Getúlio Vargas

A veja TUMULTUA A ELEIÇÃO COM O FANTASMA DO IMPEACHMENT DE DILMA

O risco contra o qual venho há tempos alertando acaba de se materializar: a veja antecipou em um dia a distribuição da edição 2.397, de forma a colocar a eleição presidencial sob a lâmina de uma guilhotina: a do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. 
É manipulação às escâncaras, um óbvio crime eleitoral. 
A revista normalmente entra em bancas no sábado e tem sua capa e resumo das principais matérias divulgada na noite de 6ª feira. Todo o cronograma foi adiantado em 24 horas, só cabendo uma explicação: o objetivo foi permitir que Aécio Neves aproveitasse a munição nova no debate final da Globo, além de aumentar estrategicamente o prazo para a bomba repercutir, produzindo consequências nas urnas. 
E qual é esta bomba, afinal? Trata-se da atribuição, ao delator premiado Alberto Youssef, da seguinte afirmação, ao ser interrogado por um delegado da Polícia Federal:

— O Planalto sabia de tudo!

O delegado teria perguntado a quem no [Palácio do] Planalto o doleiro aludia, recebendo como resposta: “Lula e Dilma”.

Reinaldo Azevedo, o blogueiro mais reacionário da revista mais reaça do Brasil, duas semanas atrás já antecipara que a direita poderia partir para o impeachment, neste parágrafo de sua coluna semanal na Folha de S. Paulo:

Reinaldo Azevedo é o principal arauto do impeachment

Prestem atenção! Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef mal começaram a falar. A depender do rumo que as coisas tomem e do resultado das urnas, o país voltará a flertar, no próximo quadriênio, com o impeachment, somando, então, a crise política a uma economia combalida.

Só perfeitos ingênuos acreditarão que ele já não soubesse qual seria a derradeira cartada da veja
Agora, ao trombetear a nova denúncia no seu blogue, ele é mais explícito ainda:

Se as acusações de Youssef se confirmarem, é claro que Dilma Rousseff tem de ser impedida de governar caso venha a ser reeleita, mas em razão de um processo de impeachment, regulado pela Lei 1.079…

E, para martelar bem a ideia, ele a repetiu no final do seu post, grifando a ameaça para torná-la ainda mais ribombante:

Se Dilma for reeleita e se for verdade o que diz o doleiro, DEVEMOS RECORRER ÀS LEIS DA DEMOCRACIA — não a revoluções e a golpes — para impedir que governe.

Evidentemente, os grãos petistas falarão em terrorismo eleitoral, minimizando a possibilidade de os acontecimentos se encaminharem em tal direção.

Mas, se precedentes valem alguma coisa, a permanência de Getúlio Vargas no poder foi duas vezes interrompida por manobras semelhantes:

  • em 1945, os Estados Unidos jogaram todo seu peso de bastidores para forçá-lo (da mesma forma que o argentino Juan Domingo Perón) a deixar o poder; 
  • e, como o ciclo varguista persistiu, com a eleição do poste que ele apadrinhou (Eurico Gaspar Dutra) seguida por sua volta ao Palácio do Catete em 1951, a direita militar exigiu que renunciasse para não ser deposto, tendo ele preferido uma outra opção, o suicídio.

Outro precedente agourento é o de 1964: o PCB subestimou o risco de golpe de estado, não montando nenhum dispositivo militar próprio para defender o mandato legítimo de João Goulart, daí os golpistas terem derrubado o governo com a facilidade de quem tira doce da boca de uma criança.

Se as agora coisas chegarem a tal extremo, a História certamente se repetirá, pois inexiste dispositivo militar autônomo ou contingentes populares preparados para reagirem à altura. O PT não fez a lição de casa.

DESCONSTRUÇÃO DE MARINA OU DESCONSTRUÇÃO DA ESPERANÇA NA POLÍTICA?

