Nelson Jobim

USTRA DIZ QUE NÃO OCULTOU CADÁVER, SÓ O ENTERROU SOB NOME FALSO…

Quem acompanha meu trabalho, sabe que já em 2007 eu descria da possibilidade de se punir os torturadores da ditadura militar sem a revogação da anistia de 1979, que igualou algozes e vítimas. 
Vencidos pela facção de Nelson Jobim na luta então travada no seio do ministério, Tarso Genro e Paulo Vannuchi foram proibidos por Lula de continuarem pregando o necessário e indispensável, qual seja a revisão da Lei de Anistia. Aí, para salvarem as próprias imagens, indicaram à esquerda o caminho dos tribunais, que jamais desatariam o nó enquanto Executivo e Legislativo permanecessem de braços cruzados.
E o nó não foi mesmo desatado. O Supremo Tribunal Federal, numa das decisões mais aberrantes de sua História, em 2010 considerou válida a anistia que os carrascos concederam a si próprios em plena vigência da ditadura, usando os presos políticos e os exilados como moeda de troca e obtendo o aval de um Congresso descaracterizado e intimidado. 
Desde então, as ações civis e criminais contra os torturadores têm um desfecho anunciado: se condenados nas instâncias menores, os réus sabem que tranquilamente darão a volta por cima no STF. Os processos passaram a ter apenas efeito moral; são ingênuos os que sonham com penas de prisão e/ou pecuniárias, pois elas não virão enquanto não forem alteradas as regras do jogo (impostas pelo inimigo e não questionadas pelos pusilânimes do nosso lado quando a ditadura acabou).
Não foi nem um pouco significativa, portanto, a decisão da Justiça Federal de São Paulo, ao considerar prescrito o crime de ocultação de cadáver cometido pelo torturador-símbolo Carlos Alberto Brilhante Ustra e pelo delegado aposentado Alcides Singillo, que deram sumiço nos restos mortais do  militante Hirohaki Torigoe, repetindo a prática adotada pela repressão ditatorial em dezenas de outros casos. Se o Ministério Público Federal, autor da ação, transpusesse esta barreira, certamente tropeçaria numa posterior. Ustra e Singillo nada tinham a temer.
O que vale um registro é a bizarra justificativa da defesa de Ustra. Os procuradores argumentavam que, como o cadáver não foi encontrado até hoje, tratava-se de um crime permanente. Os patronos do chefão do DOI-Codi paulista disseram que o corpo do Torigoe não está sumido, tendo sido enterrado com o nome falso que ele usaria no momento da prisão.
É o mesmo que admitir não só seu assassinato, mas a própria ocultação de cadáver, de vez que a repressão sempre conseguia identificar os defuntos que lhe interessavam.
Enfim, desta vez o Ustra conseguiu livrar a cara sem atirar a responsabilidade sobre seus superiores, como fez em outras ocasiões, implicitamente reconhecendo que servia a uma instituição genocida. 
No que, aliás, estava certíssimo: a culpa por todas as práticas hediondas começava no general que se fazia passar por presidente da República e se estendia para cada elo da cadeia de comando.

Obs.: tentei divulgar este texto no Facebook, mas parece haver agora algum filtro 
que rejeita matérias com Ustra no título. A censura avança, a democracia recua…

RECUOS E CAPITULAÇÕES NÃO FARÃO AFLORAR A VERDADE

Eles venceram o 1º round.
Quantos outros recuos haverá?
Como era esperado, a presidente Dilma Rousseff constituiu a Comissão da Verdade com os  notáveis  de sempre –aqueles que o sistema aceita como tais.
Como era esperado, vergou-se à pressão dos congressistas reacionários, que impuseram a condição de que nenhum antigo resistente integrasse o colegiado. O infame art. 2º, cuja inclusão eles exigiram para permitirem a aprovação da lei instituindo a Comissão, foi seguido ao pé da letra (o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim garante ter sido acordada também a investigação de crimes atribuídos aos resistentes, será que a pusilaminidade chegou a tal ponto?!).

Como era esperado, os  compromissos da governabilidade  pesaram mais na decisão de Dilma do que a coerência com a própria história de vida: quem sempre afirmou que os militantes se igualavam aos verdugos (“ambos cometeram excessos”) é a pior direita que existe, a das  viúvas da ditadura.

Ao aceitar o veto aos que arriscaram tudo e tudo sofreram para combater o despotismo, como contrapartida à não participação de militares, Dilma endossou a posição dos Passarinhos e Ustras da vida. É lamentável. Fico triste por mim,  pelos companheiros que morreram  e pelos que nunca mais foram os mesmos depois do calvário nos porões; e envergonhado por ela.

