Aécio Neves

NINGUÉM É TOTALMENTE DESPROVIDO DE TALENTO. O DE JOSÉ PADILHA, P. EX., É REDIGIR ARTIGOS…

Quando eu já estava desistindo de José Padilha, eis que ele me surpreende com algo realmente bom: seu artigo sobre como o autor de A desobediência civil encararia a eleição presidencial brasileira de 2014. Um texto infinitamente melhor do que suas apologias cinematográficas da bestialidade e da tortura. 

Parece-me que, quanto à escolha de carreira, ele só acertou em termos financeiros (apostar nos maus sentimentos das pessoas rancorosas é receita certa de sucesso!); dedicando-se à escrita, talvez nos oferecesse criações de real valor artístico.

Vamos ao que viemos:

NEM AÉCIO NEM DILMA; 
EU FECHO COM THOREAU

Henry David Thoreau escreveu em Vida sem princípio: ‘O que se chama de política é algo tão superficial e desumano que eu sequer consigo imaginar que tenha a ver comigo’.
E depois, em A Desobediência Civil: ‘Nenhum homem está obrigado à erradicação de qualquer mal, mesmo que seja o mais terrível deles… Mas todo homem tem a obrigação de limpar as mãos e não dar apoio a mal algum’.
A posição do americano Thoreau (1817-1862), construída a partir de uma concepção individualista e extremada da ética –ele foi preso por não pagar impostos a um Estado que aceitava a escravidão–, é inexistente no Brasil, onde impera um pragmatismo escroto.
Acho que seria bom se algum político, artista ou intelectual brasileiro assumisse postura semelhante à de Thoreau. Desse ponto de vista, dar apoio a Aécio ou a Dilma, ao PSDB ou ao PT/PMDB, seria dar apoio à desonestidade e à truculência que constituem a campanha de ambos.
Afinal, dos dois lados existem acordos com políticos desonestos, doadores de campanha para lá de suspeitos (há quem diga que há caixa dois proveniente do desvio de recursos públicos), propagandas eleitorais mentirosas e uma falta de integridade intelectual acachapante.
Dadas as circunstâncias descritas acima, Thoreau bateria de frente com os artistas e intelectuais brasileiros que fizeram questão de declarar seu voto neste ou naquele candidato.
Diria que sacrificaram a sua integridade ética e intelectual em função de escolhas medíocres (quaisquer que sejam elas), feitas à margem dos acontecimentos que realmente importam ao país.
DISPUTAS – E que acontecimentos seriam esses? Thoreau era amante do individualismo radical. Ele valorizava, acima de tudo, atitudes advindas do inconformismo ético e moral. À cabeça me vêm dois juízes: Sergio Moro e Joaquim Barbosa. Foram eles que, para horror da nossa classe política, documentaram como a banda toca no governo, no Congresso e nas empresas estatais.
Pergunto: será que a banda toca do mesmo jeito nos Estados e nos municípios? Será que no Brasil, fornecer para o governo ou para empresas estatais é assinar certificado de suspeição?
Uma coisa é certa: a cada ciclo eleitoral, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, no Executivo ou no Legislativo, há no Brasil uma disputa ferrenha por posições que conferem, para este ou para aquele grupo político, o poder de influir nas decisões relativas aos gastos públicos.
Disputa-se, sobretudo, o poder de indicar (para cargos-chave) gente especializada em aumentar o preço de obras, em receber kick-back (propina) de fornecedores e em distribuir recursos via doleiro. É assim que se irriga o caixa dois dos partidos, é assim que se compra apoio político (mensalões) e é assim que se financiam as próximas eleições.
Tenho a impressão de que, sabedor de tudo isso, Thoreau conclamaria os brasileiros a não comparecer às urnas. Teria a propaganda eleitoral gratuita e os debates do segundo turno como argumentos a favor da sua causa. Perguntaria: ‘E se os dois lados tiverem razão quando falam um do outro?’.
A quem retrucasse que votar fortalece a democracia, Thoreau responderia: as mudanças não virão desta política, virão de fora –de um processo de desconstrução da mesma, movido por indivíduos sem filiação partidária.
Serão os juízes, os jornalistas, os intelectuais inconformados que, estimulando a indignação de seus compatriotas, farão a diferença no longo prazo.
Thoreau escreveu em A escravidão em Massachusetts: ‘O futuro do país não depende de como você vota nas eleições. Depende de que tipo de homem sai da sua casa todos os dias’.
Mas, como somos obrigados a votar, talvez só nos reste mesmo o pragmatismo escroto –a opção de, engolindo nossa convicções éticas, optar pelo mal menor (cada um tem o seu) e associar nossos nomes aos PTs, PSDBs ou PMDBs da vida.
Se é isso, então vamos lá que hoje é dia de eleição: Marcelo Freixo e cia. fecham com Dilma. Marina Silva e cia. com Aécio. Eu fecho com o Thoreau. E você, fecha com quem?

AÉCIO REPRESENTA O RETROCESSO E DILMA, O REPRESAMENTO DO ÍMPETO REVOLUCIONÁRIO.

