José Serra

‘COPA DAS COPAS’? MENOS, BEM MENOS…

COPA DO AUTORITARISMO

“Não serei o primeiro a lembrar que, dentre os vários legados da Copa do Mundo, um dos mais duradouros será certamente a ampliação da zona de suspensão de direitos. O Brasil já era conhecido por seu histórico de violência policial, de desrespeito aos direitos civis e pela proximidade entre bandidos e a polícia. Nesta Copa do Mundo, a despeito da segurança contra manifestações políticas, tal processo chegou muito próximo da perfeição.

…Transformando praça pública em verdadeiras praças de guerra nas quais pessoas ficaram confinadas por horas à força, espancando jornalistas, moradores, advogados e ativistas de maneira indiscriminada (…) e prendendo por ‘formação de quadrilha’ pessoas cujo maior crime foi manifestarem-se politicamente, as ‘forças da ordem’ [o colunista alude à PM do Rio de Janeiro] conseguiram impor um padrão de excelência em matéria de indistinção entre democracia e passado ditatorial.

Já em São Paulo, (…) a polícia havia mostrado quão pouco realmente se deixa intimidar por certas ‘ideias abstratas’, como respeito ao direito popular de contestação e às garantias constitucionais….

…práticas de exceção, quando aparecem devido a situações, digamos, excepcionais (como Copas, Olimpíadas, uma invasão de argentinos, guerras ou catástrofes naturais) não desaparecem mais. Elas vão se tornando uma espécie de jurisprudência muda, que pode existir nas entrelinhas, sem precisarem ser claramente enunciadas para serem efetivamente seguidas.” (Vladimir Safatle, em sua coluna desta 3ª feira, 15,  na Folha de S. Paulo, cuja íntegra pode ser acessada aqui)

COPA DAS MARACUTAIAS

“A Copa do Mundo deixa um legado de infraestrutura para o Brasil muito menor do que o prometido quatro anos atrás – e a um custo mais alto. Em 2010, o governo anunciou que o evento atrairia investimentos de R$ 23,5 bilhões em 83 projetos de mobilidade urbana, estádios, aeroportos e portos. Parte das obras ficou no caminho e só 71 projetos foram mantidos na lista.
Segundo levantamento feito pela rede de repórteres do Estado nas 12 cidades-sede, as obras entregues para a Copa e as inacabadas somam R$ 29,2 bilhões – mesmo tendo sido substituídos em várias cidades projetos mais ambiciosos, como trens e monotrilhos, por modestos corredores de ônibus. Ou seja, o País gastou mais para fazer menos e com menor qualidade.” (reportagem de O Estado de S. Paulo, de autoria de Lourival Santanna e Marina Gazzoni, cuja íntegra pode ser acessada aqui)

COPA DO AFOGADILHO

“A mídia, porventura, errou ao chamar a atenção para o atraso nas obras, excesso de sedes, previsões orçamentárias desrespeitadas? Da imprensa não se espera outra atitude se não a de advertir para erros, apontar irregularidades e cobrar providências. O cronograma estava visivelmente comprometido, corria-se o risco de começar a Copa com andaimes nos estádios, tapumes nos aeroportos, nó monumental no trânsito, caos nas comunicações.

A imprensa pensava no público, tanto a nacional como a internacional. E graças à salutar verberação, as autoridades se apressaram, abusos foram evitados e providências extremas adotadas. Sem a fieira de feriados nos dias de jogos do Brasil ou nas cidades-sede o país ainda hoje estaria engarrafado. Mesmo nos dias úteis registrou-se um abrandamento geral nos horários e nos compromissos. Durante cinco semanas as viagens de negócio foram praticamente suspensas. Isso tem um custo, sobretudo em situações de depressão econômica como a atual.” (artigo de Alberto Dines publicado no Observatório da Imprensa, cuja íntegra pode ser acessada aqui)

TRIBUTO À COERÊNCIA

“Morreu Plínio de Arruda Sampaio. Era um homem inequivocamente de esquerda sem nunca ter sido de fato marxista. Foi um democrata cristão no início de sua vida pública sem jamais ter sido um conservador. Sua personalidade complexa e aparentemente contraditória, que conheci bem, guardava uma notável coerência.
Concordasse eu com suas escolhas ou não –e é certo que, politicamente, estivemos mais próximos no passado do que em dias recentes–, tenho claro que Plínio rompeu barreiras políticas sempre por bons motivos, que nunca atenderam à sua conveniência pessoal. Há homens que admiramos não porque falam o que nós pensamos, mas porque falam o que eles pensam. Plínio se foi de bem com sua consciência, e aí está uma grandeza e uma paz merecidas.” (José Serra, em artigo publicado nesta 3ª feira, 15, na Folha de S. Paulo, cuja íntegra pode ser acessada aqui)
Obs. Já que o oficialismo tenta de todas as formas impingir a balela propagandística de que o Mundial 2014 da Fifa (muito mais dela do que nosso…) teria sido a Copa das Copas, é sempre bom alguém mostrar o outro lado da moeda. Sou um dos que cumprem atualmente este papel, seja por meio de textos próprios, seja chamando a atenção dos meus leitores para aspectos importantes que outros abordaram, como faço agora. Com a autoridade de quem não tem o rabo preso com nenhuma candidatura presidencial. Apenas me indigna ver, em 2014, a repetição do mesmo ufanismo belicoso de 1970. Mudaram os slogans, mas a essência continua a mesma: manipulação e intolerância. Antes era “Brasil, ame-o ou deixe-o!”, agora é “Vândalos, mofem no cárcere para não melarem a festa!”. 