Que me desculpe aquela que conheci em outubro de 1969 como Vanda, mas nunca mais a tratarei novamente por companheira presidente. Quem fez jus a tal distinção foi Salvador Allende, que morreu em nome dos seus princípios… revolucionários!

Para mim, doravante, será sempre Vossa Excelência, tal qual o José Sarney e o Fernando Collor, dentre outros ocupantes do Palácio do Planalto.

UMA PALAVRA FINAL

Sinceramente, eu já adivinhava que a Dilma não se comportaria como uma  companheira presidente. Tudo me levava a crer que ela se tornara apenas uma tecnoburocrata do capitalismo, sem a mais remota aspiração atual de dar um fim à exploração do homem pelo homem. 
Agora está confirmado: é mais uma política que joga o jogo segundo as regra do sistema, não uma militante que entra no sistema para alavancar a revolução.
Apesar das minhas intuições, fiz tudo que podia para empurrá-la na direção dos ideais de outrora. É assim que sempre ajo. Não desisto enquanto a batalha não estiver definitivamente perdida.
Da mesma forma, quando a Comissão da Verdade foi aprovada a partir da capitulação diante da bancada direitista no Congresso, lutei até o fim contra tal ACORDO PODRE, INDIGNO E ALTAMENTE INSULTUOSO PARA NÓS, OS ANTIGOS RESISTENTES
Foi este o motivo de me haver proposto como anticandidato. Tratou-se apenas de uma tentativa de fazer com que a esquerda se unisse em torno da exigência de um representante das vítimas. 
Os algozes não poderiam mesmo estar representados, mas a igualação no veto só seria cabível em se tratando de grandezas equivalentes (aberração que só as  viúvas da ditadura  defendem, tentando encontrar uma atenuante para as atrocidades perpetradas). Ademais, aplicar a um processo de resgate histórico as regras de um tribunal é rematada tolice.

Sempre achei que o mais adequado para o papel fosse o Ivan Seixas, tanto que constantemente o indicava como uma ótima possibilidade.

Infelizmente, uma parte da esquerda preferiu desqualificar de fora a comissão, enquanto a outra parte, ou queria emplacar suas candidaturas (compatíveis com tal limitação), ou se alinha automaticamente com tudo que o governo faz.
Eu lutei como pude, por menores que fossem as chances de mudar o que já estava pactuado; e, agora que o acinte se consumou, estou batendo pesado, como sempre faço.
É travando todas as lutas até o último cartucho que conseguimos vencer alguma, mesmo se todas as condições são desfavoráveis, como no Caso Battisti.

De resto, o cenário que se desenha é o do parto da montanha produzir um rato: os militantes já cansaram de proclamar a verdade e os militares não terão motivo nenhum para abdicar da mentira. 

A tendência é que  se sistematizem as versões já conhecidas sobre as execuções e demais atrocidades da ditadura, pouco se avançando na descoberta dos armários em que eles guardaram os esqueletos –salvo se a Comissão pudesse ao menos ordenar a prisão dos comprovadamente perjuros.

Mas, é óbvio que isto não ocorrerá.

CONIVENTE COM A FASCISTIZAÇÃO, O PT SERÁ POR ELA TRAGADO

“O que o PT parece perder de vista é que, como sempre acontece na história com os partidos fracos, gelatinosos, dispostos a todas as concessões e vilanias, a sua política policial se voltará, mais cedo ou mais tarde, contra ele mesmo. E isso pode acontecer logo que, despido de sua auréola e credibilidade por força da violência que criou e tem gerido, deixe de ser um instrumento útil nas garras da fauna de bilionários que hoje se alimenta do Estado. Nesse momento, o criador será entregue como repasto para sua criatura.”

A advertência é do filósofo Bajonas Teixeira de Brito Jr., num extenso artigo que deve ser lido e avaliado com muita atenção pelos cidadãos que não aceitam viver debaixo das botas: O Brasil reinventa o totalitarismo – a nova máquina policial, publicado no Congresso em Foco (ver íntegra aqui).