Afinal, a Dilma se referiu a este Collor…
É simplesmente deplorável que os petistas, começando por Dilma Rousseff, estejam desqualificando Marina Silva como o “Collor de saias”. Nem mesmo a iminência da derrota justifica esta tentativa desesperada de enfiarem uma falácia, a marteladas, na cabeça dos cidadãos comuns.
Para começo de conversa, qual Collor? O que era o inimigo nº 1 do PT em 1989 ou aquele que é o aliado nº 1 do PT em 2014? O que trombeteou o adultério e filha ilegítima do Lula, ou o que o Lula depois perdoou em nome da politicalha? O que antigamente era de direita e incomodava o PT, ou o que hoje é de direita e o PT não dá a mínima para isto?
Depois, no que, afinal, Marina se assemelha ao Collor (e também ao Jânio Quadros)? Apenas em não dispor hoje de uma razoável bancada de sustentação para o seu provável governo. Mas ela se diferencia, entre outros pontos, por ter sempre pertencido ao campo da esquerda e defendido um projeto coletivo, enquanto os outros dois só podem ser considerados aventureiros de direita com projetos meramente pessoais.
Se fôssemos levar em conta uma única semelhança, poderíamos também dizer que Dilma é a nova Eurico Gaspar Dutra ou Celso Pitta, dois postes que não seriam sequer eleitos síndicos de seus prédios, mas chegaram a presidente e a prefeito tão somente porque Getúlio Vargas e Paulo Maluf assim decidiram. Ou compará-la a Fernando Haddad, o outro sapo que o beijo do Lula transformou em príncipe.
…ou a este aqui?
Mas, é extremamente nefasto reduzirmos a campanha sucessória a uma batalha de tortas de lama ou a um torneio de chutes na virilha. Pois, para os militantes de esquerda, o que importa não é a vitória eleitoral a qualquer preço, mas sim o engajamento das massas no processo de transformação da sociedade.
Tal regressão aos métodos nazistas e stalinistas de difamação grosseira dos adversários produz um estrago muito maior do que o ganho objetivado pelos aprendizes de feiticeiro: faz os trabalhadores descrerem da política, passando a encará-la, cada vez mais, como um ninho de ratos ou uma pocilga fedorenta. Existimos para despertar neles a consciência do que são e do que poderiam ser, não para embotá-la ao sabor de conveniências eleitoreiras.
Para a direita, ótimo! Ela quer mesmo é que os trabalhadores continuem céticos e desorganizados –incapazes, portanto, de assumirem seu papel de sujeitos da História (segundo Marx).
Para nós, péssimo! Se os explorados perderem a fé na possibilidade de uma reviravolta, continuaremos conquistando governos e fingindo governar, mas jamais obteremos o poder que verdadeiramente almejamos, qual seja o de transformarmos radicalmente a sociedade, livrando-a da ganância capitalista. Para isto precisamos de seguidores mobilizados e dispostos à luta, não de eleitores que pressionam teclas a cada dois anos.

MUITO OBA-OBA PARA O PRESIDENTE VARGAS. E O DITADOR, COMO É QUE FICA?

O baixinho Vargas  (no centro) e outros golpistas de 1930
Neste domingo (24) se completaram 60 anos do suicídio de Getúlio Vargas, ditador do Brasil de 1930 a 1945 e presidente da República de 1951 a 1954.

Na primeira condição, foi o responsável último por assassinatos e torturas terríveis, um legítimo precursor do Médici. Simpatizava com Hitler e Mussolini (até copiou a legislação trabalhista do último!) e apoiou-se nos integralistas de Plínio Salgado para implantar o Estado Novo (golpe dentro do golpe que radicalizou a ditadura, a exemplo do que seria depois o AI-5). 

O pretexto para o fechamento foi a ‘descoberta’ um plano de comunização do Brasil que, na verdade, fora inventado de cabo a rabo pelo integralista Olímpio Mourão Filho, falsário em 1937 e derrubador de presidente legítimo em 1964.

Com o final da 2ª Guerra Mundial, os EUA usaram sua enorme influência de bastidores para fazer com que fossem apeados do poder os dois ditadores sul-americanos aparentados ideologicamente com o nazi-fascismo: Vargas e Perón. 