De quebra, destaco o belo necrológio de José Serra, que teve o privilégio de ser amigo do Plínio de Arruda Sampaio, dando, portanto, um depoimento que só quem o conhecia intimamente poderia dar. Não é o meu caso, embora nossos rápidos contatos tenham confirmado minha impressão de que ele era um dos últimos brasileiros cordiais, além de idealista exemplar e valoroso companheiro.

EM JANEIRO A USP VOLTARÁ A TER UM REITOR DE VERDADE. FORA TFP!

Há companheiros que igualam a atual democracia a serviço dos poderosos à ditadura de 1964/85. Geralmente, os que nasceram depois dos anos de chumbo ou eram muito jovens para guardarem uma lembrança mais precisa do arbítrio.
Um pequeno exemplo da diferença entre os dois períodos históricos acaba de ser dado pelo governador Geraldo Opus Dei Alckmin.
Em novembro de 2009, o então governador José Serra, prestes a fazer uma campanha presidencial de orientação acentuadamente direitista, escolheu para reitor da Universidade de São Paulo o segundo colocado na lista tríplice que lhe foi submetida: João Grandino Rodas, menina dos olhos da Tradição, Família e Propriedade.
Rodas tinha o pior currículo possível e imaginável.
Como diretor da Faculdade de Direito da USP, requisitou em agosto de 2007 a entrada da tropa de choque da PM para a expulsão de manifestantes que haviam ocupado o prédio em função da Jornada em Defesa da Educação.
Integrando a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos entre 1995 e 2007, indeferiu todos os pedidos de reparação que pôde -127 dos 172 processos nos quais atuou-, quase sempre por questiúnculas burocráticas como a de que o prazo para os requerimentos teria se esgotado. Chegou ao cúmulo de negar a participação da ditadura no assassinato da estilista Zuzu Angel, sendo, contudo, voto vencido.
Depois, como reitor da USP, reviveu os piores tempos da repressão ditatorial, ao aquartelar permanentemente a PM no campus universitário, gerando todo tipo de provocações, enfrentamentos e atritos com estudantes, professores e servidores.
Afora as denúncias de corrupção e má gestão que pipocavam desde que era diretor da Faculdade de Direito. Como reitor da USP, foi, p. ex., acusado da compra de imóveis com preços elevados, extinção de cursos e vagas, terceirização da universidade e aumento do filtro social para a entrada de alunos na Universidade.
Culminando com o expurgo de janeiro de 2011, quando Rodas foi responsável pela demissão em massa de 271 funcionários da USP.
Na ocasião, o grande jurista Fábio Konder Comparato e outros quatro professores da USP assim se manifestaram:
Após declarar-se pelo financiamento privado e pela reordenação dos cursos segundo o mercado, o reitor vem instituindo o terror por intermédio de inquéritos administrativos apoiados em um instrumento da ditadura (dec. nº 52.906/ 1972), pelos quais pretende a eliminação de 24 alunos.
Quanto aos servidores, impôs, em 2010, a quebra da isonomia salarial, instituída desde 1991, e, para inibir o direito de greve, suspendeu o pagamento de salários, desrespeitando praxe institucionalizada há muito na USP. 
Agora, em 2011, determinou o ‘desligamento’ de 271 servidores, sem prévio aviso e sem consulta a diretores de unidades e superiores dos ‘desligados’. Não houve avaliação de desempenho. Nenhum desses servidores possuía qualquer ocorrência negativa. As demissões atingiram técnicos na maioria com mais de 20 anos de serviços prestados à universidade.
O ato imotivado e, portanto, discriminatório, visou, unicamente, retaliar e aterrorizar o sindicato (Sintusp), principal obstáculo à privatização da USP…
A indignação foi tamanha que Rodas recebeu (e esnobou!) convite para prestar esclarecimentos na Assembléia Legislativa de São Paulo. Fez-se representar por um subalterno escolhido à sua imagem e semelhança: sem ter como justificar as medidas arbitrárias, ele abandonou intempestivamente a sessão, deixando de prestar os esclarecimentos solicitados.
A CONVENIÊNCIA POLÍTICA PESOU 
MAIS DO QUE A AFINIDADE IDEOLÓGICA
Se estivéssemos numa ditadura, Alckmin poderia tranquilamente nomear o favorito de Rodas, Wanderley Messias, com o qual certamente tem grande afinidade ideológica. Não precisaria levar em conta o fato de o colégio eleitoral (formado por membros do Conselho Universitário, dos conselhos centrais e das congregações das unidades, dos conselhos deliberativos de museus e institutos especializados) tê-lo relegado ao terceiro lugar, com apenas 462 votos.
Já na nossa (ainda que imperfeita) democracia, um valor mais alto se alevantou, determinando sua decisão: o fato de a permanência do PSDB no Palácio dos Bandeirantes estar seriamente ameaçada. Então, tratou de eliminar um foco de permanente tensão, que poderia lhe ser muito prejudicial na eleição de 2014, caso, p. ex., algum confronto entre fardados e universitários terminasse em morte. . 
Daí haver optado pelo candidato que não só venceu amplamente a disputa no colégio eleitoral (obtendo 1.206 votos, enquanto os concorrentes, somados, totalizaram 960), como também foi o preferido numa consulta aberta na universidade, em que 14 mil pessoas indicaram seu predileto.
Vai daí que, no próximo dia 25, a USP voltará a ter um reitor de verdade, após as péssimas e turbulentas gestões de Suely Vilela Sampaio e Rodas. 
Com isto, o processo de fascistização da USP -paradoxalmente iniciado por um ex-presidente da UNE- vai ser, enfim, detido. Alvíssaras!
Caberá ao médico Marco Antonio Zago, que se define como um apaziguador, a missão de eliminar todos os resquícios da praça de guerra em que a USP foi transformada ultimamente. 
Começando pela imediata extinção do convênio com a PM, uma vergonha para qualquer instituição de ensino superior em qualquer país do mundo.

