Bashar al-Assad

FIM DO PODER, FIM DO CAPITALISMO OU FIM DO MUNDO?

O fim do poder, do escritor e analista de assuntos econômicos e políticos Moisés Naím, é um artigo inspirado: aborda tendências que muitos já havíamos percebido, sem relacioná-las umas às outras. Paradoxalmente, às vezes é difícil enxergarmos o óbvio.

Vale a pena reproduzir, na íntegra, o texto do venezuelano Naím, que serve como ponto de partida para depois eu ampliar um pouco o foco:

O que têm em comum o aquecimento global, a crise na zona do euro e os massacres na Síria? O fato de ninguém ter o poder de detê-los. Cada uma dessas situações vem se deteriorando em plena vista do mundo. As três implicam graves perigos e o sofrimento de milhões de pessoas. Há ideias do que fazer em relação às três. Mas não acontece nada.

Há reuniões de ministros, cúpulas de chefes de Estado, exortações de líderes sociais, religiosos e acadêmicos. Nada. Diariamente, somos informados de que cada uma dessas crises segue adiante na corrida desembestada rumo ao despenhadeiro. E…? Nada. Não ocorre nada.

É como assistir a um filme em câmera lenta em que um ônibus cheio de passageiros ruma ao precipício, enquanto o motorista não pisa no freio nem muda de direção. O problema é que todos estamos nesse ônibus. No mundo atual, o que acontece em outro lugar, por distante que pareça ser, acaba nos afetando.

Mas minha metáfora é imperfeita. Supõe que o freio e o volante funcionem e que exista um motorista com o poder de frear ou mudar de rumo. Porém não é o que ocorre.

No caso dessas três crises -e de muitas outras-, não há um motorista único, e sim vários. E cada vez há mais motoristas, ou candidatos a motoristas, que, embora não tenham o poder de decidir a direção e a velocidade do ônibus, têm, sim, o poder de impedir que sejam tomadas decisões das quais discordam.

“É impossível ignorar os efeitos do clima sobre
todos nós e sobre as gerações que vão nos seguir”

 Rússia e China não podem solucionar a crise na Síria. Mas podem vetar as tentativas de outros países de deter as matanças. Os líderes de Itália, Espanha ou Grécia precisam da ajuda de outros países e de entidades como o Banco Central Europeu ou o FMI para enfrentar sua crise. Contudo, embora nem Angela Merkel nem os órgãos internacionais tenham o poder de solucionar a crise, eles podem bloquear o jogo.

Com o aquecimento global é a mesma coisa. As evidências científicas avassaladoras confirmam que a atividade humana está aquecendo o planeta, o que gera variações climáticas traumáticas. Se as emissões de certos gases não diminuírem, as consequências para a humanidade serão desastrosas.

E, se para alguns é fácil ignorar a tragédia síria, por estar muito distante, ou a europeia, por lhes ser alheia, é impossível ignorar os efeitos do clima sobre todos nós e sobre as gerações que vão nos seguir.

Essas três crises são uma manifestação de uma tendência que as ultrapassa e que molda muitas outras esferas: o fim do poder. Isso não significa que o poder vá desaparecer ou que já não haja atores com imensa capacidade de impor sua vontade a outros. Significa que o poder vem ficando cada vez mais difícil de exercer e mais fácil de perder. E que quem tem poder hoje está mais limitado em sua aplicação do que eram seus predecessores.

O presidente dos EUA (ou da China), o papa, o chefe do Pentágono ou os responsáveis por Banco Mundial, Goldman Sachs, ‘The New York Times’ ou qualquer partido político hoje têm menos poder do que aqueles que os precederam.

O fim do poder é uma das principais tendências que vão definir o nosso tempo.

A SOLUÇÃO REAL PARA A CRISE
ECONÔMICA É O FIM DO CAPITALISMO

Apesar de terem como ponto comum a chocante omissão dos que deveriam liderar a humanidade face a elas, tais crises guardam também diferenças significativas entre si.

O colapso da economia capitalista é inevitável e sua agonia já se prolonga muito mais do que deveria. Trata-se de uma óbvia consequência da contradição entre a produção coletiva dos bens e a apropriação individual de parte significativa dos frutos desse trabalho coletivo, gerando permanente  descasamento  entre produção e consumo.

Como uns não recebem um quinhão proporcional ao que produziram e outros não têm nem o que fazer com a imensidão de quinhões alheios que usurparam, geram-se distorções em escala geométrica, desembocando nas crises cíclicas do capitalismo flagradas no tempo de Marx.