O primeiro permaneceu, ademais, em ostracismo durante todo o mandato de Eurico Gaspar Dutra (eleito com seu apoio). 

Quando voltou à política, conquistando a Presidência nas urnas, tinha se tornado anti-imperialista desde criancinha. E o PCB, grotescamente, se tornou um sustentáculo do carrasco de vários de seus quadros; Prestes subiu no palanque do homem que permitiu a entrega de Olga Benário à Gestapo!
Vargas recebendo o líder fascista italiano Italo Balbo

Há quem louve o nacionalismo senil de Vargas. Eu, não. Afora o espírito de vingança do qual estava obviamente imbuído, ocupou o único espaço que lhe restava no tabuleiro político, já que os EUA e a direita a eles subserviente o repudiavam. Não guinou à esquerda por opção, mas por falta de.

Quando uma patetada de um membro de sua guarda pessoal o colocou na rota do impeachment, teve a dignidade de suicidar-se para, com o impacto emocional tal gesto e de sua célebre carta de despedida, frustrar o complô direitista. Foi o seu melhor momento, pois ele e Allende contrastam vivamente com os governantes depostos do nosso continente, os quais quase sempre aceitaram resignadamente o pé na bunda. O pior de todos foi o hondurenho Manuel Zelaya -aquele que consentiu em ser despachado para o exílio de pijama. 

Como há gente demais omitindo ou deixando em 2º plano os horrores da ditadura getulista, reproduzirei em seguida um artigo do ilustre historiador José Murilo de Carvalho, publicado na Revista de História