O último debate eleitoral do 2º turno da sucessão presidencial foi uma reprise dos outros três: Dilma sempre gaguejando e repetindo como disco arranhado a propaganda (enganosa, como toda propaganda) oficial, Aécio sempre causando impressão um pouco melhor, nada de espantar, mas algo mais próximo do que deva ser quem exerce a Presidência da República.
Um batalhão de pesquisadores, coordenado por marqueteiros, os mune de um imenso arsenal de dados que só servem para exibirem e depois jogarem fora: presidente estabelece prioridades e coordena seus ministros, não se ocupa pessoalmente das questiúnculas administrativas. Embora pose fingindo inspecionar obras ou atrapalhando os que trabalham em situações de emergência, aquilo tudo é só pra videota ver.  
Então, se nos ativéssemos apenas às qualidades pessoais para o exercício da função presidencial, teríamos de votar em Aécio Neves, que sugere, ainda que remotamente, um estadista. 
Dilma Rousseff fez questão de projetar a imagem de gerentona porque, no fundo, era a única convincente no seu caso. Afinal, não passa de uma guerrilheira que virou tecnoburocrata. 
Antes, queria contribuir para a revolução, uma obra coletiva que depende, fundamentalmente, de que os explorados, em algum trecho do caminho, assumam a causa e a levem à vitória. Se ela houvesse permanecido fiel aos ideais de outrora, teria estimulado a conscientização, participação e organização do povo, pois é ele quem pode fazer a revolução. Revolucionários somos apenas os abre-alas, não os sujeitos da revolução.
Mas, a derrota dos anos de chumbo lhe fez muito mal e suas ambições se reduziram a quase nada. Passou a se ver meramente como uma gestora do capitalismo, que tenta gerenciar melhor o aparelho de estado, do ponto de vista de obter algumas pequenas benesses a mais para o povão (comparativamente às concedidas pelos governos de direita).
Ora, já faz mais de um século que os teóricos marxistas fulminaram o reformismo como uma via política que, tornando o capitalismo um pouco menos selvagem, só serve para assegurar-lhe sobrevida, já que ninguém aguenta ser tratado indefinidamente a ferro e fogo. Dilmas e Lulas apresentam ao povo a face humana do capitalismo, o que apenas o impele a se conformar ao invés de lutar. 
Se queres um monumento, compara os contingentes combativos das Ligas Camponesas e dos primórdios dos movimentos de sem-terra com os apáticos e amorfos beneficiários do Bolsa Família. Uns queriam arrancar seus direitos das garras exploradores. Outros ficam à espera que a esmola lhes caia do céu, só se diferenciando dos mendigos por não terem de suplicar por ela, bastando entrarem na fila do banco.  Dos primeiros, alguns certamente engrossariam as fileiras revolucionárias, se houvesse uma revolução em curso. Dos segundos só podemos esperar prostração e abulia.
Há dois pecados capitais que devem afastar os revolucionários da opção Dilma Rousseff: 
  • sua persona política, hoje, é de quem encara os explorados como objetos (beneficiários) da sua atuação, não como os sujeitos que precisam ser estimulados a cumprirem seu papel histórico. Ela substitui a mobilização revolucionária pela arregimentação dos eleitores para garantirem mandatos aos gerenciadores corretos, reassumindo, logo ao saírem da cabine de votação, a sua condição de zeros à esquerda, a serem devidamente tutelados pelos que sabem o que é melhor para eles. É o contrário de tudo que Marx e Proudhon nos ensinaram;
  • e, não se contentando em colocar os explorados no seu devido lugar por meio das políticas de governo, recorreu à repressão pura e simples para sufocar o despertar das massas nas jornadas de junho de 2013 e subsequentes, tudo fazendo para abortar o que, para quem permaneceu revolucionário, representava a maior esperança surgida desde a domesticação do Partido dos Trabalhadores. Foi imperdoável e eu, pelo menos, jamais perdoarei o PT por isto; quase vomitava ao ler, nos posts dos blogueiros amestrados que oscilam na órbita palaciana, as mesmíssimas falácias, diatribes e incitação à bestialidade fardada que os arqui-reacionários de então, como Nelson Rodrigues, lançavam contra o movimento estudantil de 1968.

Mas, se o PT, como partido (companheiros valorosos ainda existem por lá e poderão ser muito úteis quando buscarem melhor companhia), está perdido para a revolução e se o indivíduo Aécio Neves cai melhor no figurino presidencial do que Dilma Rousseff, deveríamos votar nele?

Não, mil vezes não! Pois importa mesmo é a força política que governará, não seu garoto-propaganda. O que têm os tucanos a oferecerem, além de uma melhor adequação do Brasil ao papel subalterno e dependente que lhe cabe no capitalismo globalizado? Presumivelmente, eles apenas corrigirão os erros de gerenciamento (mesmo na ótica estritamente capitalista…) cometidos na caótica gestão de Dilma Rousseff e vão ocultar com mais discrição a sujeira debaixo do tapete –afinal, a grande imprensa decerto cooperará neste mister, voltando aos miados da era FHC, ao invés dos rugidos de ultimamente.

Têm tão pouco a oferecerem ao povo como em 2002, quando foram varridos do poder por Lula. Que haja tantos brasileiros hoje dispostos a andarem para trás é estarrecedor! Mostra quanto o PT decepcionou aqueles que nele apostaram.
Noves fora, Aécio representa o retrocesso e Dilma, o represamento do ímpeto revolucionário sob a batuta (e a repressão!) dos reformistas. Merecem ser ambos repudiados. Merecem que o povo lhes atire sua decepção na cara, pois um não oferece esperança nenhuma e a outra frustrou miseravelmente as imensas esperanças que seu partido despertou.
A maneira que resta para expressarmos nossa indignação é recusa das opções que nos estão sendo oferecidas, seja (preferencialmente) anulando o voto, seja votando em branco ou mesmo, por meio da abstenção, não desperdiçando tempo com uma eleição que, além de não prenunciar verdadeira melhora, apresentou a campanha mais imunda e medíocre desde a redemocratização.