O capitalismo conseguiu, principalmente graças aos mecanismos de crédito que vão esticando a corda do elástico, impedir que tais crises ocorram periodicamente (como outrora pipocavam mais ou menos de dez em dez anos).

Mas, a artificialidade do edifício erigido é tal que o acerto de contas –todo mundo, governos, empresas e cidadãos, gasta mais do que possui e vai empurrando com a barriga dividas que não teria como saldar–, adiado indefinidamente, acabou emperrando a economia mundial como um todo.

Não há mais como escapar. Marchamos para uma depressão pior ainda que a da década de 1930; e, se tivermos sorte, para uma revolução que conduza a humanidade para um estágio superior de civilização. Se tivermos azar, para o caos e a barbárie.

Engels alertou que é esta a consequência de se represar as revoluções necessárias e prementes; segundo ele, ao impedir que o levante dos gladiadores de Spartacus desse fim à escravidão, liberando as forças produtivas do Império Romano, este se condenou ao desaparecimento, ensejando um retrocesso tão acentuado que a civilização levou um milênio para alcançar de novo o estágio de desenvolvimento já atingido por Roma.

JÁ PASSOU DA HORA DE DETERMOS
A HECATOMBE HUMANITÁRIA NA SÍRIA

Diferentemente, a crise síria poderia ser resolvida. Ocorre que os desatinos da intervenção da Otan na Líbia estão sendo, até agora, obstáculo a uma solução civilizada.

Ditadores são difíceis de remover, pois usam parte do que saquearam dos seus povos para armarem-se até os dentes e não hesitam em recorrer às mais bestiais torturas e as matanças mais indicriminadas para perpetuarem-se no poder.

Quando, finalmente, os cidadãos pegam em armas contra as tiranias, há, sim, motivo para (e necessidade de) a comunidade internacional intervir, para evitar que sejam massacrados. Até aí a ONU estava certa no caso da Líbia –por mais que uma esquerda que ainda não saiu das trevas do stalinismo berre e esperneie, continuarei defendendo esta postura civilizada.

Mas, num ponto qualquer do caminho, a Otan extrapolou a missão que a ONU lhe conferiu. Ao invés de apenas defender a população civil e evitar massacres, passou a conduzir ela própria as operações militares para a derrubada de Gaddafi. Cabia aos líbios livrarem-se por si sós do odioso tirano, não à Otan fazer o serviço no lugar deles.

Tal erro acabou tendo trágicas consequências, não só na Líbia, como as que se verificam hoje na Síria, onde há muito tempo deveria ter havido uma intervenção da ONU, nos mesmíssimos moldes daquela que ela autorizou contra Gaddafi, apenas zelando para que desta vez fosse mantida sob estrito controle.

O preço da omissão é a destruição do país e os sofrimentos terríveis que estão sendo impostos a centenas de milhares de sírios. Nenhuma racionália geopolítica justifica tal hecatombe humanitária. Quem compactua com tais horrores é tudo, menos um seguidor de Marx ou Proudhon. Está mais para herdeiro de Pol Pot e Vlad Dracul.

A CONTAGEM REGRESSIVA PARA O
FIM DA HUMANIDADE ESTÁ EM CURSO

Finalmente, a destruição das próprias bases da sobrevivência da espécie humana por parte do capitalismo –e aqui nos referimos não só ao aquecimento global, mas também ao malbaratamento de recursos finitos que nos são essenciais, como a água– não cessará enquanto a organização social e econômica priorizar interesses particulares e não a promoção do bem comum.

Ninguém precisa ser cientista para perceber que o quadro se agrava insensivelmente, que as alterações climáticas causam cada vez mais estragos e (vide Fukushima) que corremos enorme risco de as inundações e terremotos servirem como estopins de acidentes nucleares.

Mas, há cientistas pagos pelos  agentes do juízo final  para proclamarem exatamente o contrário, minimizando o perigo. Há nações que proclamam a prevalência do seu direito ao crescimento econômico sobre os interesses maiores da humanidade, inclusive a salvação da espécie humana.