Eis os trechos principais:
Não é fácil compreender como o ovo da
serpente pôde ser chocado no governo do PT
Há muitos sintomas que hoje indicam a eclosão de uma forma peculiar de totalitarismo no Brasil… [e] ainda temos que descobrir o que está por trás dos traços totalitários que se avolumam.
Observamos esses traços se ramificarem em diversas direções: nas alterações (sempre para cima) dos contratos bilionários das empreiteiras; nas concessões inconstitucionais para as obras da Copa e outros megaeventos esportivos, que (…) assumem a forma de um efetivo Estado de Exceção, com as garantias constitucionais anuladas em benefício da especulação imobiliária e outros grandes interesses econômicos; o mesmo aparece nos projetos colossais, como o do Plano Nacional de Banda Larga, em que salta aos olhos o modo com que, como faca quente sobre a manteiga, os ‘parceiros’ do governo federal infringem ou denunciam os acordos no mesmo dia em que os firmam e obtém os privilégios que Estado algum concederia.
Por fim, o que provoca estremecimento e pavor, temos as operações policiais destinadas aos pobres e aos movimentos sociais, cada vez mais aparatosas em que se pode admirar a pujança do aparelhamento da repressão: helicópteros blindados em sobrevôo rasante, enormes carros blindados, viaturas novinhas em folha, armaduras articuladas com proteção amortecedora e design futurista, semelhantes às dos soldados americanos no Iraque, veículos especiais para transporte rápido de grande quantidade de cavalos, utilização da cavalaria como técnica de cerco e perseguição, etc.
“…estamos dentro de uma espiral
de violência e repressão…”
Uma atenção especial merece esse último aspecto, a força repressiva, em vista da escalada da violência policial que se cristalizou em diversos acontecimentos repulsivos nos últimos tempos.
Os fatos (…) deixam pouca margem a dúvidas. Sua concentração em janeiro de 2012, é sintomática. Estamos dentro de uma espiral de violência e repressão policial que ultrapassa a média histórica, já extremamente alta, que caracterizou sempre a história de um país elitista e discriminador. Um tripé repressivo, que envolve o judiciário, a polícia e a política, manipulando uma consciência pública cada vez mais debilitada (…) está bem montado e, tudo indica, atuará daqui para frente sempre com maior ferocidade. Estamos já muito além de acontecimentos episódicos e passageiros. Há por trás de tudo isso um comércio de armamento, viaturas, blindados, helicópteros, munições, armas, etc. O Rio de Janeiro já é palco de uma das maiores feiras mundiais, a Feira Internacional de Segurança, para a aquisição de armamentos destinados à repressão pública.
O que já está em prática é um projeto [de  superpolícia], que foi articulado pelo então ministro da defesa, Nelson Jobim, que evocou à época a ‘expertise’ adquirida pelo exército em conflitos urbanos na missão do Haiti… Uma conclusão que se pode tirar nessa altura é a seguinte: se um ministro da defesa é quem articula um projeto policial, em que o exército, a marinha e aeronáutica são peças decisivas, então o inimigo contra o qual o país pretende se defender é um inimigo interno. Ao longo da história, nos regimes totalitários, o ponto crucial foi sempre o domínio sob o aparato policial visando a liquidação do ‘inimigo interno’.
A repressão direcionada contra o “inimigo
interno” é característica do totalitarismo
O que não é fácil de compreender é como, no governo de um partido que sempre se disse comprometido com as causas populares, foi chocado o ovo da serpente. Enquanto há pouco mais de uma década discutia-se ainda o absurdo da existência de duas polícias, a militar e a civil, e se falava na extinção de uma delas para a consolidação do sistema democrático, o que acompanhamos nos últimos tempos foi o reforço de toda a maquinaria policial: o uso da Polícia Federal contra mobilizações sociais (…), a criação da Força Nacional de Segurança Pública, a mobilização das Forças Armadas para operações em favelas, o fortalecimento da divisão da polícia em Civil e Militar, a quase que autonomia dos batalhões especiais, como o Bope.
O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) disse (…) que a Policia Militar transformou em ‘praça de guerra’ a ação de reintegração de posse da área invadida do Pinheirinho…
Mas como é possível tanto cinismo, se os instrumentos dessa guerra foram criados por esse governo e por sua base política?

TORTURADORES ALIVIADOS: NEM MESMO AÇÕES CIVIS OS AMEAÇAM

Não sou adivinho, nem escrevo com base em  chutes, desejos pessoais ou hipóteses improváveis.