OUTRA GRAVÍSSIMA ACUSAÇÃO DO LULA: O AÉCIO NÃO LEVAVA MAÇÃ PRA PROFESSORA!

Os leitores podem até supor que eu esteja sempre procurando motivos para criticar o PT, mas os milhares de textos armazenados no meu blogue estão aí para provarem o contrário. São os petistas que, invariavelmente, dizem e fazem coisas com as quais não concordo, nem jamais concordei.

P. ex., transformar uma campanha presidencial numa competição para ver quem sataniza mais o adversário é o oposto de tudo que defendo. Trata-se da política degradada a arranca-rabo de cortiço.

A CPMF, que Dilma Rousseff tenta fazer-nos crer que era fundamental para a Saúde, nunca passou de um engana-trouxa a mais para tungarem os cidadãos. 

Nos tempos em que trabalhei nas editorias de economia, percebi claramente que, pior ainda do que Bancos Centrais dóceis ao grande capital, são os BC’s subservientes aos governos. Por que? Porque estes últimos querem mesmo é colocar a economia a serviço dos interesses e conveniências da politicalha. Fazem-no de forma tão grosseira que criam o pior dos mundos possíveis

E que dizer do teste do bafômetro, que Lula resolveu utilizar como arma contra Aécio Neves? Pelas ninharias que anda colocando em circulação, daqui a pouco ele vai acusar o tucano de nunca ter levado maçãs para sua professora do pré-primário…

Aécio se recusou a fazer o teste em 2011? Palmas para ele! Pois eu também JAMAIS me submeteria a tal constrangimento, típico de regimes totalitários. Por sorte, minha idade e aparência me colocam na leva dos que os policiais mandam passarem direto.  

Tendo detestado cada segundo que vivi sob ditadura, subo nas paredes quando tentam me impor o mesmo tratamento em plena democracia; não dou satisfações a quem não está legalmente autorizado a exigi-las, sempre preferi correr o risco de perder bons empregos do que permitir que censurassem meus textos, etc.

Quanto aos testes impostos aos motoristas, eis o que escrevi sobre eles, em março de 2012, no artigo STJ fulmina a Lei Seca. Bravíssimo!:
Finalmente, uma decisão memorável do STJ, ao esvaziar, na prática, a famigerada  Lei Seca.
Tão patética quanto a que fez a fortuna dos gangstêres de Chicago, a Lei Seca  do volante parte de um princípio inaceitável numa democracia: o de que o cidadão é culpado até que prove sua inocência.
Qualquer motorista era laçado a esmo (na contramão do princípio da igualdade de todos perante a lei) e constrangido à humilhação do bafômetro.
Se, exercendo suas prerrogativas constitucionais, não aceitasse produzir provas contra si mesmo, ainda assim poderia ser processado, condenado, preso, com base nos depoimentos imprecisos de: 
  • testemunhas (nas situações normais sempre há poucas: por comodismo ou por principio, a grande maioria prefere viver e deixar viver);
  • guardas de trânsito (otoridades  que, quando desobedecidas, ficam furibundas e tudo fazem para retaliar os autores do crime  de lesa majestade, donde o STJ agiu certíssimo ao cortar-lhes as asas); e
  • médicos (cujo  exame visual  nada mais é do que um palpite, além de tenderem a, quando a serviço da Polícia, vestirem a camisa de repressores com o ardor de um Harry Shibata).

Crianças são tuteladas.

Adultos são donos do seu nariz.
A Lei Seca original (1920-1933) foi um total fracasso 
Infelizmente, nas marchas e contra-marchas da nossa Justiça, o mostrengo por ora voltou a viger. Torço para que a Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta cumpra o seu papel, garantindo os direitos individuais contra a imposição de arbitrariedades a pretexto de proteção da coletividade. 

Por este caminho, dá para se justificarem todas e quaisquer medidas autoritárias. Trata-se da mesmíssima racionália aplicada pelos EUA e países europeus após o atentado ao WTC: cidadãos com traços físicos e/ou sobrenomes assemelhados aos árabes eram revistados, detidos, interrogados, maltratados, confinados, em função do mero palpite de que pudessem ser terroristas.

De resto, até agora, não havia nada no Aécio que me entusiasmasse. Nem lembrava do episódio em questão, mas a atitude dele é daquelas que, partindo de quem partir, sempre aprovarei (só desaprovo o seu recuo tático no debate do SBT, mas nenhum candidato ousa ser politicamente incorreto no meio de uma eleição). Os brasileiros são caninamente submissos ao autoritarismo, precisamos de quem lhes dê exemplo de postura cidadã altaneira.

Obs. Não li nenhuma referência ao branco que deu em Dilma durante o debate da Band, mas é provável que alguém mais tenha percebido. O certo é que eu notei, registrei (vide aqui) e, em seguida, abordei exatamente o problema da exaustão física e mental dos candidatos, pois ficou evidente para mim que ela, ou havia travado, ou tonteado. Logo após o debate do SBT aconteceu de novo e a presidenta teve de ser amparada para não cair. 