Então, repetindo a conclusão sobre a agonia da economia capitalista:

  • se tivermos sorte, quando a escalada de catástrofes intensificar-se a ponto de não restarem mais dúvidas de que marchamos para o fim, os homens se unirão numa luta coletiva pela sobrevivência e depois cuidarão de reconstruir a sociedade em bases solidárias, pois vão saber muito bem aonde o  cada um por si  desemboca;
  • se tivermos azar, ou a espécie humana será extinta, ou o retrocesso vai ser maior ainda que o ocorrido após a queda do Império Romano.

É simples assim. É terrível assim.

OMISSÃO, CEGUEIRA IDEOLÓGICA E DESUMANIDADE DESTROEM A SÍRIA

Na mesma linha do meu artigo O açougueiro de Damasco tem os dias contados (ver aqui), o comentarista internacional Clóvis Rossi fulminou as potências insensatas que impediram uma solução menos sanguinária da crise síria, ao vetarem sistematicamente a aplicação de sanções rigorosas contra o  açougueiro de Damasco.

A percepção do veterano colega é idêntica à minha: a omissão dos (que deveriam agir como) civilizados não alterará em nada o desfecho inevitável, a derrubada de Bashar al-Assad, que agora é mera questão de tempo. Apenas maximizou o prejuízo, com a desintegração do país e uma verdadeira tragédia humanitária.

Desde o início tenho alertado que a velha racionália geopolítica dos tempos da guerra fria estava sendo exumada pelos Pepes Escobares da vida para justificar o injustificável: terríveis massacres perpetrados pelo terrível herdeiro de uma terrível tirania familiar. A qual, ademais, tem utilizado o terrorismo de estado para tentar perpetuar a dominação da maioria (sunita) por uma minoria (alauíta).

Trata-se apenas de outro dos recorrentes conflitos religiosos e tribais do Oriente Médio, com os abutres capitalistas (qualificação que hoje se aplica também à Rússia e a China) jogando dos dois lados, como sempre fazem.

A avaliação do Clóvis Rossi coincide, ainda, com a minha num ponto que sustento desde sempre: mais do que com os movimentos no tabuleiro político e econômico mundial, deveríamos nos preocupar é com as vidas dizimadas ou arruinadas ao longo desses conflitos. 

Se já me deixa perplexo que tal obviedade esteja ausente de muitas análises ditas de esquerda, pior ainda é quando tal insensibilidade desumana se aplica a uma crise como a síria, na qual nenhuma das forças envolvidas tem absolutamente nada de revolucionária. Estão em jogo apenas interesses e credos; é tão somente por causa da ganância e do fanatismo religioso que os civis sírios amargam horrores infernais.

Quem acredita ser de esquerda havendo feito apenas uma opção intelectual, mas sem ter nenhum sentimento real de solidariedade para com os indefesos e compaixão pelo sofrimento humano, verdadeiramente não é de esquerda –pelo menos daquela que remonta a Marx e a Proudhon. Quanto muito, são os herdeiros de Stálin.
Segue-se o exemplar texto de Clóvis Rossi, A Síria e o fracasso do mundo, que reproduzo na íntegra e recomendo sem restrições.

A destruição da Síria é um caso emblemático de fracasso do mundo ou, ao menos, da governança global.

O Conselho de Segurança, coração do sistema ONU, ficou paralisado por uma disputa entre potências, com interesses que pouco ou nada têm a ver com o interesse primordial dos sírios, que era e continua sendo sobreviver.
Não sobreviveram 19.687 pessoas, das quais 1.522 crianças, entre o início da revolta contra a ditadura Bashar Assad, em março de 2011, e o último dia 15. Há entre 112 mil e 250 mil refugiados nos países vizinhos, quantidade que aumenta exponencialmente a cada dia.
Há 200 mil pessoas, pelo menos, deslocadas de suas casas. Há 3 milhões de sírios que precisam de ajuda humanitária para sobreviver. Tudo isso em um país de apenas 21 milhões de habitantes.
Pior: não há o mais leve indício de que se esteja perto de algum alívio para a tragédia, até porque “os acontecimentos em Damasco e Nova York tornam claro que o desenlace da guerra civil síria será decidido no campo de batalha, em vez de no Conselho de Segurança”, como escreve Richard Gowan, diretor-associado do Centro para a Cooperação Internacional da Universidade de Nova York.
O veto permanente da Rússia às propostas ocidentais de apertar mais ainda as sanções contra a ditadura Assad tiraram do Conselho de Segurança qualquer chance de influenciar na crise.

Está falido o modelo que dá direito de veto aos cinco países vencedores de uma guerra que terminou já faz quase 70 anos.