Quando aponto a meus leitores o cenário que provavelmente prevalecerá adiante, raciocino exatamente como o enxadrista que sou: de várias evoluções possíveis da situação presente, elejo a que mais se adequa à correlação de forças e às características dos grupos e indivíduos que tomarão as decisões.
Então, quem se der ao trabalho de reler os artigos sobre o Caso Battisti, verificará que as minhas principais previsões viraram realidade.
Quando alguns companheiros se desesperaram com a tendenciosidade do presidente do Supremo Tribunal Federal e do outro ultradireitista que ele escolheu para relatar o processo, sugerindo o lançamento de uma campanha pública para pressionar o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a libertar imediatamente o escritor (o que implicaria passar por cima do STF), rechacei de imediato a proposta e recomendei aos outros líderes do movimento que manifestassem inequivocamente sua desaprovação. Deu certo.
Tendo acompanhado a trajetória de Lula desde o sindicalismo, eu tinha certeza absoluta de que ele jamais confrontaria o STF. Então, pedir o impossível nos atrapalharia na conquista do possível, seja por ensejar antipatias contra nós dentro do Governo e do PT, seja por dar a nossos inimigos a possibilidade de alegarem que temíamos a decisão do Supremo e dela estávamos tentando fugir.
Depois, com esforços titânicos, conseguimos deter a escalada de arbitrariedades de Gilmar Mendes e Cezar Peluso. Eles já haviam induzido três dos seus colegas a revogarem na prática a Lei do Refúgio, usurpando prerrogativa do Congresso Nacional; e a cassarem uma decisão legítima do ministro da Justiça, usurpando prerrogativa do Executivo.
A terceira usurpação concretizaria a infâmia: eles tentaram tornar definitiva a decisão do STF, apropriando-se também de uma prerrogativa do presidente da República, qual seja a de dar a última palavra nesses casos.
Agressão tão extrema às tradições seculares do Direito não seria tão facilmente aceita: o mais legalista dos ministros que Mendes e Peluso estavam arrastando na sua  brietzkrieg  não os acompanhou na consumação do estupro de leis e jurisprudências. Ganhamos a parada.
No mesmo dia escrevi que, tendo o STF depositado nas suas mãos o destino de Battisti, Lula jamais o entregaria aos inquisidores italianos.

Anunciada a decisão presidencial, foi também no mesmo dia que antecipei: Peluso e Mendes ainda esperneariam um pouco antes de reconhecerem a derrota, mas não havia como o Supremo renegar o que ele próprio estabelecera. Dito e feito.

Mas, claro, como revolucionário eu preferiria mil vezes que tivéssemos força política suficiente para impor a libertação imediata de Battisti, encurtando sua agonia. Infelizmente, não a tínhamos.
AS MIRAGENS E O PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO

 Da mesma forma, o caminho para a punição dos torturadores dos anos de chumbo passava obrigatoriamente pela revogação da anistia preventiva que os déspotas concederam a si e a seus esbirros em 1979.

Quando o Governo Lula se curvou às pressões militares em 2008, posicionando-se pela manutenção da  pax  do ditador Figueiredo, intuí que a parada estava perdida e passei a conclamar os companheiros a lutarem pelo que ainda tínhamos chance de conseguir: um veredicto final do Estado brasileiro repudiando a usurpação de poder e estabelecendo a responsabilidade dos envolvidos no festival de horrores subsequente.
Tarso Genro e Paulo Vannuchi, logo após serem derrotados na refrega ministerial pela corrente encabeçada por Nelson Jobim, indicaram aos cidadãos inconformados com a capitulação do Governo o caminho dos tribunais.
Avaliei que os torturadores não corriam maiores riscos, pois nossa Justiça é tão lenta e faculta tantas manobras protelatórias que todos eles estariam mortos bem antes de a primeira sentença chegar à fase de execução.
Quanto à condenação em si, ao menos para efeito moral, dependeria do posicionamento do Governo Lula. Resolvi tudo fazer para evitar que continuasse alinhado com a impunidade, embora intimamente estivesse cético.
Quando os advogados de torturadores pediram o primeiro pronunciamento da Advocacia Geral da União, escrevi vários artigos sobre o absurdo que seria coonestar uma anistia imposta pelos vencedores aos vencidos em plena ditadura e mediante chantagem (a moeda de troca foi a libertação dos companheiros ainda presos e a permissão de volta dos exilados).
Não adiantou: a AGU passou a sempre informar aos juízes que considerava válida a anistia de 1979.
A pusilaminidade do Governo Federal e a omissão do Congresso Nacional deixaram o terceiro Poder de mãos livres para detonar definitivamente qualquer possibilidade de verdadeira justiça.
 