A MÚSICA DO DIA VAI PARA O JOSÉ SERRA…

Já passou da hora do Serra pendurar as chuteiras
…que passou meses alimentando especulações sobre um voo para outro ninho,  mas, por absoluta falta de quem lhe oferecesse perspectivas melhores, acaba de anunciar que continuará com os tucanos. Eles o tolerarão desde que não atrapalhe quem realmente conta: o Aécio Neves e o Geraldo Alckmin.
Passou vexame idêntico ao do decadente goleiro Júlio Cesar, que o técnico Felipão, teimoso como uma mula, insiste em continuar chamando para a Seleção. Depois de cair com seu time para a 2ª divisão do futebol inglês, ele tentou de todas as formas cavar uma transferência que o mantivesse na elite, mas ninguém o quis. Acabou resignando-se a cumprir seu contrato, mas agora é o Queens Park Ranger que não o quer mais, conforme o técnico declarou, aconselhando-o a dar logo o fora.
Assim como os caciques do PSDB devem estar chorando lágrimas de sangue por, nem desta vez, terem conseguido se livrar do Serra…
Ninguém melhor do que o  tucano da triste figura, portanto, para ser  homenageado  com esta velha marchinha carnavalesca que o Francisco Alves cantava:

“Eu assisti de camarote
O teu fracasso
Palhaço, palhaço!
(…) No livro de registro desta vida
Numa página perdida
O teu nome há de ficar
Registram-se os fracassos
Esquecem-se os palhaços
E o mundo continua a gargalhar”

BATALHA DOS NETOS NA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL

Campos flerta com o empresariado. O que Arraes diria?
A eleição presidencial de 2014 poderá incluir uma batalha dos netos: o do comunista Miguel Arraes (Eduardo Campos, PSB) contra o do conservador Tancredo Neves (Aécio Neves, PSDB).
O primeiro avô, um bravo guerreiro, resistiu como pôde aos golpistas de 1964. 
O segundo avô é suspeito de, embora fosse oposicionista (moderado), haver tramado a derrota das diretas-já, para depois obter a Presidência da República pela via indireta. 
Político sem carisma para uma vencer uma disputa nacional nas urnas (nem de longe era páreo para Leonel Brizola), teria fechado acordo com aqueles filhotes da ditadura dispostos a tudo para manterem-se no poder após a derrocada da dita cuja. Até de votarem contra a Emenda Dante de Oliveira e, no momento seguinte, darem uma guinada de 180º, abandonando a canoa furada dos fardados e indo ajudar o Maquiavel de Minas a ser vitorioso no colégio eleitoral.
Quando se discute a existência ou não de Deus, vem-me sempre à mente um excelente motivo para responder afirmativamente: o fato de Tancredo Neves ter ganhado, mas não levado, em 1985. Seríamos outro país se houvéssemos saído da ditadura pela porta da frente.

Mas, ter ancestral respeitável não significa que Campos vá seguir-lhe os passos. Hoje não boto a mão no fogo por personagem nenhum da política oficial.

Como o avô, Aécio não tem carisma para voos maiores
No terreno das possibilidades, assim como fui dos primeiros a perceber que Fernando Collor era mais do que um azarão em 1989, tenho a mesma intuição no caso de Campos.
Porque aquela campanha e a próxima coincidem num aspecto: o profundo desencanto popular com a estagnação dominante e com os políticos mais associados às mazelas amplamente repudiadas. Quando o povo está saturado das feias caras de sempre, tende a voltar-se para os  outsiders, ou os que aparentam sê-lo.
Collor não era, só enganava bem.
Campos também fica convincente no papel. A incógnita é se, em algum ponto do trajeto, vai honrar o legado familiar e a orientação socialista do seu partido, ou optará por ser apenas  mais do mesmo: outro esquerdista que  endireita  para tornar-se palatável aos poderosos. Seu empenho em seduzir o grande empresariado aponta na última direção.
Há espaço para ele ocupar, se tiver o beneplácito dos donos do Brasil; afinal, a safra de presidenciáveis é das mais chinfrins.