É informação muito importante para as novas gerações conhecerem o outro lado do ‘pai dos trabalhadores’, e também para refrescar a memória de certos expoentes das velhas gerações que gostam de engrandecer déspotas, relevando seus prontuários escabrosos em matéria de direitos humanos.
CHUMBO GROSSO
José Murilo de Carvalho
Os agentes da Polícia Especial de Filinto Muller (esq.) faziam estágios na Gestapo de Hitler
Assassinatos com motivação política não foram raros durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). O caso mais gritante foi o fuzilamento de oito participantes do assalto ao Palácio Guanabara em 1938, organizado por militares e militantes da Ação Integralista Brasileira. Os oito tinham sido capturados e desarmados quando foram mortos nos fundos do palácio, como admitiu em suas memórias o general Góis Monteiro (1889-1956). Não houve qualquer investigação sobre o crime. Há referências a assassinatos nas revoltas comunistas de Natal e Recife em 1935 e nas delegacias de polícia, sobretudo na sede da Polícia Central, na Rua da Relação, na então capital da República, e nas casas de Detenção e Correção. Um médico da Polícia Militar, Nilo Rodrigues, por exemplo, disse ao jornalista Vítor do Espírito Santo ter presenciado fatos de alarmar: “espancamentos horrorosos, vários assassinatos dentro da Polícia Especial”. Mas, graças à censura à imprensa, poucos desses crimes vieram a conhecimento público. Quase todos foram abafados nos porões das delegacias. 
A tortura de presos foi investigada e descrita pelo jornalista David Nasser (1917-1980), inicialmente em seis reportagens publicadas na revista O Cruzeiro – a primeira delas em 29 de outubro de 1946 – e, depois, em livro de 1947. As publicações foram intituladas Falta alguém em Nuremberg. Esse alguém era o capitão do Exército Filinto Müller (1900-1973), chefe de Polícia da capital de 1933 e 1942. Os principais instrumentos de tortura mencionados em depoimentos no Congresso e registrados por David Nasser eram: o maçarico, que queimava e arrancava pedaços de carne; os “adelfis”, estiletes de madeira que eram enfiados por baixo das unhas; os “anjinhos”, espécie de alicate para apertar e esmagar testículos e pontas de seios; a “cadeira americana”, que não permitia que o preso dormisse; e a máscara de couro. 
Marighella: bestialmente torturado pela polícia getulista.
Era também prática comum queimar os presos com pontas de cigarros ou de charutos e espancá-los com canos de borracha. Em alguns casos, o requinte era maior. O ex-sargento José Alves dos Santos, por exemplo, teve um arame enfiado na uretra ficando uma ponta de fora, que foi, a seguir, aquecida com um maçarico. Para que os gritos dos torturados não fossem ouvidos fora do prédio da Polícia Especial, um rádio era ligado a todo o volume. Poucos torturados resistiam. Houve quem se suicidasse pulando do terceiro andar da sede da Polícia Central; outros enlouqueciam, como foi o caso de Harry Berger, membro do Partido Comunista Alemão, torturado durante anos juntamente com sua mulher, Sabo. Quase todos guardavam sequelas para o resto da vida no corpo e na mente. 
Os acusados eram processados e julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional, criado logo depois do levante comunista de 1935, ainda antes do Estado Novo. Após a revolta integralista de 1938, já no regime de exceção, o regulamento do Tribunal foi alterado para apressar os julgamentos e reduzi-los quase a rito sumário, ou seja, sem processo formal. Recebido o inquérito, o juiz dava imediatamente vista ao procurador e citava o réu. O procurador tinha 24 horas para a denúncia. Findo o prazo, era marcada audiência para instrução e julgamento dentro de 24 horas, tempo que tinha também a defesa para se preparar. Em cinco dias, tudo se resolvia. Recurso só era admitido para o próprio Tribunal pleno, cuja sentença era irrecorrível. O Tribunal processou mais de 10 mil pessoas e condenou 4.099. 
Harry Berger enlouqueceu
Apesar da anistia concedida por Vargas em 1945, houve na Constituinte de 1946 tentativas de investigar e punir os crimes cometidos pela polícia política do Estado Novo. O esforço foi liderado pelo general Euclides de Oliveira Figueiredo (1883-1963), deputado eleito pela União Democrática Nacional (UDN) do Distrito Federal e pai do futuro presidente João Batista de Oliveira Figueiredo (1918-1999). Quando coronel, Euclides fora acusado de participação nos planos do fracassado assalto ao Palácio Guanabara em 1938. Julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional, foi condenado a cinco anos e quatro meses de prisão, pena reduzida posteriormente para quatro anos e quatro meses.