E o STF não se fez de rogado, produzindo em 2010 uma de suas decisões mais escandalosas e estapafúrdias de todos os tempos. Por ela, bastaria os nazistas terem previamente anistiado os próprios crimes para não existir tribunal de Nuremberg.
Extinta de vez a possibilidade de se responsabilizar criminalmente os torturadores –só ingênuos acalentam a esperança de que seja acatada a decisão do tribunal da OEA, não percebendo que a própria instituição da Comissão da Verdade está servindo como um prêmio de consolação neste sentido–, restaram as ações civis, por meio das quais os algozes poderiam ser declarados torturadores, ter sua pensão cortada ou pagar a conta dos prejuízos por eles causados à União, obrigada a indenizar suas vítimas.

É mais um oásis que evapora ao nos aproximarmos dele: o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) acaba de decidir que os militares acusados de torturar presos políticos no DOI-Codi paulista durante a ditadura não podem mais ser condenados porque seus crimes já prescreveram.

Ao julgar o caso, a 6ª Turma do TRF respaldou-se na decisão do STF de manter a validade da Lei de Anistia.
Alguém duvida de que será este também o entendimento das instâncias superiores?
Resumo da opereta: só nos resta lutarmos com todas as forças para que a Comissão da Verdade cumpra verdadeiramente seu papel, permitindo que a opinião pública e os pósteros adquiram pleno conhecimento das atrocidades do período, dos nomes de quem as cometeu e de quem as ordenou. 
Todo o resto parecia sólido, mas se desmanchou no ar.
De Gaulle pode não ter dito tal frase, mas ela continua sendo o melhor diagnóstico já feito sobre o Brasil: não é um país sério.

JOGO DE CINTURA

Está na Folha de S. Paulo:
O trecho da reportagem da ‘Piauí’ que mais irritou Dilma não foi a citação às ministras, mas como Jobim relatou à revista conversa entre os dois sobre a contratação do ex-deputado José Genoino para ser assessor na Defesa.
Segundo a revista, ela perguntou se ele seria ‘útil’, ao que Jobim respondeu: ‘Presidente, quem sabe se ele pode ou não ser útil sou eu’.
Fez-me lembrar um comportamento que sempre mantive quando liderei redações. Se discordava do patrão numa questão importante, ia sempre discutir o caso discretamente, a portas fechadas, insistindo até conseguir uma solução conciliatória.
Mas, nem com o meu melhor amigo na empresa eu comentava o ocorrido. Pode-se vencer uma queda de braço com os poderosos, mas é fatal vangloriar-se disto.

JOBIM: SUA REMOÇÃO DEMOROU UMA ETERNIDADE

A menos que aconteça o improvável e Nelson Jobim ressurja das cinzas, este será meu último artigo a seu respeito.
A situação por ele criada, com suas seguidas, inconsequentes e inaceitáveis incontinências verbais, teve o único desfecho possível: a demissão.
Mas, o pior malefício que ele cometeu dificilmente será desfeito.
Foi Jobim quem, numa reunião ministerial decisiva, confrontou Tarso Genro e Paulo Vannuchi, encabeçando a corrente contrária à revisão da Lei de Anistia. Para opróbrio do Brasil, tal posição acabou prevalecendo.
Em plena ditadura militar, os altos escalões do arbítrio concederam um habeas corpus preventivo a si próprios (mandantes) e a seus esbirros (torturadores), para evitar que se fizesse justiça quando da redemocratização do País.
Absurdamente, a Nova República, presidida por um lambe-botas dos antigos déspotas,  esqueceu  o festival de horrores que a antecedeu.
Os dois Fernandos e o inapetente Itamar Franco deixaram tudo como estava no que tange a punições, embora FHC tenha, pelo menos, instituído as comissões de Anístia e de Mortos e Desaparecidos Políticos, para apurarem os crimes e injustiças do período de exceção, concedendo reparações aos sobreviventes e aos herdeiros das vítimas.
A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder reavivou as esperanças de que tanto as bestas-feras, quanto os canalhas que removeram suas focinheiras, respondessem finalmente por seus atos.
Mas, com participação decisiva de Nelson Jobim, o Ministério resolveu, no final de 2007, que o Governo Federal não proporia a revisão da anistia de 1979.
Um ano mais tarde, quando a questão chegou à Justiça, a posição da União, expressa por sua Advocacia Geral, foi de que a Lei de Anistia colocara uma pedra sobre o assunto. E, todas as vezes em que a AGU foi chamada a dar seu parecer, alinhou-se com a impunidade.
Não é de estranhar-se que o Congresso Nacional tenha olimpicamente ignorado o assunto; e que o Supremo Tribunal Federal, em 2010, haja ratificado o entendimento do Executivo.
Até hoje, não se conseguiu desatar o nó atado em 2007 por Jobim e os ministros reacionários e/ou pusilâmines que lhe garantiram maioria.
Foi naquele momento que Jobim, prestando um enorme desserviço à Nação, desqualificou-se irremediavelmente para o Ministério. Sua remoção demorou uma eternidade.