DEBATE DE CANDIDATOS-PRODUTO É A QUINTESSÊNCIA DA CHATICE

Certa vez, no auge de Hollywood, um grande escritor foi convidado a criar o roteiro de um filme. Como não estivesse familiarizado com a chamada sétima arte, pediu para os produtores lhe mostrarem uma fita que desse boa noção de sua tarefa. Foi, começou a assistir… e logo saiu correndo, horrorizado com a mediocridade do cinema comercial. 
É o que tenho vontade de fazer sempre que acompanho um debate eleitoral da era dos candidatos-produto, exaustivamente adestrados por uma legião de marqueteiros para darem as respostas que melhor cumpram a função de bajular eleitores, a partir das conclusões tiradas de toneladas de pesquisas qualitativas sobre as reações dos vários segmentos da população a cada tema. 
Que saudades dos tempos em que não havia pacote pronto nem staff todo-poderoso, em que ainda se desbravavam os caminhos e aconteciam situações realmente pitorescas, como estas:
  • quando Richard Nixon foi ao confronto decisivo contra John Kennedy com a barba por fazer. Mais do que os argumentos, o eleitorado dos EUA comparou o garboso Kennedy ao mal-encarado Nixon, com os resultados conhecidos;
  • quando um deputado dos mais obesos, querendo entregar alguns papéis a Jânio Quadros no ar, foi se arrastando pelo chão com seu corpanzil de urso, por baixo do ângulo captado pelas câmeras… sem imaginar que, maldosamente, elas se voltariam na sua direção, expondo a todos os telespectadores o ato de puxa-saquismo explícito;
  • quando Franco Montoro, aproveitando a vantagem de ser sua a última intervenção do debate, acusou Jânio Quadros de torpeza (havia sido vítima da ditadura e estava mancomunado com os antigos perseguidores), deixando o homem da vassoura à beira de um ataque de nervos, pois suas tentativas furibundas de retrucar eram bloqueadas pelo mediador;
    • quando o jornalista Boris Casoy perguntou a Fernando Henrique Cardoso se ele acreditava em Deus e FHC se queixou de que haviam combinado não tocar nesse assunto, deixando a impressão de que ele evitava admitir sua condição de ateu (muitos analistas acreditaram ser este o motivo da surpreendente virada de Jânio Quadros, na enésima hora);
    • quando Brizola e Maluf perderam as estribeiras e ficaram se xingando no ar. “Filhote da ditadura!”, repetiu várias vezes o gaúcho, enquanto o outro respondia: “Desequilibrado! Desequilibrado! Passou 15 anos no estrangeiro e não aprendeu nada!”;
    • quando Lula teve um apagão no debate decisivo com Collor e reagiu com apatia aos ataques do inimigo, não contestando sequer a afirmação de que seu aparelho de som era melhor que o do ricaço das Alagoas (já ouvi dizerem que se tratou de uma armadilha evitada: a espionagem do Collor teria obtido um recibo de compra de aparelho de som caro, constrangedor para Lula);
    • quando o mesmo Collor, tentando voltar à tona depois de expelido do poder, foi escalado para formular uma questão ao folclórico Enéas Carneiro e, depois de pensar um pouco, desistiu: “Fale qualquer coisa aí!”. Enéas gastou seu tempo criticando o próprio Collor, que esnobou de novo o adversário, desprezando a chance da réplica: “Pode continuar!”.
    Hoje tudo é mais previsível, os escorregões são menos frequentes e os candidatos para cargos importantes estão bem escolados nas técnicas da embromation. O tédio impera, a chatice é insuportável.

    EXAUSTOS, AMBOS ENTOARAM 
    VÁRIAS VEZES A MESMA LADAINHA…

    No debate entre a presidenta Dilma Rousseff  e o senador Aécio Neves na Band, o que saiu do script foi a primeira ter dado uma ligeira travada (lembrou o filme 8 mile), recompondo-se depois de angustiantes segundos de branco; a exaustão física e mental que se notava em ambos, a ponto de entoarem várias vezes a mesma ladainha (Aécio invocando seu índice de aprovação quando deixou o governo de MG, Dilma aludindo ao Pronatec umas 30 vezes, como vitrola quebrada de outrora); pelo mesmo motivo, a falta de articulação que mostravam em alguns momentos, perdendo o fio da meada e enveredando, para disfarçar, por assuntos sem ligação nenhuma com o que estavam falando; os erros crassos de concordância que cometiam quando exaltavam as excelências… da educação!


    Pior mesmo foi o medo de chutar o balde, mesmo quando a verdade pegaria muito melhor do que as desculpas esfarrapadas.

    Ao invés de sustentar (e ninguém acreditar) que nada houve de errado na construção do aeroporto de Cláudio, Aécio poderia ter dito que o custo de R$ 13,4 milhões, ou R$ 17,9 milhões corrigidos, foi uma merreca na comparação, p. ex., com o propinoduto, em que um personagem do escalão intermediário do esquema mafioso admitiu um ganho ilícito de R$ 70 milhões (é quanto vai devolver aos cofres públicos, mas, se alguém acreditar que o Paulo Roberto Costa abocanhou só isto, pode passar na secretaria e retirar seu diploma de otário…).

    Quanto ao Pronatec, nenhum político ousará lembrar que as empresas, para disporem dos quadros técnicos que lhes são imprescindíveis, sempre os formaram por si mesmas quando o governo não investia nesta área. Então, a menina dos olhos da Dilma é um programa que transferiu para a União parte dos custos que os Senais da vida bancavam sozinhos. Os capitalistas agradecem. 

    E que dizer da insistência de Dilma em insinuar que quem não apoiou a CPMF, aquele famigerado imposto do cheque, foi um sabotador da Saúde? Contribuição introduzida emergencialmente e que foi sendo eternizada à base de subterfúgios, servia (como os pedágios das rodovias) para o Estado espertamente poupar verbas que eram desviadas/desperdiçadas alhures. Terminou da forma mais melancólica possível, com rejeição acachapante e sob suspiros aliviados dos cidadãos, os quais detestavam ser extorquidos por um tributo travestido em contribuição provisória.  