O sempre previsível Aécio Neves não está decolando e salta aos olhos que o desnorteado José Serra jamais decolará. O PSDB parece fadado a apoiar candidato de outro partido, caso haja 2º turno.

Marina Silva também não leva jeito de repetir 2010. Foi a  outsider  daquele pleito e o bom desempenho a levou a fazer planos mirabolantes, sem perceber que tais situações são únicas na vida e em quatro anos tudo muda.

Campanha de 2014 deverá ser turbulenta como a de 1989
Passado o atrativo da novidade, sobra-lhe quase nada, até porque sustentabilidade nunca foi uma grande preocupação dos brasileiros.  A Marina agora está mais para enésima reprise na sessão da tarde ou sobras requentadas servidas no jantar: não empolga ninguém.
Dilma, com seu governo opaco e sem imaginação num momento que clama por estratégias ousadas, bem fará se não considerar a reeleição como favas contadas; o meu palpite é que vá ganhar no 1º turno ou perder no 2º.
Lula seria a  bola de segurança  do PT, praticamente imbatível mesmo numa campanha que promete ser marcada por surpresas e intempéries, ao contrário das últimas. Resta saber se conseguirá tirar a batata da indicação do fogo sem queimar os dedos. 
Na minha avaliação, sua relutância em assumir-se candidato se deve ao fato de a pupila querer ardentemente a reeleição; não é do feitio de Lula entrar em divididas.

Mas, se a permanência petista no poder correr sério risco, não tenho dúvidas de que ele prazerosamente aceitará a missão de ser o  salvador da pátria.

As apostas estão abertas.

P.S. 1: eu não me surpreenderei se, após toda a  tempestade de som e fúria  da entrega dos cargos do PSB no Ministério, Campos aceitar ser vice na chapa da Dilma. Seria a velha jogada de fingir estar atrás do máximo para assegurar o mínimo…

P.S. 2: Leitores apontaram o erro de informação, então esclareço ter acreditado que o Arraes fosse comunista por haver sido o PCB a força dominante da coligação pela qual ele se governador de Pernambuco em 1962. Dou a mão à palmatória: ele era socialista, filiado ao PST.

Caso parecido com o do Cid Franco: seu partido era minúsculo, disputou uma eleição para governador apoiado pelo poderoso PCB e, quando me referi ao fato numa entrevista que fiz com o Walter Franco, este ficou indignado. Preferia que o pai fosse lembrado apenas como o poeta extasiado com as ‘cenas maravilhosas’…

O ‘RESGATE FANTÁSTICO’ E O DIREITO DE ASILO: PINGOS NOS II

O episódio do  resgate fantástico  foi, como sempre, abordado nos espaços virtuais da esquerda chapa-branca com mentalidade de Fla-Flu. O diplomata Eduardo Sabóia tinha de ser satanizado a qualquer preço e as trapalhadas do Governo, justificadas a qualquer preço. Vai daí que a postura deste blogueiro provocou estranheza, por estar desconectada da  linha justa, a  única aceitável.
Então, em meio a tantas e tão densas trevas, é importante destacar um artigo que produziu alguma luz: Uma diplomacia estudantil (clique p/ acessar), do jornalista e historiador Elio Gaspari.
Principalmente este trecho, que ajuda a entender a linha adotada cá neste humilde espaço em que ainda se cultiva o pensamento crítico (o qual –pasmem!– era uma bandeira de boa parte da esquerda em 1968, antes que fosse reentronizado o maniqueísmo stalinista):

A maneira como a diplomacia de Lula e da doutora [Dilma] lidaram com o instituto do asilo revela desrespeito histórico com um mecanismo que protegeu centenas de brasileiros perseguidos por motivos políticos. Ele ampara gregos e troianos. Em 1964, brasileiros asilaram-se na embaixada boliviana. Anos depois, oficiais golpistas bolivianos asilaram-se na embaixada brasileira e o governo esquerdista do general Juan José Torres deu-lhes salvo-condutos em 37 dias. 
Carlos Lacerda asilou-se por alguns dias na embaixada de Cuba e João Goulart pediu asilo territorial ao Uruguai. Em poucos meses, o governo do marechal Castello Branco concedeu salvo-condutos a todos os asilados que estavam em embaixadas estrangeiras. 
Já o do general Médici, vergonhosamente, fechou as portas de sua representação em Santiago nos dias seguintes ao golpe do general Pinochet e dezenas de brasileiros foram obrigados a buscar a proteção de outras bandeiras. 
…O direito de asilo é uma linda tradição. Não se deve avacalhá-lo.

O rolo compressor dos portais, sites e blogues  alinhados incondicionalmente com o governo federal só leva em conta um objetivo imediato e menor: obter alguma vantagem nas escaramuças da interminável rinha travada com os partidos de direita, disputando nacos de governo sob o capitalismo (e sem nenhuma disposição real de dar fim ao pesadelo capitalista!).