JOBIM RISES AGAIN: ATACA MINISTRAS E DIZ QUE LULA É BOCA SUJA

Esta imagem NÃO é da série
“Jim das Selvas”. Só parece.

Confesso: não vi o Roda Viva com o porta-recados dos milicos no Ministério. O “Vai! Vai! Vai! Não vou!” jobiniano já me cansou. Na categoria  pastelão, prefiro os Irmãos Marx.

Mais abnegado, o Jânio de Freitas assistiu e relata:
…Jobim pôde dissimular à vontade, sempre precisando, a cada pergunta não desejada, ‘voltar um pouco mais atrás’ e enveredar por uma historiada que nunca chegou à resposta pedida.
Quem são os idiotas, afinal? Lá veio uma enrolação incompreensível, puxada de décadas, sem nexo e sem fim. E o seu texto metido no original da Constituição ao revisá-lo, qual é? ‘É preciso voltar mais atrás’, e nada. Por que a Avibrás, uma empresa bem equipada e competente, está de fora nos planos para a indústria de defesa? Nada…
E ainda os chutes: ‘Pela mata, [contrabandista, presume-se] não passa, quem conhece a Amazônia como eu conheço, sabe disso’.
Se fosse assim, não haveria extrativistas de castanhas e de seringueiras, madeireiros e nem sequer índios. Jobim conhece a periferia de umas trilhas militares, nunca participou de expedição floresta adentro, não sabe que a mata amazônica é das mais transitáveis. Assim em diante.

A dissimulação sem cobrança deu-se bem.

Só discordo da última frase. Eu e muitos articulistas destacamos que foram das mais incompreensíveis suas juras de amor eterno à presidente Dilma Rousseff no Roda Viva, com Jobim parecendo querer conservar o cargo depois de tornar imperativa sua demissão ao declarar que os arquivos secretos da ditadura evaporaram, que os outros ministros são idiotas e que votou em José Serra na última eleição.
Dilma já perdeu três oportunidades de se livrar do pior ministro herdado de Lula.
Esta imagem NÃO é do filme “Apertem
os cintos… o piloto sumiu”. Só parece.

Tem a quarta agora, pois, na revista Piauí que chegará às bancas nesta 6ª feira (05/08), ele qualifica as negociações sobre o sigilo eterno dos documentos oficias como “muita trapalhada” e deprecia novamente colegas do Ministério, no caso Ideli Salvatti (“muito fraquinha”) e Gleisi Hoffmann (“nem sequer conhece Brasília”).

Além disto, novamente faz salamaleques para FHC (“O Lula diz palavrão, o Fernando é um lorde”) e ainda se vangloria de haver dado um calaboca na própria Dilma, quando esta lhe indagou se José Genoíno seria útil no Ministério da Defesa.
“Presidenta, quem sabe se ele pode ou não ser útil sou eu” — teria sido sua resposta.
Não vou discutir a utilidade do Genoíno. Mas, a inutilidade da presença do Jobim no Ministério é gritante.

E A PRÓXIMA MÚSICA VAI PARA…

…NELSON JOBIM, QUE É RUIM DO COMEÇO AO FIM!

“O homem que diz ‘dou’, não dá!
Porque quem dá mesmo, não diz.
O homem que diz ‘vou’, não vai!
Porque quando foi, já não quis.
O homem que diz ‘sou’, não é!
Porque quem é mesmo ‘é’, não sou.
O homem que diz ‘tou, não ‘tá!
Porque ninguém ‘tá quando quer.
Coitado do homem que cai
no canto de Ossanha, traidor!
Coitado do homem que vai
atrás de mandinga de amor…

Vai! Vai! Vai! Vai! Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai! Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai! Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai! Não Vou!”
(Vinicius de Moraes e Baden
Powell, Canto de Ossanha)

Nelson Jobim — dito ministro da Defesa mas, na verdade, um mero porta-recados da caserna nos últimos Ministérios –, desde o ano passado vinha confidenciando aos íntimos que pretendia deixar o cargo em meados de 2011.
Fazia todo sentido, então, ele qualificar os outros ministros de “idiotas” e trombetear, sem motivo aparente, ter votado em José Serra na última eleição. Ou seja, não passariam de provocações, para ser mandado embora e sair posando de vítima.

No Roda Viva desta 2ª feira, entretanto, ou ele desconversou, ou está lelé da cuca. Vejam o que disse:

A presidente é quem decide essas coisas. Se puder continuar, tudo bem. Se não puder, tudo bem.