    O festival de escândalos que assola o País e as evidências gritantes de parasitismo e esbanjamentos na administração pública são evidências mais do que suficientes de que não faltariam verbas para a Educação, a Saúde, a humanização do transporte coletivo e outras prioridades verdadeiras, se os recursos existentes não fossem drenados pela politicalha. Afinal, a carga tributária brasileira é das mais elevadas e não pára de crescer, como se constata aqui.

    De resto, o debate foi parelho nas escaramuças entre ambos. No entanto, o Aécio levou a vantagem de ir ao encontro do que o homem comum está sentindo: a economia estagnou e a inflação voltou. Ele martelou isto ad nauseam, sem que a Dilma, coitada!, tivesse como retrucar de forma convincente. Contra fatos não há argumentos.

    Ainda não caiu, para a campanha da Dilma, a ficha de que o eleitorado não quer MAIS DO MESMO, Quer, isto sim, MAIS DO QUE O MESMO.

    Se a candidatura governista não conseguir convencê-lo de que a Dilma tem como ir além do que já foi, ele tentará avançar com o Aécio, por mais que os petistas gritem “cuidado com o tucano papão!”.

    AINDA SOBRE O AMARGOR E A ESPERANÇA

    Seu espectro agora é amplo, não apenas midiático…

    Como não acredito que as verdadeiras soluções para os dramas brasileiros possam ser oferecidas pelos partidos e candidatos da política oficial, além de avaliar as opções oferecidas ao eleitorado na eleição presidencial de 2014 como pouquíssimo alentadoras, tenho me limitado a defender algumas posturas mais consequentes e a apresentar contrapontos  às propostas dos principais candidatos. Ou seja, tento levantar discussões que considero mais importantes do que a eleição em si, aproveitando o interesse despertado pelo pleito. 

    Nem sempre sou bem sucedido, pois a forma primária e simplista da maioria dos internautas encarar as reflexões sobre política é atribuindo aos articulistas motivações menores, torcida por tal ou qual candidato. Colocada a questão nestes termos, eu verdadeiramente não estaria torcendo por ninguém, mas sim torcendo contra as principais candidaturas.
    Como meus textos costumam seguir na contramão das pregações e práticas petistas, os fanáticos pela estrela desbotada já tentaram me desqualificar com absurdos (o de que, depois de 46 anos lutando pela revolução, eu teria mudado de lado) ou psicologices (a de que eu estaria desnorteado pelo rancor, em razão da falta de solidariedade e de espírito de justiça por parte dos grãos petistas, que cruzam os braços diante da perseguição que as burocracias do Estado me movem na questão da minha indenização retroativa de vítima da ditadura).

    O segundo motivo faria algum sentido em se tratando de outra pessoa, mas os verdadeiros militantes revolucionários somos diferentes. Espelho-me na postura de Trotsky, o comandante operacional da revolução soviética de 1917 e o grande responsável por sua sobrevivência nos campos de batalha, que depois sofreria as piores injustiças. Nem mesmo seus entes queridos foram poupados. Ainda assim, ele se recusava a ser erigido em mártir, afirmando desconhecer qualquer “tragédia pessoal”. Ou seja, o desvirtuamento da revolução era uma tragédia coletiva que atingira a ele como a tantos outros que se mantiveram fiéis aos ideais bolcheviques.

    Aniquilação do inimigo é parte da cultura fascista, não da nossa.

    O fato certo é que eu estava plenamente sintonizado com o ideário petista ao aderir ao partido nos seus primórdios, mas nossos caminhos cada vez mais foram se distanciando. 
    Agora, p. ex., vejo a campanha dilmista insuflar desmedidamente o ódio e o medo, como se o único motivo para o eleitor reeleger a presidenta fossem as mazelas supostas ou reais de Aécio Neves e dos tucanos.
    Enquanto isto, muito mais perspicazes e profissionais, os opositores fazem uma campanha para cima e martelam o tempo todo que, aos ataques e agressões, respondem com metas e soluções.
    Os torcedores de esquerda, aqueles que abdicam do pensamento crítico e se tornam tão fanáticos quanto os devotos da Igreja Universal ou da Renascer, não só aplaudem tal postura execrável, quanto a praticam. Parecem ignorar que, assim, só sensibilizam e atraem os piores seres humanos. Satanizar o inimigo, desumanizando-o para transformá-lo no espantalho contra o qual os prosélitos se unem, não difere em nada do que a Ku Klux Klan fazia com os negros e Hitler com os judeus. 
    Então, ao deplorar tal linha de atuação, apenas estou sendo coerente com o que sempre preguei. E não vejo motivo nenhum para deixar de fazê-lo só porque do outro lado está o PT. Defendo os mesmos princípios em todas as situações e quaisquer que sejam os personagens do drama. Isto se chama coerência.
    Devemos personificar a esperança, não a vingança.

    Eis, p. ex., como me posicionei em agosto de 2011 sobre o assunto, num artigo apropriadamente intitulado O amargor e a esperança (acesse-o aqui), no qual: 1) questionava os internautas que defendiam a aplicação da lei de talião contra os criminosos; e 2) recriminava os esquerdistas selvagens que, em nome da realpolitik, se alinhavam com um dos ditadores mais sanguinários do planeta:

    No fundo, são dois exemplos de um mesmo comportamento: pessoas que abdicam de serem boas, justas, nobres e dignas. Preferem ser amargas, más, rancorosas e vingativas. Optam por jogar a civilização no lixo, apoiando a imposição da força bruta e abrindo as portas para a barbárie.