Este velho guerreiro que vos escreve continua com seu olhar, sua mente e suas esperanças voltadas para o dia em que, afinal, a esquerda recolocará em pauta a tomada do poder e a transformação em profundidade da sociedade brasileira, ao invés de continuar se conformando com o papel de dócil gestora do capitalismo brasileiro.
E, como lutas de verdade (não essas briguinhas de compadres entre PT e PSDB) expõem seus participantes a muito perigo, é importantíssimo para nós que seja mantida a integridade de institutos como o do asilo político. Em circunstâncias dramáticas como as da resistência à ditadura militar, o direito de asilo geralmente faz a diferença entre a vida e a morte dos que travam o bom combate.
O que valem, como seres humanos, os pugilistas cubanos que queriam ficar ricos na Europa ou o tal senador boliviano acusado de corrupção? Muito pouco, talvez nada. Exatamente por isto, nem de longe justificam que, deixando de protegê-los quando nos cabia tal papel, forneçamos pretexto para que, futuramente, governos de outras tendências políticas neguem proteção a nossos companheiros de ideais –que, estes sim, valem muito!

O Caso Battisti foi, simplesmente, a maior vitória da esquerda brasileira de um bom tempo para cá, depois de uma infinidade de episódios semelhantes que terminaram muito mal para os militantes revolucionários, aqui e alhures. Os porta-vozes da direita cansaram de bater na tecla de que o Brasil deveria dar ao escritor italiano o mesmo tratamento que deu aos boxeadores caribenhos, despachando-o sumariamente para Berlusconi.

Com Lula no poder, tal ladainha não resultou. E se fosse José Serra o presidente? Decerto correria a vergar-se à imposição italiana, pois foi esta a posição que manifestou em várias entrevistas. E talvez usasse, como justificativa, exatamente o mau precedente que abrirmos para agradar aos irmãos Castro.
Então, eu sempre tenho em mente que  a rua é de duas mãos, antes de me posicionar. O que hoje nos beneficia pode se voltar contra nós no futuro, como um bumerangue.
E, francamente, se salvar um Roger Pinto qualquer é o preço a pagarmos para garantir a salvação do próximo Battisti, eu o pagaria mil vezes!

…E AS PEDRAS VOLTARAM A ROLAR!

A desinformação campeia –talvez porque os principais veículos de comunicação escrita e eletrônica abdicaram da nobre tarefa de informar os cidadãos, trocada pela de os manipular em tempo integral, tangendo-os para o consumismo, o conformismo, o conservadorismo e o reacionarismo.  


Então, quando manifestações de protesto eclodem no País inteiro, parecem vexados de não terem, no momento preciso, dado o devido destaque aos acontecimentos que prepararam o terreno para elas –principalmente o renascimento do movimento estudantil. Então, omitem as etapas percorridas até as jornadas atuais, como se elas tivessem caído do céu.

Eu, pelo contrário, o saudei emocionado, naquele maio de 2007 em que os estudante da USP levaram a cabo a primeira ocupação de reitoria do Brasil redemocratizado. 

Foi quando escrevi o texto abaixo, convicto de que os fios da História começavam a ser reatados, para a retomada dos movimentos de contestação no estágio em que eles pararam quando a assinatura do AI-5 arrojou o Brasil nas trevas absolutas, no arbítrio total.

Como não estamos mais sob ditadura, a acumulação de forças desta vez foi mais lenta, embora perceptível. Para quem tem um mínimo de sensibilidade política, eram favas contadas que, mais dia, menos dia, uma enorme onda de protestos sacudiria o País.

Então, faço questão de lembrar como tudo (re)começou, publicando novamente um dos textos que mais me orgulho de haver escrito. Lancei-o no dia 31/05/2007. Alguns dias depois, o então governador José Serra capitulou, anunciando que reveria os quatro decretos autoritários repudiados pelos uspianos. 