Sou ministro por prazer. Desejo continuar a fazer o que estou fazendo

A presidente Dilma é extraordinária. Minha relação com ela é ótima. Ela tem uma grande visão de Estado, uma visão de futuro.

Não tenho nenhum problema, nenhuma dificuldade [com Dilma].

Meu conselho à presidente é: manda logo esse baratinado ir cantar seu “Canto de Ossanha” noutra freguesia!

PODVAL DÁ O SERVIÇO E DEIXA TOFFOLI EM TOGA JUSTA

Confirmado o óbvio: o criminalista Roberto Podval admitiu ao repórter Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo, ter sido ele quem bancou a hospedagem do ministro José Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, num nababesco hotel da ilha italiana de Capri.
Cidadãos perspicazes tiveram a certeza disto logo no primeiro momento, quando Toffoli afirmou ter pagado ele próprio as passagens aéreas, calando-se, entretanto, sobre a conta do Capri Palace Hotel (cujas diárias variam de R$ 1.400 a R$ 13,3 mil).
Como Podval, num primeiro momento, também se recusara a tocar no assunto, nada mais fácil do que depreender-se a verdade.
Para o criminalista, “não há impedimento legal” em agraciar velhos amigos e o fato de Toffoli estar relatando casos em que ele atua como advogado é irrelevante:

Quem me conhece sabe que não faço e nem sei fazer lobby. Seria absurdo acreditar que convidei o ministro com interesse em alguma causa.

O representante da caserna no Ministério de Dilma Rousseff, o inacreditável Nelson Jobim, também saiu em defesa de Toffoli, na mesma entrevista em que trombeteou ter sido eleitor de José Serra na última eleição:
É uma decisão pessoal. Conheço muito bem o Toffoli, ele tem absoluta independência.
Parece a ninguém ocorrer que uma atitude destas — cabular um julgamento pelo fútil motivo de assistir a um casório — constitui, nada mais, nada menos, um escárnio aos trabalhadores Ainda mais partindo de um ministro da mais alta corte do País.
Se ela for considerada normal e válida, a Justiça Trabalhista jamais poderá aceitar de novo que faltas injustificadas ao trabalho tenham como consequência a demissão por justa causa. A lei não é igual para todos?
E, dê ou não alguma contrapartida, um magistrado não pode, jamais, aceitar favores e agrados de quem está envolvido nos processos que ele julga. Isto é o óbvio ululante.
Ficando provado que Toffoli não favoreceu, como ministro, os interesses de Podval, ainda assim não poderá deixar de receber a mais severa admoestação, por sua conduta gritantemente antiética.
Se houver prevaricado, tem de não só sofrer processo de impeachment, como ser processado criminalmente pelo Ministério Público Federal.
“Seja, porém, o vosso falar: sim, sim; não, não. Pois todo o mais será sugerido pelo Maligno.” (Mateus, 5:37)

BAÚ DO CELSÃO: DEMOCRACIAS NÃO ACEITAM ULTIMATOS

(artigo de 02/09/2007, avaliando  o 
episódio no qual verdadeiramente se 
decidiu qual a postura que o Estado 
brasileiro adotaria quanto à punição 
dos torturadores da ditadura. Foi 
também a crise a partir da qual Nelson 
Jobim desistiu de ser um ministro da 
Defesa, tornando-se tão somente o
porta-voz da caserna no Ministério)

A nota oficial lançada pelo Alto Comando do Exército na última sexta-feira (31) é inaceitável para qualquer democracia, pois coloca essa Arma acima dos três Poderes da Nação.
Tudo começou com o lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, uma espécie de relatório final dos trabalhos da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, que atuou durante 1995 e 2006, analisando 339 casos de possíveis vítimas da ditadura militar de 1964/85.
Estão no livro os resumos de todos esses processos, tanto os 221 deferidos quanto os 118 negados. Para completar, a Secretaria Especial de Direitos Humanos incluiu também tópicos relativos aos 136 cidadãos que já haviam sido reconhecidos como mortos ou desaparecidos pela lei 9.140 de 1995.
Se tais processos confirmam que as Forças Armadas torturaram, estupraram, assassinaram, esquartejaram, decapitaram e ocultaram cadáveres dos opositores do regime de exceção, então esta já era a posição oficial do estado brasileiro, que reconhecera o fato de que cidadãos foram vítimas desses crimes tanto ao promulgar a Lei 9.140 quanto ao longo dos trabalhos da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (bem como dos da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que está concedendo reparações aos sobreviventes dos massacres).