O general apresentou, em 30 de abril de 1946, um requerimento em que pedia “profundas e severas” investigações no então Departamento de Segurança Pública para “conhecer e denunciar à Nação os responsáveis pelo tratamento dado a presos políticos”. O requerimento foi aprovado, e em maio foi criada a “Comissão encarregada de examinar os serviços do Departamento Federal de Segurança Pública”, presidida pelo senador Dario Cardoso (1899-1987). O general não foi incluído entre seus membros, provavelmente por ser incômodo aos que tinham alguma vinculação com o regime deposto.  
A Comissão deu em nada. Raramente havia quórum para as reuniões. As denúncias de crimes foram parar no arquivo da Casa. A Constituinte encerrou as atividades em setembro de 1946 sem que chegasse a conclusões concretas. Em 7 de novembro, já em sessão ordinária da Câmara, o general, inconformado, requereu a instalação de nova comissão. Argumentou, segundo os Anais da Câmara, que a matéria não era “daquelas que podem ser esquecidas. Trata-se de fazer justiça, descobrir e apontar os responsáveis por crimes inomináveis, praticados com a responsabilidade do governo”. Acrescentou ainda: “As grandes nações democráticas que fizeram a guerra ao totalitarismo já julgaram e executaram os responsáveis pelos horrendos crimes contra a humanidade. Nós também tivemos criminosos, não de guerra, mas de paz, de plena paz, e contra brasileiros. Talvez fossem eles os precursores dos nazistas. Convém não perdoá-los [sic] de plano. 
Vargas permitiu a extradição de Olga
Importa, igualmente, que os julguemos. Para julgá-los, importa conhecê-los”. Euclides mencionou a reportagem de Nasser publicada na revista O Cruzeiro. Terminou o discurso com um apelo aos deputados: “Ao menos se conheçam os responsáveis pelas barbaridades […] a fim de que outros, que possam vir mais tarde, tenham receio de ver ao menos seus nomes citados, como desejo que sejam conhecidos os daqueles bárbaros que tanto maltrataram o povo do Rio de Janeiro, da capital da República, de todo o Brasil!”
Foi instalada a nova comissão, agora chamada “Comissão de inquérito sobre os atos delituosos da ditadura”, presidida pelo deputado Plínio Barreto (1882-1958). Novamente, Euclides Figueiredo não foi indicado para integrá-la. Mas, tendo desistido o deputado Aliomar Baleeiro (1905-1978), passou a fazer parte dela e foi um de seus membros mais atuantes. As atas atestam sua assiduidade nas reuniões. Várias pessoas foram chamadas a depor, umas como vítimas de tortura – como o então senador Luiz Carlos Prestes (1898-1990) e o próprio David Nasser –, outras por terem sido acusadas de torturadoras. Quase todas as denúncias se referiam a maus-tratos sofridos na Polícia Central, na Polícia Especial, na Delegacia de Ordem Política e Social e na Casa de Detenção. Os principais acusados eram Serafim Braga, chefe da Dops, o tenente Emílio Romano, chefe do Departamento de Segurança Pública, o tenente Euzébio de Queiroz, chefe da Polícia Especial, e o policial Alencar Filho, da Seção de Explosivos da polícia.
Um dos depoimentos mais dramáticos foi o de Carlos Marighela (1911-1969), deputado pela Bahia do Partido Comunista do Brasil, dado em 25 de agosto de 1947. Ele descreveu várias torturas que sofreu ou que presenciou. Entre elas, espancamento com canos de borracha, aplicado na sola dos pés e nos rins, queimaduras com pontas de cigarro, introdução de alfinetes por baixo das unhas, arrancamento das solas dos pés ou de pedaços das nádegas com maçaricos. Em se tratando de presas, costumava-se introduzir esponjas embebidas em mostarda em suas vaginas. O general Figueiredo, que fora companheiro de prisão de Marighela, considerou a declaração o ponto culminante dos trabalhos da Comissão. Em seu depoimento, o jornalista Vítor do Espírito Santo disse ter ouvido do médico Nilo Rodrigues que nunca tinha visto “tanta resistência a maus-tratos e tanta bravura” como as demonstradas por Marighela. 
Aos poucos, esta segunda Comissão também começou a ratear. O fenômeno acentuou-se após o depoimento do capitão Emílio Romano, em junho de 1948. A partir dessa data, não há mais referência a suas reuniões no Diário do Congresso. Em 24 de setembro, ela deixa de ser relacionada. Aparentemente, encerrou as atividades sem apresentar relatório. Uma das razões para o fato pode ter sido o depoimento do jornalista Vítor do Espírito Santo. Segundo ele, o médico Nilo Rodrigues dissera-lhe que não faria denúncias porque “as pessoas que se encontram no poder são as mesmas que praticaram as mencionadas violências”. Ao que o general Euclides Figueiredo acrescentou: “E as que fazem parte da Polícia Especial também ainda são as mesmas”.