    Mas, nem a criminalidade será extinta com o extermínio dos bandidos (outros tomarão seu lugar, indefinidamente), nem a revolução mundial avançará um milímetro com a esquerda apoiando tiranos execráveis. Quem é guiado pelo amargor, apenas se coloca no mesmo plano do mal que combate, abdicando da superioridade moral e desqualificando-e para liderar o povo na busca de soluções reais.

    No caso dos esquerdistas desnorteados, eles esquecem que os podres poderes se sustentam exatamente na descrença dos homens quanto às possibilidades de mudar o mundo.

    Céticos, eles se tornam impotentes. Cabe a nós devolvermo-lhes as esperanças.

    Nunca teremos recursos materiais equiparáveis aos do capitalismo. Nosso verdadeiro trunfo é personificarmos tais esperanças — principalmente a de que a justiça social e a liberdade venham, enfim, a prevalecer. 

    …ou falamos o que faz sentido para os melhores seres humanos (os únicos que conseguiremos trazer para nosso lado no atual estágio da luta) ou continuaremos falando sozinhos, sem força política para sermos verdadeiramente influentes.

    É no que sempre acreditarei. Então, lamento imensamente que, no 2º turno da eleição presidencial, sejam os tucanos que apostem na esperança e seja o PT que instile o ódio. Isto poderá até servir para ganhar a eleição, mas não para reconquistar os idealistas e os justos, trazendo-os de volta para o nosso lado, como estavam, em peso, nos estertores da ditadura e alvorecer da Nova República.

    Nós carecemos, desesperadamente, desses quadros de qualidade superior, movidos por ideais e não por interesses. São o ponto de partida para começarmos a reconstruir a esquerda brasileira, depois de sua credibilidade ter atingido o fundo do poço. 

    A BOLSA DISPAROU. POR QUÊ?

    Bolsas de valores são letais: morre-se de enfarte na alta…
    Leio no Brasil 247 que a Bolsa de Valores de São Paulo teve nesta 2ª feira (13) sua maior alta nos últimos três anos, 4,78%, puxada pelas ações da Petrobrás, que registraram valorização de mais de 10%. Segundo o jornal eletrônico, a Bovespa estaria “comemorando” as boas notícias para a campanha de Aécio surgidas nos últimos dias.
    Na verdade, quem participa do grande cassino capitalista não está nem aí para ideologias e eleições, o negócio dessa gente é grana. Então, o que deve ter ocorrido é o seguinte: tais profissionais, com seus múltiplos acessos ao que ainda não foi noticiado para o público em geral, receberam informações que lhes deram certeza da vitória de Aécio Neves.
    …e de depressão quando elas quebram.
    Ora, como as ações da Petrobrás despencaram ultimamente em função do noticiário adverso, adquiri-las agora será um ótimo negócio caso elas se valorizem adiante. E quem sai na frente, pegando os preços lá embaixo, é quem ganhará mais.
    Se vitorioso, evidentemente Aécio saneará a Petrobrás, para servir como um cartão de visita do seu governo. Sou vivido demais para crer que não existirão maracutaias, mas a empresa cujo aparelhamento mais desgastou o governo petista na reta final da campanha deverá se tornar território proibido para mutretas, pelo menos durante algum tempo. 
    Então, o que está por trás da alta inesperada da Bovespa é a convicção dos especuladores de que a eleição já está decidida e de que investir na Petrobrás voltará a ser um bom negócio.  E não algum plano mirabolante e mefistofélico para influenciar o pleito.
    No que me baseio para fazer esta interpretação? Nos três anos que, muito a contragosto, fui responsável por um jornal semanal da associação das corretoras de valores. Detestava as pessoas, o ambiente e os assuntos, mas procurei extrair algo útil da experiência: inteirar-me sobre como funciona o mercado de capitais. 

    Afinal, quanto maior o conhecimento que tivermos do inimigo, mais eficientes seremos no combate a ele.

    FIM DOS NEGACEIOS: MARINA SOBE AO ALTAR COM AÉCIO. SERÁ O XEQUE-MATE?

    Este foi o previsível desfecho… 
    Depois de fazer suspense por três dias, Marina Silva acaba de declarar apoio formal ao candidato tucano à Presidência da República, Aécio Neves.
    Como a maioria dos seus eleitores já ia pelo mesmo caminho, não me parece que o quadro tenha se alterado significativamente.
    Se a política tem alguma lógica, e eu penso que tenha, Aécio marcha para a vitória. Quem acompanha o meu trabalho, sabe, contudo, que a minha preferência era outra. 
    Há muito duvidava das chances de reeleição de Dilma, prevendo que uma candidata fraca como ela sucumbiria ao mau desempenho da economia brasileira nos últimos anos e ao desgaste natural do exercício prolongado do poder pelo PT (mensalão e propinoduto inclusos). 
    Com Lula, a conversa talvez fosse outra. Dilma nem de longe possui carisma comparável.
    O vendaval Marina me animou. Por um golpe do destino, o PSDB poderia ficar fora do 2º turno, salvando-nos de uma vitória retumbante da direita,
    …de uma decisão desastrosa…
    Quando a acriana falava em aproveitar os melhores quadros dos vários partidos, era claro para mim que alguns petistas ilustres integrariam o seu governo. Gente como o Eduardo Suplicy, que acaba de perder a vaga no Senado não por ser malquisto pelo eleitorado, mas por ter carregado todo o peso da rejeição paulista ao PT, enquanto, paradoxalmente, o partido-urso  o abandonava à própria sorte. 
    E, eleita pelo pequeno PSB, ela dificilmente faria um governo que a credenciasse à reeleição –além de rejeitar enfaticamente tal possibilidade. Ademais, pode até ser lucro não estar no poder quando se aplicarão os remédios mais amargos na economia. Ter pilotado recessão é veneno nas urnas.
    Que a meramente reformista Dilma fosse substituída pela meramente reformista Marina não seria, portanto, nenhuma catástrofe. E o PT teria tudo para voltar ao Palácio do Planalto em 2018, com seu astro maior.
    Mas, os gênios do partido foram para o tudo ou nada, bisonhamente, temendo mais a história de vida de Marina do que a habilidade política bem superior de Aécio Neves, o apoio muito mais decidido que o poder econômico necessariamente concederia a quem de fato o representa, o impacto que as delações premiadas relativas ao aparelhamento da Petrobrás teriam na opinião pública (só ingênuos foram surpreendidos pelos vazamentos para a grande imprensa nos momentos mais cruciais da campanha!), etc.