Aliás, chega a ser irônico que o suporte inoxidável da Rússia ao ditador acabe sendo inútil, como afirma Gowan: “A Rússia pode continuar a vetar as resoluções do Conselho de Segurança pelo tempo que quiser, mas, enquanto consegue levar ao impasse a batalha diplomática em Nova York, ela está perdendo a verdadeira guerra, na Síria”.
Quem está ganhando, com a ascensão dos rebeldes, são Arábia Saudita e Qatar, que armam o chamado Exército Sírio Livre, e a Turquia, que lhes oferece um santuário. A Arábia Saudita é uma ditadura não muito diferente da que está ajudando a depor na Síria, embora de signo religioso diferente.
Ante a impotência da comunidade internacional, a única que seria capaz de exercer um poder moderador, o pós-Assad será tremendamente complexo, mais complexo quanto mais demorar.
Complexidade assim resumida pela revista “The Economist”: “A Síria após Assad será um perigo para seu próprio povo e seus vizinhos. Um banho de sangue sectário é um risco, armas químicas sem controle são outro, ondas de refugiados um terceiro. A Síria poderia se tornar o foco de rivalidade entre Irã, Turquia e o mundo árabe. A violência poderia sugar Israel ou espalhar-se pelo Líbano”.
Enfim, há uma boa possibilidade de que ocorra tudo ou quase tudo que os opositores a uma intervenção externa na Síria esgrimiam como argumento para descartá-la.
O impasse entre as potências e a omissão de muitos (Brasil inclusive) acabaram produzindo um cenário assustador e não evitaram mais uma catástrofe humanitária.

O AÇOUGUEIRO DE DAMASCO TEM OS DIAS CONTADOS

Quando eu comecei a cursar a Escola de Comunicações e Artes da USP, em 1972, fiquei pasmo com o estilo de atuação dos dirigentes do centro acadêmico: propunham lutas pouco viáveis, abandonavam-nas no meio do caminho e iniciavam outras, que também não levariam até o fim. Pareciam acreditar que as derrotas ajudassem a conscientizar os derrotados…

Saído há poucos meses da prisão e alvo de óbvia vigilância dos infiltrados da ditadura, fiquei na minha. Mas, nem sempre eu conseguia manter-me impassível.  Havia muita raiva fervendo dentro de mim, pronta para eclodir.

Como quando fiquei furibundo com a passividade dos colegas: eles permitiram que uma professora autoritária trancasse a porta para não permitir o ingresso dos alunos que chegavam atrasados para a primeira aula do dia (a USP ficava um bocado distante para quem, como eu, vinha de ônibus, sempre sujeito a engarrafamentos e imprevistos). Nunca professor nenhum ousara agir assim na ECA.

A fulana ainda estava saindo e olhou espantada quando, porta finalmente aberta, eu entrei e gritei apenas uma frase para os colegas: “Se vocês deixam qualquer uma vir aqui e trancar a porta, estão todos mortos!”.

Mexi com os brios da classe. Seguiu-se uma discussão sobre providências a tomar e, quando optaram por um abaixo-assinado exigindo o afastamento da rabugenta, fui logo indicado para o redigir. Noblesse oblige, aceitei a responsabilidade e o risco.

O presidente do centro acadêmico –ninguém menos do que o hoje reaça Augusto Nunes, da Veja (as voltas que o mundo dá!)– prometeu entregar ao diretor e distribuir na escola inteira.

Mas, preferiu esperar a resposta superior. Que foi a pior possível:

  • o abaixo-assinado seria encaminhado ao Depto. de Arte, interinamente chefiado… pela própria professora da qual nos queríamos livrar;
  • o diretor ameaçou, caso espalhássemos o abaixo-assinado pela ECA, aplicar o decreto 477, mostrengo ditatorial que permitia a expulsão sumária dos estudantes.
O Augusto Nunes, hipocritamente, submeteu a questão à classe: “Se vocês ainda quiserem que eu mimeografe e mande distribuir o abaixo-assinado, contem comigo…”

Que calouro se arriscaria a ser expulso, depois de todo trabalho para chegar à melhor escola de jornalismo de SP? Nenhum, claro. Enojado, virei as costas e saí batendo a porta.

A partir daí, todas as vezes em que ele vinha levantar novas bandeiras que certamente não honraria, eu abandonava a classe.