MEU NOME É ALEXANDRE. MAS, PODE ME CHAMAR DE CRISTIANO.

O pior de tudo são as facadas nas costas
Em 1950, os três principais candidatos à Presidência da República eram Getúlio Vargas (PTB), ex-ditador de inspiração nazifascista que a mão oculta dos EUA contribuíra para expelir do poder ao fim da II Guerra Mundial, daí ter assumido o nacionalismo como seu novo figurino político, com o apoio oportunista do PCB (convenientemente esquecido de que fora a principal vítima da bestialidade de Filinto Müller e sua polícia política); o brigadeiro Eduardo Gomes, que conferia alguma respeitabilidade ao moralismo rançoso da UDN por ser, pessoalmente, um homem íntegro; e Cristiano Machado (PSD), deputado mineiro em duas Constituintes.
Percebendo que as chances de Cristiano eram ínfimas, muitos líderes do PSD mantiveram seu apoio formal a ele, mas, por baixo do pano, favoreceram descaradamente a candidatura de Vargas. Foi como se originou o uso da palavra cristianização para, no jargão político, designar candidatos traídos pelos próprios partidos na campanha eleitoral.
O mais novo exemplar desta fauna é o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, com quem o PT (leia-se Lula) contava para, finalmente, enxotar os tucanos do Palácio dos Bandeirantes, no qual estão empoleirados há duas décadas.
Mas, ao constatar que a candidatura de Padilha dificilmente decolaria, o partido oPTou (lembram-se dos adesivos? Bons tempos…) por sua cristianização, igualmente descarada.
Qualquer semelhança…
Primeiramente, estimulou a decisão do PSD de Gilberto Kassab, de trair Alckmin e apoiar o peemedebista Paulo Skaf; e do PP de Paulo Maluf, de renegar a aliança já firmada com Padilha, pulando para o galho do Skaf.
O tiro de misericórdia veio com a entrevista do ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, à Rede Brasil Atual, cuja íntegra pode ser acessada aqui
Berzoini simplesmente informa que o PT adotará uma posição de neutralidade em relação às duas candidaturas, a própria e a peemedebista, evitando indispor-se com a segunda, pois (admite, mais uma vez descaradamente) pretende apoiá-la no 2º turno. Leiam e constatem:

Onde há mais de um [candidato da base governista], nós temos que definir como nós vamos nos relacionar sem atrapalhar as campanhas de cada um (…). Em São Paulo, não haverá uma escolha, haverá o reconhecimento de que nós temos duas candidaturas fortes. (…) Hoje, uma delas se apresenta com mais intenção de votos (…), mas nós acreditamos que isso é muito dinâmico e não necessariamente se manterá assim. Vamos trabalhar tanto a relação com a campanha do Skaf quanto com a campanha do Padilha.

Não ter conflito é o desejo. Isso se constrói. (…) No primeiro [turno], cada um tem de buscar todas as positividades possíveis. No segundo, dependendo de quem for, se estabelece o contraditório. Então não há razão a priori para ficar Skaf procurando problema com o Padilha e o Padilha com o Skaf

Berzoini: “Nós temos duas candidaturas fortes”.
Ou seja, o candidato da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, além de ser mais rico (seu patrimônio pessoal declarado cresceu 60% desde a última eleição, estando hoje na casa de R$ 17,7 milhões), mais simpático aos ricos, mais charmoso e melhor situado nas pesquisas eleitorais, contará com a neutralidade do partido que detém o poder federal e com a certeza de que o candidato do dito cujo evitará bater pesado nele, pois a ordem para o Padilha é não ficar “procurando problema (…) com o Skaf”.
O que lhe restará, como trunfo para tentar virar este jogo de cartas marcadas? Apenas o programa Mais Médicos (que é polêmico em demasia para ser trombeteado ad nauseam em campanha, havendo risco de, sob contra-ataque dos adversários, tornar-se um tiro no pé). Pois, quase desconhecido, Padilha é samba de uma nota só.
Nos bons tempos, o PT só vinha aqui para protestar.
Poderia, certamente, unir os eleitores petistas em torno de si lembrando que o partido nasceu das refregas com a Fiesp e que Skaf é um inimigo de classe por excelência. Só mesmo na geleia geral brasileira os ditos defensores dos trabalhadores se mancomunam descaradamente (o termo é novamente obrigatório…) com os baluartes do patronato.
Mas, se as mãos do cristianizado Padilha estarão atadas pela política de não-agressão ordenada por Berzoini, que chances ainda lhe restam? Nenhuma. Seria melhor desistir de uma vez, dando ao PT liberdade para celebrar desde já o pacto mefistofélico com o grande capital, se este é seu desejo.
Sartre dizia que fazer política é enfiar a mão no sangue e na m… Finda a ditadura, sobrou a segunda, cada vez mais abundante, pois o descaramento não tem limite. 

MÁRTIR DA INDEPENDÊNCIA OU HERÓI REVOLUCIONÁRIO?