Foi uma vitória tão emblemática como a que o Movimento Passe Livre acaba de conquistar, forçando o recuo de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad na questão das tarifas. 
POR DENTRO DA REITORIA OCUPADA
A última segunda-feira de maio é ensolarada, uma exceção no invernal outono paulistano. As pessoas ao redor da reitoria da Universidade de São Paulo, ocupada pelos estudantes desde o dia 3, mostram aquela animação habitual de quem reencontra o calor e o céu azul, após vários dias frios e cinzentos.
Conversam, brincam, confraternizam. Há líderes de servidores públicos se revezando num alto-falante para instruir/entreter quem chegou adiantado à reunião da categoria que terá lugar ali mesmo, ao ar livre. Ninguém parece preocupar-se com uma invasão da Polícia Militar, para cumprir o mandado de reintegração de posse concedido pela Justiça.
Uma barricada de pneus diante da entrada é a vitrine da ocupação. De que realmente servirá, caso cheguem brutamontes bem treinados e equipados, que têm a violência como realidade cotidiana? Quase nada. Mas, os símbolos têm papel importante nas batalhas em que o grande objetivo estratégico é a conquista de corações e mentes.
Diante da única porta de entrada, alguns estudantes do esquema de segurança fazem a triagem dos visitantes. Basta ter uma carteirinha de aluno ou professor da USP para entrar sem problemas. Como não sou uma coisa nem outra, levo alguns minutos para convencê-los de que não vim brincar de 007.
Como credencial, apresento meu livro Náufrago da Utopia, que por acaso trago comigo. Agrada-lhes o caderno iconográfico, com muitas fotos do movimento estudantil de 1968. Meio convencidos de minhas boas intenções, deixam que eu vá parlamentar com a  Comissão de Comunicação  (ou rótulo que o valha). Acompanhado, por enquanto.
Lá decidem que eu posso circular à vontade pela reitoria ocupada, liberando meu cicerone/vigia para outras tarefas. Uns 15 estudantes rodeiam meia dúzia de computadores, uns digitando e os outros palpitando.
Cuidam de manter o blogue da ocupação no ar, de selecionar e imprimir textos que serão expostos nos quadros de avisos e paredes. E também de mandar mensagens de esclarecimento aos jornalistas que falam mal da ocupação. [Como se isso adiantasse. Tirando honrosas exceções, a imprensa se colocou contra os estudantes, às vezes dissimuladamente, outras da forma mais panfletária e caluniosa, como fez a Veja São Paulo, que os acusou de “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros”.]
A diferença mais marcante em relação às ocupações antigas é, exatamente, o esquema de comunicação sofisticado da atual, incluindo TV por Internet e   rádio livre. De resto, sinto-me como se tivesse entrado num túnel do tempo e desembarcado naquele mês de julho de 1968 em que a Faculdade de Filosofia da rua Maria Antônia (SP) esteve ocupada para servir como QG das iniciativas em apoio da Greve de Osasco, lançando a nova onda que (como agora) rapidamente se alastrou.
Os mesmos colchonetes espalhados por um salão em que repousam alguns sentinelas cansados, após a vigília da madrugada – período mais propício para uma operação policial, exigindo, portanto, cuidados redobrados (e muita disposição para enfrentar o frio).
Os mesmos jovens com roupas coloridas e brilho no olhar, convencidos de que estão fazendo História, embora alguns ainda sejam imberbes.
Os mesmos mosaicos de textos e imagens compondo um visual agradavelmente anárquico. [O pôster mais hilário é o do governador José Serra fazendo mira com um fuzil e os dizeres “José Serra, nada mais nos U.N.E.”. Que ingenuidade, deixar-se fotografar em pose tão incompatível com sua aura e seu passado!]
Sou capaz de apostar que, se fizesse uma  excursão  como a que estou fazendo, a reitorazinha teria chiliques, pois, à  anarquia criativa, deve preferir os ambientes burocratizados, assépticos e sem vida, a julgar pelo que revela nas entrevistas: faz musculação, esteira e escova nos cabelos, usa terninhos de estilo clássico, quer corrigir pálpebras e bochechas com cirurgia plástica.
Deuses, o que faz uma farmacêutica numa posição dessas? Serão esses os temas que uma reitora deve tratar na imprensa, quando sua universidade vive a maior crise das últimas décadas? [De quebra, é uma ingênua que, a mando ou com autorização do governador, pede reintegração de posse e depois paga o mico de ver o mandado judicial descumprido, já que os estudantes não engoliram o blefe e Serra teme as conseqüências desse presumível confronto sobre suas ambições políticas.]
Apesar de toda a grita demagógica dos direitistas empedernidos e dos cristãos-novos do reacionarismo, não há sinais visíveis de depredação ou vandalismo. Aliás, os estudantes criaram um sem-número de comissões, para cuidar de cada detalhe  administrativo  da ocupação, zelando pelo patrimônio público. Até permitem que os faxineiros continuem cumprindo sua função de manter limpas as várias dependências, indiferentes ao “perigo” de que o  inimigo  possa infiltrar-se camuflado com macacões.
O que não funciona mesmo são os caixas eletrônicos de bancos, nos quais  foram colados avisos de “sem dinheiro”. Uma fração infinitesimal da usura consentida pela Justiça e abençoada pelo sistema foi detida. Vem-me à lembrança uma música de Sérgio Ricardo, ídolo dos universitários responsáveis pelas ocupações de quatro décadas atrás: “Os bancos e caixas-fortes/ que eram rocha, se quebraram/ e um rio de dinheiro correu”.
À saída, lanço um último olhar a esses jovens belos, brilhantes e idealistas, aparentemente tão frágeis, mas dispostos a enfrentar a tropa de choque da PM, se isso for necessário. Espero, torço para que não venha a ser.
Volto para o mundo real da desigualdade, da competição e da ganância, depois de um breve reencontro com o faz-de-conta revolucionário. Ciente de que há um longo caminho a percorrer até que os voluntários da utopia voltem a ser em número suficiente para tentarem ir além do faz-de-conta.
E, mesmo assim, esperançoso, pois um passo importante está sendo dado, com esse renascer do movimento estudantil que ora se delineia. É tudo de que precisamos, a renovação e oxigenação da esquerda, depois de tantas desilusões e defecções.
As pedras voltam a rolar. 

ABSTENÇÃO, NULOS E BRANCOS DISPARAM EM SAMPA

Na eleição para prefeito de São Paulo havia duas certezas:
  • a chegada de José Serra no 2º turno;
  • sua derrota final.
Os sucessivos e cada vez mais insatisfatórios mandatos dos tucanos e seus aliados, no Estado e na cidade de São Paulo, saturaram o eleitorado. Com enorme rejeição, Serra jamais conseguiria remar contra esta maré. Seu eleitorado cativo só lhe permitiria levar a disputa para a prorrogação, tornando-se, a partir daí, presa fácil para o adversário.

Mais: os eleitores ansiavam pelo  novo.