Ou seja, desde aquele tempo eu detestava derrotas. Nunca as considerei educativas. Só servem para abater a moral e desestimular os novos recrutas.

Hoje, quatro décadas depois, continuo perplexo ao ver a opção pela derrota que certos companheiros fazem. Marcham de fracasso anunciado em fracasso anunciado.

O apoio irracional aos  ditadores das Arábias  é um exemplo. 

Utilizaram uma paupérrima racionália geopolítica para tentarem apresentar um aliado do Silvio Berlusconi como líder popular e seus inimigos como agentes do colonialismo, quando saltava aos olhos que os imperialistas jogavam dos dois lados. Com crassa miopia política, associaram-se à derrota de um ditador sanguinário que encabeçava uma mera tirania familiar, saqueando o país em benefício próprio.
E, se o dito cujo começou a carreira como um simulacro de Nasser, utilizando o nacionalismo dos seus colegas de farda como trampolim para o poder, pior ainda é Bashar al-Assad, o açougueiro de Damasco. Este jamais foi nada além do herdeiro de um despotismo transmitido de pai para filho.

Bem vistas as coisas, nunca houve motivo real nenhum para qualquer homem de esquerda tomar o partido da Rússia e da China (que hoje nada têm de revolucionárias) nessa disputa de interesses capitalistas.

Ao passo que defender um assassino serial como al-Assad mancha qualquer reputação. O único lugar para gente assim é o banco dos réus num novo tribunal como o de Nuremberg.

E, como ele empregava o terrorismo de estado mais bestial para perpetuar o domínio de 12% dos sírios (os alauítas) sobre o restante da nação, era favas contadas que acabaria dando com os burros n’água. Mera questão aritmética.

Este desfecho se evidencia cada vez mais como inevitável. Só que não à maneira da Líbia; o mais provável é que os sunitas assumam o poder e os alauítas mantenham um território próprio, um enclave. Os dois contingentes, aliás, já começam a separar-se, percebendo para onde os ventos sopram.

Embora hajam despertado muito ódio com seus massacres hediondos, não deverá haver nenhuma  solução final  para os alauítas. Em último caso, ocorrerá uma intervenção internacional para separar os litigantes, evitando que eles sejam exterminados pelos sunitas. Podem anotar e me cobrarem depois.
Muitas vidas de inocentes teriam sido salvas se esta intervenção ocorresse antes. E o resultado do jogo político seria exatamente o mesmo, pois nunca haveria paz na Síria enquanto uma minoria estivesse oprimindo a maioria.

Há derrotas que nos enobrecem. Mas, quando se é derrotado na contramão dos próprios valores (desde quando é papel da esquerda preservar tiranos?!), trata-se de perda total.  Ou seja, o resultado que os semeadores de derrotas quase sempre acabam colhendo.

ALVÍSSARAS!!!

Hosni Mubarak, que governou o Egito durante quase 30 anos e tentou conservar o poder à custa de matanças, foi merecidamente condenado à prisão perpétua. Alvíssaras!

Que o exemplo se propague.

Que os poderosos também paguem.

E que o  açougueiro de Damasco  seja o próximo da lista.

Até porque ele é bem pior do que Mubarak. Tem muito mais sangue nas mãos.

Pode-se discutir como e por quem tais abominações devem ser removidas, quem as sucederá, etc.

Mas nunca, jamais, se devem ou não ser derrubadas.

Muito menos por parte dos herdeiros de Marx e de Proudhon.

Os verdadeiros revolucionários não defendem tiranos sanguinários em nenhuma circunstância. Ponto final.

DE HORA EM HORA O AÇOUGUEIRO DE DAMASCO PIORA

Era o que dizíamos de José Sarney na Presidência da República. Piorou tanto que, no seu último ano de desgoverno, estabeleceu o recorde brasileiro de inflação em todos os tempos, praticamente impossível de ser quebrado: 2.751%.

Bashar al-Assad, o  açougueiro de Damasco, não inflaciona os preços, multiplica as atrocidades. Numa escalada impressionante de execuções e práticas hediondas, agora se volta contra as crianças, conforme relatado pela BBC (vide íntegra aqui).
Quem fecha os olhos a estes horrores em nome de racionálias geopolíticas é, simplesmente, monstruoso. Geopolítica é a praia dos Golberys da vida, não a nossa.
Para os verdadeiramente humanos, a vida e a integridade física dos humanos vem em primeiro lugar, não as correlações de força do Poder e a disputa da riqueza das nações. 
O açougueiro de Damasco tem de ser detido!!!
Eis os trechos principais da notícia da BBC:

As forças sírias estão deliberadamente e sistematicamente alvejando crianças, declarou a alta comissária da ONU de direitos humanos, Navi Pillay.