“Brecht cantou: ‘Feliz é o povo
que não tem heróis’. Concordo.
Porém nós não somos um povo
feliz. Por isso precisamos de
heróis. Precisamos de Tiradentes.”
(Augusto Boal, Quixotes e Heróis)

Será que os brasileiros sentem mesmo necessidade de heróis, salvo como temas dos intermináveis e intragáveis sambas-enredo? É discutível.

Os heróis são a personificação das virtudes de um povo que alcançou ou está buscando sua afirmação. Encarnam a vontade nacional.

Já os brasileiros, parafraseando o que Marx disse sobre camponeses, constituem tanto um povo quanto as batatas reunidas num saco constituem um saco de batatas…

O traço mais característico da nossa formação é a subserviência face aos poderosos de plantão. Os episódios de resistência à tirania foram isolados e trágicos, já que nunca obtiveram adesões numericamente expressivas.

Demoramos mais de três séculos para nos livrar do jugo de uma nação minúscula, como um Gulliver imobilizado por um único liliputiano.

E o fizemos da forma mais vexatória, recorrendo ao príncipe estrangeiro para que tirasse as castanhas do fogo em nosso lugar; e à nação economicamente mais poderosa da época, para nos proteger de reações dos antigos colonizadores.

Isto depois de assistirmos impassíveis à execução e esquartejamento de nosso maior libertário.

Da mesma forma, o fim da escravidão só se deu por graça palaciana e quando se tornara economicamente desvantajosa.

Antes, os valorosos guerreiros de Palmares haviam sucumbido à guerra de extermínio movida pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que merecidamente passou à História como um dos maiores assassinos do Brasil.

E foi também pela porta dos fundos que nosso país entrou na era republicana e saiu das duas ditaduras do século passado (a de Vargas terminou por pressões estadunidenses e a dos militares, por esgotamento do modelo político-econômico).

Todas as grandes mudanças positivas acabaram se processando via pactos firmados no seio das elites, com a população excluída ou reduzida ao papel de coadjuvante que aplaude.

É verdade que houve fugazes despertares da cidadania:

  •  em 1961, quando a resistência encabeçada por Leonel Brizola conseguiu frustrar o golpe de estado tentado pelas mesmas forças que seriam bem-sucedidas três anos mais tarde;
  • em 1984, com a inesquecível campanha das diretas-já, infelizmente desmobilizada depois da rejeição da Emenda Dante de Oliveira, com o poder de decisão voltando para os gabinetes e colégios eleitorais; e
  • em 1992, quando os  caras-pintadas  foram à luta para forçar o afastamento do presidente Fernando Collor.

Nessas três ocasiões, a vontade das ruas alterou momentaneamente o rumo dos acontecimentos, mas os poderosos realizaram manobras hábeis para retomar o controle da situação. Rupturas abertas, entre nós, só vingaram as negativas.

Vai daí que, em vez de heróis altaneiros, os infantilizados brasileiros são carentes mesmo é de figuras protetoras, dos coronéis nordestinos aos  padins Ciços   da vida, passando por   pais dos pobres   tipo Getúlio Vargas.

Então, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Frei Caneca, Carlos Marighella, Carlos Lamarca e outros dessa estirpe jamais serão unanimidade nacional, como Giuseppe Garibaldi na Itália ou Simon Bolívar para os hermanos sul-americanos.

O 21 de abril é um dos menos festejados de nossos feriados. E o próprio conteúdo revolucionário de Tiradentes é escamoteado pela  História Oficial, que o apresenta mais como um Cristo (começando pelas imagens falseadas de sua execução, já que não estava barbudo e cabeludo ao marchar para o cadafalso) do que como transformador da realidade.

Então, vale mais uma citação do artigo que Boal escreveu quando do lançamento da antológica peça Arena Conta Tiradentes, em 1967:

Tiradentes foi revolucionário no seu momento como o seria em outros momentos, inclusive no nosso. Pretendia, ainda que romanticamente, a derrubada de um regime de opressão e desejava substitui-lo por outro, mais capaz de promover a felicidade do seu povo. 