Muito se falará sobre o talento que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem para eleger postes, mas a sorte desempenhou papel importante.

O espaço da novidade foi imediatamente ocupado por Celso Russomanno, beneficiando-se do prestígio televisivo e do apoio da Igreja Universal.

Sua arrancada fulminante impediu que um  novo  mais consistente (e menos identificado com a velha podridão) se afirmasse.

Nas duas semanas que antecederam o 1º turno, a propaganda do PT desconstruiu Russomanno, explorando episódios do seu passado e plantando na cabeça do eleitor a idéia de que ele iria encarecer o transporte coletivo. Não era bem isto, mas só candidato tolo faz propostas complicadas, que podem ser voltadas contra si, tendo pouco tempo no horário eleitoral para as explicar.

O esvaziamento do balão Russomanno, em cima da hora, não deu aos eleitores oportunidade para se direcionarem a outro  novo. O caminho ficou aberto para  o triunfo de Fernando Haddad.

A esquerda consequente fez campanha pelo voto nulo no 2º turno e tem um resultado apreciável para exibir: 500.578 votos (7,26%).

Somados aos votos em branco (299.224, 4,34%) e à abstenção (1.722.880, 19,99%), são quase três eleitores em cada dez (29,2%) que não viram motivos para votar nem em Haddad (3.387.720, 39,3%), nem em Serra (2.708.768, 31,4%).

Lembrem-se: estamos num país em que  O VOTO NÃO É FACULTATIVO (!), TENDO-SE MANTIDO, MESMO DEPOIS DA REDEMOCRATIZAÇÃO, SEU AUTORITÁRIO CARÁTER COMPULSÓRIO (!!) ATÉ A AVANÇADA IDADE DE 70 ANOS (!!!). Então, tais números evidenciam um enorme desânimo e insatisfação com as opções predominantes.

E que predominam exatamente porque o jogo é de cartas marcadas: os maiores partidos usam e abusam do poder econômico, além de praticamente monopolizarem o horário gratuíto.

De quebra, dão um jeito de fazer com que sejam cancelados os debates televisivos QUANDO TEMEM UMA ALTERAÇÃO DO QUADRO ELEITORAL. Foi o que a TV Record fez nos dois turnos e a Globo no 1º turno.

Ou seja, o sistema aprendeu como evitar que uma nova Luíza Erundina conquiste um governo importante, o que é fundamental para o deslanche de um pequeno partido.

Se já tivesse tal expertise em 1988, o PT levaria muito mais tempo para crescer e talvez não estivesse hoje, paradoxalmente, em condições de barrar os herdeiros dos seus ideais de outrora, como acaba de fazer na cidade do Rio de Janeiro, onde sua opção política foi, simplesmente, IMORAL.

VOTO NULO É OBRIGATÓRIO NA ELEIÇÃO PAULISTANA

Há posicionamentos díspares no PSOL sobre se os filiados devem votar nulo ou praticar o voto útil neste domingo.
Como não falo pelo partido nem me considero suficientemente informado sobre o quadro nacional, vou opinar somente sobre o contexto paulistano.
José Serra iniciou, como governador, a montagem de um embrião de estado policial no Estado e na cidade de São Paulo, transformados num verdadeiro laboratório de testes de fórmulas fascistizantes; votar nele é impensável.
Fernando Haddad não se propôs, como candidato, a lutar contra tal escalada autoritária, nem assumiu o compromisso de exonerar imediatamente os 30 subprefeitos (de um total de 31) que são oficiais da reserva da Polícia Militar; votar nele é inútil, pois quem faz  campanha de consumo  governa como  prefeito do sistema, não como prefeito ideologicamente coerente.
O PT hoje é um partido reformista. Quer apenas atenuar os malefícios do capitalismo, tendo abdicado de fazer a revolução. 
Então, quem considera que o capitalismo esgotou sua função histórica e se tornará cada vez mais nocivo, desumano e exterminador nesta fase terminal, não tem motivo nenhum para apoiar os que se propõem a prolongar sua agonia, ao invés de dar-lhe um fim.
Os autênticos seguidores de Marx ou Proudhon não podem, portanto, optar nem pelo voto impensável, nem pelo voto inútil. Têm de votar NULO!

O TRAPALHÃO HADDAD E O ‘DIREITOSO’ SERRA

No balanço que fiz da eleição paulistana, um dia depois do primeiro turno, já defini minha posição quanto ao segundo:
  • não apoiarei José Serra nem em eleição para síndico de prédio;
  • só apoiaria Fernando Haddad se ele assumisse um compromisso explícito de tudo fazer, como prefeito, para a desmontagem do estado policial em gestação no estado e na cidade de São Paulo, começando pela exoneração imediata dos 30 subprefeitos (de um total de 31) que são oficiais da reserva da PM;
  • se, como tudo levava a crer, Haddad continuasse fazendo campanha anódina, como  candidato de consumo  e não  candidato ideológico, a única opção coerente para um homem de esquerda seria o voto nulo.
Hoje já é evidente que o PT permanecerá em cima do muro quanto ao que realmente importa, como ficou quando o governador Geraldo Alckmin ordenou a blietzkrieg do Pinheirinho, incluindo descumprimento de ordem judicial e sequestro de idoso ferido por parte da Polícia Militar para que seu estado lastimável, após o espancamento sofrido, ficasse fora do noticiário. 
É compreensível o governo federal não agir contra o governo estadual, mas se o PT tivesse o mínimo respeito pela própria história, convocaria sua militância para protestar da forma mais veemente possível.