‘Esse é um dos desdobramentos mais chocantes da reação do governo sírio aos protestos (antigoverno)’, disse Pillay. ‘Eles (forças de segurança) estão indo atrás das crianças. Temos provas, obtidas pela comissão de investigação, após falar com pais e vítimas, de que crianças levaram tiros no joelho, foram presas em condições desumanas, sem acesso a medicamentos, sendo alvo de brutalidade. É horrível.’

Ela disse que a ONU não está tendo acesso a muitas dessas crianças.
Pillay também disse que a alegação síria, de que há ‘terroristas’ entre os opositores do governo, ‘não é uma desculpa para atacar áreas civis densamente povoadas. Isso é crime sob a lei internacional’.
A estimativa da ONU é de que cerca de 9 mil pessoas tenham morrido na Síria em decorrência da repressão aos protestos antigoverno, em curso há um ano.

GRAVE ALERTA: CONFLITO SÍRIO PODE CONFLAGRAR TODO O ORIENTE MÉDIO

Uma rara análise desapaixonada do impasse sírio é dada por Marco Vicenzino, analista formado por Oxford que dirige uma consultoria de risco político global nos EUA. A ótica dele, no artigo Risco de guerra regional: a Síria não é a Líbia (veja aqui) é, exclusivamente, tornar compreensível, para investidores e atores políticos, o cenário atual e desdobramentos possíveis.

Seu alerta: “um impasse sangrento e prolongado na Síria pode se arrastar por tempo indeterminado” e o país tende a “se converter no campo de batalha central de uma mais ampla guerra regional por procuração, entre os Estados de maioria sunita e uma coalizão de forças xiitas lideradas pelo Irã”.
Trata-se do aspecto mais negligenciado por uma esquerda simplista que reduz todas as crises a uma disputa entre o Mal (o imperialismo das grandes nações ocidentais) e o Bem (quem quer que com ele, circunstancialmente, tenha choques de interesses, pouco importando se se trata de um estado teocrático que horrorizaria Marx ou da mais bestial tirania familiar).
Erram rotundamente os que só enxergam a mão sinistra dos imperialistas desestabilizando a Síria, sem perceberem que as disputas regionais e religiosas têm relevância imensamente maior neste episódio.
A análise equivocada leva a uma opção desastrosa, a de implicitamente respaldarem o açougueiro Bashar al-Assad, de quem só se pode esperar mais do mesmo: tentativas de estancar a revolta com banhos de sangue.
O que resultará?
Um episódio menor foi estopim
de uma guerra terrível em 1914
A insurgência crescente vai continuar a atrair desertores do exército e cidadãos comuns, com violência também crescente.

Voluntários e simpatizantes experientes e endurecidos na batalha, vindos de toda a região e de fora dela, vão, cada vez mais, unir-se às fileiras da oposição para proteger os seus irmãos étnicos ou religiosos. Assim como o Iraque atraiu combatentes estrangeiros, a Síria também o fará -mas em escala muito maior e mais violenta.

“A Síria corre o risco de converter-se em uma colcha de retalhos de encraves sectários.
E, claro, muitas outras nações também sofrerão as consequências –seja envolvendo-se no conflito por determinação própria, seja por serem a ele arrastadas, seja por terem de lidar com levas de refugiados–, afora os previsíveis impactos sobre o comércio e a economia.
A região já é um barril de pólvora, por conta da situação insustentável nos territórios que Israel tomou pela força e pela força mantém, das pressões contra o programa nuclear iraniano, de rivalidades e intolerâncias milenares.
A guerra civil na Síria poderá vir a ser o estopim que conflagrará todo o Oriente Médio –algo como o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em 1914.
Então, são de uma insensibilidade monstruosa os que vituperam os esforços da ONU e da Liga Árabe para, correndo contra o tempo, ainda evitarem o pior.
Salta aos olhos que a já diminuta chance de se deter a marcha para o pesadelo passa por um cessar-fogo sob supervisão internacional e pelo afastamento de al-Assad.
Os aloprados da geopolítica preferem brincar com fogo, alheios ao perigo de que o incêndio venha a ser global, como tudo tende a ser global nos dias de hoje.