    Ao que tudo indica, a infame satanização de Marina só haverá servido para transformar uma derrota parcial nas mãos de uma adversária em derrota avassaladora nas asas do pior inimigo. Mágica besta está aí.

    …dos aprendizes de feiticeiros do PT.
    Voltar à oposição, contudo, poderá fazer muito bem ao PT, se ele se der conta de que sua desgraça se terá devido ao abandono das bandeiras históricas que o diferenciavam dos demais partidos, seja no campo da justiça social, seja no da ética.

    A volta às origens não é impossível, embora já tenha dilapidado substancial parcela de capital político acumulado nas saudosas jornadas do ABC, na superação da ditadura e nos tempos esperançosos do Lula-lá.

    A refundação será a opção que lhe vai restar, se não quiser decair cada vez mais, até se tornar um novo PMDB, tão bem sucedido na fisiologia mais rasteira quanto irrelevante como força decisória e transformadora do País. 

    "TEMOS DE SER MINIMAMENTE COERENTES", COBRA A ERUNDINA ARRETADA!

    Mais uma vez minha posição coincide inteiramente com a de Luiza Erundina, valorosa companheira  a quem muito prezo e admiro.

    Vale lembrar, p. ex., sua digna atitude de desistir de ser vice do Fernando Haddad na disputa da prefeitura paulistana, porque este fora beijar a mão do Paulo Maluf. 

    No tocante à crucial decisão que Marina Silva promete anunciar na próxima 5ª feira, 9, está certíssima ela e estou certíssimo eu (vide aqui), pelo menos se o paradigma forem os valores da esquerda de outrora, muito mais séria e consistente do que a atual.
    Marina tende a nos decepcionar, mas teremos feito tudo ao nosso alcance para evitar que ela jogasse no ralo sua bem-vinda proposta de uma nova política.
    Eis o que a colunista social Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, informou:

    A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), uma das coordenadoras da campanha de Marina Silva à Presidência, defende que o PSB libere o voto de seus filiados no 2º turno das eleições. O partido deliberará sobre o tema ainda nesta semana, mas Marina já sinalizou que pode declarar apoio ao tucano Aécio Neves.

    ‘Há grupos no partido que querem Aécio Neves, outros que pretendem apoiar a Dilma. Tomar uma posição única seria ruim, dividiria o partido. O melhor seria liberar para que cada militante, filiado ou dirigente, possa tomar a sua decisão’, afirma a ex-prefeita de São Paulo.

    Caso a ideia vingue, Erundina já tomou a sua: não vai declarar voto nem no tucano nem na petista.

    ‘Nem Aécio, nem Dilma. Nós não dissemos o tempo inteiro, na campanha, que queríamos mudança? Não propúnhamos o tempo inteiro o fim da polarização? Se nós apoiarmos um dos polos, não vamos justamente fortalecer um dos polos e, portanto, justamente a polarização que combatemos?’, questiona a socialista.

    ‘Nós temos de ser minimamente coerentes. Sem o que, não vale a pena’, finaliza ela.

    MARINA NA HORA DA VERDADE: QUE POSIÇÃO DEVE ASSUMIR NO 2º TURNO?

    “Política é propriedade”, definiu o escritor Norman Mailer. Os profissionais deste ofício acumulam um certo capital e, mesmo nos reveses, tentam fazê-lo crescer.

    No caso presente, o da candidata derrotada Marina Silva, a moeda usual pela qual poderá trocar seu acervo de votos e as declarações de amor eterno a um(a) dos finalistas, seria(m) ministério(s) para si ou para seu partido no eventual governo daquele com quem fechar o acordo.

    Ocorre que Aécio Neves representa o inimigo de classe, como ela aprendeu ou deveria ter aprendido durante as mais de duas décadas de militância no PT. Talvez sua educação haja sido negligenciada, afinal oPTou no ano de 1985, quando o partido já iniciara a faina de expurgar tendências de esquerda e abandonar, uma a uma, as bandeiras mais consequentes do passado. 
    Aqui cabe uma recapitulação. Em 1982, ainda sob a ditadura militar, o PT disputou suas primeiras eleições (concorrendo aos cargos de governador, senador, deputado federal e estadual). A propaganda eleitoral gratuita era regida pela Lei Falcão, que dava ao partido o direito de expor apenas as fotos dos candidatos, enquanto um locutor lia os respectivos currículos.
    Como parte significativa dos seus candidatos participara da resistência à ditadura, o PT, dignamente, incluiu nesses currículos a informação de que haviam sido presos políticos.
    Ora, quem tem formas de comunicar-se em massa sempre pode propagar invencionices e quase sempre tais falácias colam, pois um traço perverso da mentalidade do homem comum brasileiro é acreditar piamente no que se fala de mau sobre outrem, sem exigir prova nenhuma.