Enfim, está certíssimo o PSOL em recomendar o voto nulo.

Causou alguma celeuma o comentário feito no Twitter pelo maior nome do partido, Plínio de Arruda Sampaio, de que “o importante agora é derrotar o Haddad porque ele é incompetente e porque sua vitória fortalece o Lula e a turma do  mensalão“.

Mais tarde, completou: votará segundo a orientação partidária, mas considera Serra competente (embora “direitoso”) e Haddad incompetente (“É só ver o estrago que foi esse Enem”).

Peço licença ao  imprescindível  Plínio para discordar: entre um reformista trapalhão e um  direitoso  competente, o segundo é pior.

Haddad, no poder, agirá exatamente como Lula e Dilma, servindo o banquete para a burguesia e zelando para que algumas migalhas cheguem à mesa do povão.

A dupla sinistra Alckmin/Serra nos ameaça com um novo 1964, pois salta aos olhos que dela partiram vários balões de ensaio totalitários e que, havendo uma oportunidade golpista, vai jogar todo o peso de São Paulo a favor da derrubada do governo do PT.

Vejo o Haddad como alguém que jamais se destacaria no PT de 1979, um  não-cheira-nem-fede  que personifica bem a descaracterização do partido.

E o Serra como um novo Carlos Lacerda, aquele desertor das nossas fileiras que, utilizando o aprendido conosco, causou enorme mal ao Brasil.

O primeiro me causa tédio. O segundo, nojo.

HOMOFOBIA ELEITORAL TAMBÉM É CRIME

Durante esta fase em que estarei priorizando o parto do meu segundo livro, continuarei, como antecipei, a posicionar-me em questões de maior relevância.

Também seguirei divulgando textos de autores que me são afins, como o desta 3ª feira (16) do filósofo Vladimir Safatle, Os novos reféns, reação implícita aos ataques
 eleitoreiros contra Fernando Haddad em função do  kit gay  que o Ministério 
da Educação começou a distribuir durante a sua gestão.

Vale lembrar que, também por motivos eleitoreiros, o governo do PT recuou de forma vergonhosa no episódio em questão, cedendo a mais uma chantagem das bancadas evangélicas. Ou seja, a campanha de José Serra está chutando cachorro morto.

Feita a ressalva de que deveria ter dado nome aos bois, concordo com o que está dito no artigo do Safatle (abaixo reproduzido na íntegra) em gênero, número e grau.

As diátribes dos Bolsonaros não
passam de “enunciados criminosos”
Os homossexuais tornaram-se os novos reféns da política brasileira. O nível canino de certos embates políticos fez com que setores do pensamento conservador procurassem se aproveitar de momentos eleitorais para impor sua pauta de debates e preconceitos.

Eleições deveriam ser ocasiões para todos aqueles que compreendem a igualdade como valor supremo da República, independentemente de sua filiação partidária, lutarem por uma pauta de modernização social que inclua casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, permissão de adoção de crianças e constituição de família, além da criminalização de toda prática de homofobia e do engajamento direto do Estado na conscientização de seus cidadãos. Parece, no entanto, que nunca nos livraremos de nossos arcaísmos.

Alguns acreditam que se trata de liberdade de expressão admitir que certos religiosos façam pregações caracterizando homossexuais como perversos, doentes e portadores de graves desvios morais. Seguindo tal raciocínio, seria também questão de liberdade de expressão permitir que se diga que negros são seres inferiores ou que judeus mentem em relação ao Holocausto.

Sabemos muito bem, contudo, que nada disso é manifestação da liberdade de expressão. Na verdade, tratam-se de enunciados criminosos por reiterar proposições sempre usadas para alimentar o preconceito e a violência contra grupos com profundo histórico de exclusão social.

Como em 2010, a campanha de Serra
apela para os piores clichês direitistas

Nunca a democracia significou que tudo possa ser dito. Toda democracia reconhece que há um conjunto de enunciados que devem ser tratados como crime por fazer circular preconceitos e exclusão travestidos de “mera opinião”.

Não há, atualmente, nenhum estudo sério em psiquiatria ou em psicologia que coloque o homossexualismo enquanto tal, como forma de parafrenia (categoria clínica que substituiu as perversões).

Em nenhum manual de psiquiatria (DSM ou CID) o homossexualismo aparece como doença. Da mesma forma, não há estudo algum que mostre que famílias homoparentais tenham mais problemas estruturais do que famílias compostas por heterossexuais.

Nenhum filósofo teria, hoje, o disparate de afirmar que o modelo de orientação sexual homossexual é um problema de ordem moral, até porque a afirmação de múltiplas formas de orientação sexual (à parte os casos que envolvam não consentimento e relação com crianças) é passível de universalização sem contradição.

Impedir que os homossexuais tornem-se periodicamente reféns de embates políticos é uma pauta que transcende os diretamente concernidos por tais problemas. Ela toca todos os que lutam por um país profundamente igualitário e republicano.