Devido à tibieza com que as autoridades têm enfocado os crimes cometidos durante a vigência do terrorismo de estado no Brasil, os defensores dos direitos humanos saudaram a edição do livro como a oficialização de algo que todos já sabiam, mas ninguém afirmava com todas as letras.

O ministro da Defesa Nelson Jobim, entretanto, escolheu uma péssima ocasião para afirmar uma autoridade de que, aparentemente, não dispõe. Afirmou esperar que as Forças Armadas recebessem com naturalidade essa iniciativa do governo em prol da reconciliação do País, mas concluiu com uma bravata pueril: “Não haverá indivíduo que possa reagir. E, se reagir, terá resposta”.
Foi o pretexto de que o Alto Comando carecia para manifestar seu inconformismo com a revelação da verdade histórica.
A nota oficial que lançou representa uma quebra de autoridade, já que desautoriza o ministro da Defesa, e coloca em dúvida (“até porque os fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica dos seus protagonistas”) o acerto das iniciativas do estado brasileiro para reparar as atrocidades cometidas durante os  anos de chumbo.
Não, esses fatos históricos têm uma interpretação unânime por parte dos historiadores eminentes e uma interpretação única do estado brasileiro. Ao Exército cabe aceitá-la e não contestá-la, caso contrário estará em dissonância com os “valores da disciplina, da hierarquia e da lealdade” que, na sua nota, afirma cultivar.
Pior ainda é a afirmação de que colocar em questão a Lei da Anistia de 1979 “importa em retrocesso à paz e à harmonia nacionais, já alcançadas”. Significa que, como nos tempos sombrios do AI-5, as Forças Armadas continuam atribuindo ao Executivo, Legislativo e Judiciário o papel de apenas obedecerem às ordens da caserna. Modificar ou não qualquer lei é uma decisão que, numa democracia, cabe aos Poderes da Nação e não precisa ter a anuência do Exército.

Finalmente, é inquietante o trecho que diz: “Não há Exércitos distintos. Ao longo da história, temos sido o mesmo Exército de Caxias”. Implica que, embora o Exército afirme agora estar “voltado para suas missões constitucionais”, não renega o período no qual, submetendo-se à vontade de golpistas que usurparam o poder, ajudou a rasgar a Constituição.

Para que haja uma verdadeira reconciliação nacional, não a imposição da paz dos vencedores sobre os vencidos, é imperativo que as Forças Armadas brasileiras reconheçam que o período 1964/1985 não passou de uma aberração, assim como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália. Suas congêneres desses países renegam o período em que, submetidas ao comando de forças totalitárias, atentaram contra os direitos dos povos e dos cidadãos.
É hora do Exército brasileiro fazer o mesmo, voltando realmente a ser o Exército de Caxias. Até lá, haverá sempre a suspeita de que se trate do Exército de Brilhante Ustra – aquele antigo comandante do DOI-Codi que, na frase imortal do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, “emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar”.
POST SCRIPTUM: É HORA DE REVER A LEI DA ANISTIA

No mesmo dia em que escrevi este artigo, o Governo Federal, Jobim e os militares resolveram dar o episódio por encerrado, não comentando-o mais.
Foi o desfecho ideal para o Alto Comando do Exército, que desacatou o ministro da Defesa e contestou as posições e programas oficiais impunemente.
Já Jobim e o Governo Federal saíram de joelhos, engolindo sapos para uma vida inteira (em seu nome e, infelizmente, no nosso também, já que nos representam ou deveriam nos representar).
Esperamos desde 1985 que a verdade sobre a fase negra do terrorismo de estado seja proclamada em alto e bom som pelos governos que elegemos — e teremos de continuar esperando, já que o atual recua ante o primeiro blefe.

Se o Governo Federal quiser dar a volta por cima, basta abrir a discussão em torno da manutenção ou não da Lei da Anistia.

Usando como moeda de troca os resistentes que estavam presos e os exilados que queriam retornar ao País, os militares impuseram em 1979 o perdão antecipado de suas práticas hediondas.

Foi, como o AI-5, o cerceamento da Justiça, à qual se negou o direito de decidir sobre ocorrências que eram principalmente de sua alçada, já que consistiam em crimes — e dos mais bestiais. Tanto quanto o AI-5, essa lei já deveria ter sido há muito revogada, como parte do entulho autoritário.
Será uma ignomínia se, vergando-se ao ultimato do Alto Comando do Exército, o Governo Lula não tiver vontade política para seguir os passos da Argentina e do Chile.