folha o esplendor de meados da década de 1970 seria a colocação de outro nome na capa, sob o logo do jornal.

Diretor de redação é posição importante demais para ser assumida por um filhinho de patrão. Acontece o que aconteceu:

  • primeiramente ele foi diminuindo os espaços das estrelas jornalísticas que a Folha tinha e detonando o núcleo de repórteres especiais;
  • depois introduziu um ridículo Manual de Redação, para impor rígido controle jornalístico-ideológico à equipe;
  • e, finalmente, vergou o jornal tão à direita que, desequilibrado, desabou, perdendo a credibilidade que nunca tivera antes de Claudio Abramo e foi dilapidando mês a mês sob a batuta de Boris Casoy (reacionário até a medula, mas profissional) e dele, Otavinho (também reaça e nem sequer profissional).

Mais sobre a Folha de S. Paulo e a “ditabranda” está
nestes dois vídeos de uma recente reportagem de TV