MASSACRES, VIOLÊNCIA SEXUAL, CRIMES CONTRA A HUMANIDADE: É A SÍRIA

Navi Pillay, alta comissária de direitos humanos das Nações Unidas, é quem fala neste momento em nome dos seres humanos dignos deste nome, ao posicionar-se vigorosamente contra a bestial carnificina deflagrada pelo açougueiro Bashar al-Assad na Síria.

Diz-se “particularmente chocada com a violência em Homs”, principal reduto da oposição ao tirano. O veto imoral da Rússia e China à adoção de sanções por parte da ONU teria encorajado al-Assad a usar uma “força esmagadora” (palavras dela) contra a cidade de Homs.
Acrescenta que o número de vítimas da repressão aumentou tanto nos dois últimos meses que o simples registro dos óbitos se tornou tarefa “quase impossível”. Mas, garante que “o número de mortos e feridos continua a crescer a cada dia”.
Fala-se em 400 pessoas assassinadas em Homs só em fevereiro. E, desde março, no país inteiro, o total ultrapassaria 7 mil, dentre as quais 400 menores.
O regime sírio utiliza inclusive violência sexual para humilhar os rebeldes, informa Pillay:
Relatos extensos sobre violência sexual, em particular estupro em locais de detenção, principalmente contra homens e meninos, são especialmente perturbadores. Crianças não foram poupadas.

Em balanço por ela encaminhado à Assembleia Geral da ONU, a comissária avaliou que “a escala dos abusos cometidos pelas forças sírias” já configura crimes contra a humanidade.

Minhas conclusões:
  • está certíssima a Liga Árabe ao pleitear da ONU o envio urgente de uma força de paz conjunta à Síria;
  • quem se mancomuna com tal escalada de matanças e atrocidades, perpetradas por um tirano que jamais teve qualquer identificação com a causa dos explorados, é tudo menos um seguidor de Marx ou Proudhon.
Tais herdeiros de Pol Pot afastam de nossas fileiras os cidadãos idealistas e equilibrados de cuja adesão desesperadamente carecemos para recolocarmos a revolução na ordem do dia. Ninguém, exceto fanáticos sanguinários, moverá uma palha para ajudar a instalar em seu país uma ditadura como a de al-Assad.
Enquanto priorizarmos a justiça social em detrimento de nossa outra grande bandeira histórica –a liberdade–, continuaremos desempenhando papel político secundário e quase irrelevante no Brasil.

O AÇOUGUEIRO DE DAMASCO ESTÁ NA MARCA DO PÊNALTI

Despachos das agências internacionais dão conta de que os chanceleres da Liga Árabe exigiram neste domingo (22) a renúncia do sanguinário ditador da Síria, Bashar al-Assad: no prazo de duas semanas, ele deverá transferir seus poderes ao vice-presidente do país, Farouk al Charaa, para viabilizar a formação de um governo de união nacional e a realização de eleição presidencial em março ou abril.
É a alternativa civilizada para dar-se um fim à matança sem intervenção das potências ocidentais.
Para imensa vergonha dos  esquerdistas de neandertal  brasileiros, eles jamais manifestaram a mais remota preocupação  com a cessação do genocídio, limitando-se a apoiar incondicionalmente o tirano bestial.
Como se vê agora, expelir um déspota não implica necessariamente a repetição dos excessos cometidos pela Otan na Líbia. Nem aqueles excessos justificam que doravante compactuemos com todos os carniceiros que massacrarem seus povos.

O AÇOUGUEIRO DE DAMASCO: PIOR, IMPOSSÍVEL

O ditador sírio Bashar al-Assad acaba de promulgar lei que institui a pena de morte para quem armar os cidadãos que resistem à sua bestial tirania.

Para os que apenas trouxerem as armas para o país, deixando a entrega por conta de outros, a pena será de prisão perpétua com trabalhos forçados.
Deve ter-se inspirado na ditadura militar brasileira, que em setembro de 1969 decretou a Lei de Segurança Nacional, facultando a condenação ao exílio e à pena de morte em casos de “guerra psicológica adversa, ou revolucionária, ou subversiva”.

E, mesmo assim, não ousou colocá-la em prática: após sentenciar Teodomiro Romeiro dos Santos à pena capital –por, mesmo algemado, balear mortalmente um sargento da Aeronáutica ao tentar a fuga quando era levado preso–, acabou recuando e convertendo a sentença em prisão perpétua.