    P. ex., se caluniadores imundos lançarem o boato de que uma respeitável educadora exerce atividade parasitária e vil, martelando-a incessantemente como recomendava Goebbels, muitos idiotas sairão repetindo como papagaios esta mentira deslavada.

    Vai daí que a direita passou a desqualificar os candidatos petistas com zombarias do tipo “eles não têm currículos, têm prontuários policiais”. E, então como agora, se os caluniados não dispõem de uma rede equivalente para restabelecerem o primado da verdade, são esmagados pelos rolos compressores que, a partir do impulso inicial dado por raposões, vão sendo engrossados cada vez mais pelos crédulos (que engolem qualquer patranha) e pelos despersonalizados (que nunca ousam se colocarem contra a maioria).

    É outro traço bem brasileiro: diante de um linchamento, a grande maioria toma o partido dos linchadores.

    Os resultados pífios obtidos na sua estréia eleitoral apavoraram os grãos petistas. A palavra-de-ordem passou a ser respeitabilidade a qualquer preço! Inclusive quando o preço era deixar militantes entregues às feras direitistas, sendo retaliados e quase assassinados, como ocorreu no episódio dos quatro de Salvador, que relato aqui.

    Reatando o fio da meada, faz sentido que uma ex-seringueira, ex-doméstica e ex-analfabeta, entrando aos 27 anos num partido que cada vez mais se afastava dos ideais revolucionários e provavelmente não estaria ensinando nem sequer o bê-a-bá do marxismo aos ingressantes, mostre até hoje pouca familiaridade com o equacionamento dessas questões em termos de classes sociais.

    Afinal, até uma ex-guerrilheira diz coisas que tirariam Marx do sério, como o auto-elogio por haver ajudado a criar uma nova classe média.

    O velho barbudo queria é livrar a humanidade das divisões artificiais que só servem para perpetuar a desigualdade; a visão que tinha dos que oscilavam entre a burguesia e o proletariado era a mais depreciativa possível; e, como papa da economia política, ele riria na cara de quem ousasse sustentar que um coitadeza,  tendo como renda mensal uma merreca tipo R$ 291, pertenceria à classe média…

    Mas, presume-se que de ambientalismo a Marina entenda. Como poderia associar-se ao representante de uma das burguesias mais selvagens e destruidoras do patrimônio natural que existem no mundo?! Apoiar Aécio, no caso dela, é inadmissível!
    Há, contudo, um pequeno problema com relação à opção contrária. Marina saiu do PT exatamente porque sua adversária no Ministério, Dilma Rousseff, conseguiu impor no Governo Lula a diretriz do crescimento econômico sem freios, passando como um trator sobre suas bandeiras ecológicas.
    E, na atual campanha sucessória, Dilma aprovou e aplaudiu a sua satanização, acumpliciando-se e sendo beneficiária de um dos capítulos mais deploráveis da história da esquerda brasileira.
    Então, espero que Marina tenha a grandeza de portar-se como verdadeira arauta de uma nova política, abdicando dos dividendos que a velha política lhe permitiria extrair do capital acumulado nas urnas. Caso contrário, os perspicazes imediatamente saberão que eram palavras ao vento; e os demais, aos poucos, irão chegando à mesma conclusão. 
    A coerência manda, portanto, que Marina se declare neutra e libere os seus seguidores para votarem em quem quiserem.

    SEMEARAM VENTOS. COLHEREMOS UMA TEMPESTADE?

    “Lo que siento en esta ocasión,
    lo tendré que comunicar,
    algo triste va a suceder,
    algo horrible nos pasará.”
    (Luis Advis, Cantata 
    Santa Maria de Iquique)

    Se as pesquisas eleitorais se confirmarem, teremos o 2º turno sonhado pelo PT, que não poupou nenhum golpe baixo para o viabilizar: Dilma Rousseff x Aécio Neves.
    As perguntas que não querem calar são:

    • Tendo implodido Marina Silva com uma avassaladora blitzkrieg de falsidades, insinuações e tendenciosidades, o PT preparou o caminho para a vitória… ou para sofrer a sua pior derrota desde 1989?
    • Como impedirá que os votos de sua filha pródiga migrem para Aécio Neves, se a satanizou como a pior das inimigas, ao invés de tratá-la com o respeito devido a uma adversária também pertencente  a campo da esquerda? 
    • O que lhe dá tanta certeza de triunfo, se o partido está visivelmente desgastado após 12 anos de exercício ininterrupto do poder e já não tem mais esperanças nem novidades para oferecer (só mais do mesmo, quando o mesmo se tornou pouco), se sua rejeição jamais foi tão elevada, se o momento econômico é o pior desde 2002, se nunca houve tantas e tão chocantes denúncias para o PIG trombetear e se Dilma Rousseff mostra desempenho muito inferior ao de Aécio Neves nos debates eleitorais?
    • Nestas condições, não terá sido leviandade trocar a certeza de vitória de uma das candidatas de esquerda pelo risco de abrir as portas do Palácio do Planalto para o inimigo de classe, concorrendo para um terrível retrocesso?
      O jeito é torcermos e agirmos para que os semeadores de ventos não colham tempestades que desabarão também sobre todos nós. 
      Mas, se o pior ocorrer, haverá muito o que cobrarmos depois. 
      E eu serei o primeiro a fazê-lo, pois fui também o primeiro a alertar para os perigos de encararmos uma eleição de forma tão temerária e inconsequente, com o exclusivismo tacanho dos torcedores de futebol (o meu time contra todos os outros) ao invés do despojamento dos verdadeiros militantes de esquerda, que devem sempre colocar a causa acima de seus interesses e conveniências.