Duvido que o  açougueiro de Damasco  refugue –até porque não parece incomodar-se com a péssima repercussão externa de seus atos bárbaros. Os militares brasileiros, fiéis a seus amos, cuidavam de não atrapalhar a continuidade dos investimentos estrangeiros no Brasil.
Num ponto, entretanto, os dois regimes são idênticos: nas chacinas perpetradas à margem de qualquer lei.
Ao executar os manifestantes de hoje, a repressão síria exibe a mesmíssima sanha com que a repressão brasileira dizimava resistentes nos estertores da luta armada. A História, desta vez, se repete como farsa macabra.
Há pessoas de esquerda capazes de encarar tal abominação como  mal menor.
Esquecem que nosso papel é o de promover o bem maior  da humanidade, não prover racionália tortuosa em benefício de carrascos dos seus próprios povos.

O SAGRADO DIREITO AO CANIBALISMO

Aqui atrasamos em uma hora os relógios nos meses de verão.

Na Arábia Saudita os relógios estão permanentemente atrasados em… um milênio!
Este bizarro despacho é da Agência France Presse:

Uma mulher, condenada à morte por bruxaria, foi decapitada nesta segunda-feira, anunciou o ministério saudita do Interior…

Amina bent Abdelhalim Nassar foi executada na província de Jawf (norte).

A prática de bruxaria é estritamente proibida pelo Islã.

Esta decapitação eleva a 73 o número de execuções na Arábia Saudita desde o mês de janeiro.

O estupro, o homicídio, a apostasia, o roubo a mão armada e o tráfico de drogas são passíveis de pena capital na Arábia Saudita, que aplica estritamente a sharia (lei islâmica).

Ou seja, ao lado dos piores crimes, os obscurantistas das Arábias colocam a apostasia (renúncia de uma religião ou crença, abandono da fé, renegação).
Se um saudita praguejar à maneira dos espanhóis anticlericais –os quais, usando linguagem mais crua, diziam (dizem?) defecar no Todo Poderoso–, isto lhe custará a vida.
A existência desses bolsões intocados pelo iluminismo, onde até hoje perduram as trevas medievais, colocam um dilema para as nações e povos que seguiram galgando os degraus da civilização –da qual o respeito aos direitos individuais (liberdade religiosa inclusa) é um dos principais pilares, uma condição  sine qua non.
Há os que pregam a conivência com a barbárie para que seja preservada a  integridade sócio-cultural  dos povos primitivos –o que, em última análise, implicaria permitir-se aos indigenas continuarem praticando o canibalismo e a algum Vlad Dracul redivivo, empalar à vontade os inimigos derrotados (o cambojano Pol Pot chegou perto…).
E há os que, pelo contrário, consideram ser um dever dos civilizados lutarem contra a barbárie.
Que, portanto, devem ser multiplicadas as pressões para forçar os bárbaros a abandonarem as práticas intolerantes e desumanas.
E que não deve haver omissão quando governos impopulares exterminam seus cidadãos para perpetuarem-se no poder por meio da intimidação e do terror, como faz Bashar al-Assad, o  açougueiro de Damasco.

Infelizmente, as nações que deveriam defender a civilização têm-se apresentado divididas por seus interesses mesquinhos em tais ocasiões.
Algumas se omitem, o que impede o problema de ser resolvido por  simples isolamento diplomático e embargo econômico –os quais, se fossem cumpridos à risca (governos pestilentos devem ser submetidos à mais rigorosa quarentena…), certamente teriam prostrado a Líbia e, agora, a Síria, sem necessidade do recurso às armas.
Algumas querem ir além da mera defesa de cidadãos massacrados, incorrendo em excessos como os cometidos na campanha contra Muammar Gaddafi.
O mandato conferido pela ONU às tropas da Otan era apenas para impedirem um genocídio em Benghazi, a cidade rebelde.

Quando extrapolaram sua missão, tornando-se as principais responsáveis pela reviravolta militar e consequente derrubada do tirano, deram péssima imagem às chamadas  forças de paz, reforçando a posição dos que defendem o  sagrado direito ao canibalismo.

Ruim de um jeito, ruim do outro. A racionalidade parece banida do planeta, tornando atual a soturna frase com que Edgar Allan Pöe iniciou seu conto “Metzengerstein”:

O horror e a fatalidade têm tido livre curso em todos os tempos. Por que então datar esta história que vou contar?