…No entanto, este comportamento essencial ao herói é esbatido e, em seu lugar, prioritariamente, surge o sofrimento na forca, a aceitação da culpa, a singeleza com que beijava o crucifixo na caminhada pelas ruas com baraço e pregação

 …O mito está mistificado.

Quando o povo brasileiro estiver suficientemente amadurecido para tomar em mãos seu destino, decerto encontrará no revolucionário Tiradentes uma das maiores inspirações.

A NOITE QUE DUROU 21 ANOS

“Morte vela, sentinela sou
do corpo desse meu irmão 
que já se foi.
Revejo nesta hora 
tudo que aprendi, 
memória não morrerá!

Longe, longe ouço essa voz
que o tempo não vai levar!”


(Fernando Brant e Milton 
Nascimento, “Sentinela”)

Nesta 3ª feira, ao se completar meio século da pior mentira já enfiada goela dos brasileiros adentro -a quebra da normalidade institucional sob justificativas falaciosas, mergulhando o País nas trevas e barbárie durante mais de duas décadas-, é oportuno lembrarmos o que realmente foi a nada branda ditadura de 1964/85, ainda louvada por seus carrascos impunes, reverenciada por suas repulsivas viúvas e defendida pelos cuervos  que o totalitarismo criou.

Como frisou a bela canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando-nos de que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do despotismo.

Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a se destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; estas foram apenas pretextos, não causa.


Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas, é incontestável que a ultra-direita vinha há muito tempo tentando usurpar o poder.


Em novembro/1955, uma conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da Guerra, assumiu. Um dos golpistas presos: o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência parda do ditador Geisel.

Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.

Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.

E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart e iniciaram, juntamente com os conspiradores civis, a constituição de um governo ilegítimo, só voltando atrás diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.

Apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados grupos dos 11 brizolistas, inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado “contragolpe preventivo”, mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA, como hoje está mais do que comprovado. Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.

A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações.

Até que, com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e o Judiciário Poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.

As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.

Em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político, aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média.

Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio premeditado dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.

A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemático dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando ao genocídio a ocultação de cadáveres.

milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970 (quando aqui entraram tantos dólares quanto nos 10 anos anteriores somados), teve vida curta e em 1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.

As ciências, as artes e o pensamento eram cerceados por meio de censura, perseguições policiais e administrativas, pressões políticas e econômicas, bem como dos atentados e espancamentos praticados pelos grupos paramilitares consentidos pela ditadura.

Corrupção, havia tanta quanto agora, mas a imprensa era impedida de noticiar o que acontecia, p. ex., nos projetos faraônicos como a Transamazônica, Ferrovia do Aço, Itaipu e Paulipetro (muitos dos quais malograram).

A arrogância e impunidade com que agiam as forças de segurança causou muitas vítimas inocentes, como o motorista baleado em 1969 apenas por estar passando em alta velocidade diante de um quartel, na madrugada paulistana (o comandante da unidade ainda elogiou o recruta assassino, por ter cumprido fielmente as ordens recebidas!).

Longe de garantirem a segurança da população, os integrantes dos efetivos policiais chegavam até a acumpliciar-se com traficantes, executando seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (Esquadrões da Morte).

O aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus integrantes uma situação privilegiadíssima. Não só recebiam de empresários direitistas vultosas recompensas por cada “subversivo” preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor com os resistentes. Acostumaram-se a um padrão de vida muito superior ao que sua remuneração normal lhes proporcionaria.

Daí terem resistido encarniçadamente à disposição do ditador Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de estado, no momento em que ela se tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog, promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o ministro do Exército.

A ditadura terminou melancolicamente em 1985, com a economia marcando passo e os cidadãos cada vez mais avessos ao autoritarismo sufocante. Seu último espasmo foi frustrar a vontade popular, negando aos brasileiros o direito de elegerem livremente o presidente da República, ao conseguir evitar a aprovação da emenda das diretas-já.

Foi responsável pela morte de 827 opositores assumidos (os 457 que a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos listou, mais os 370 posteriormente identificados num estudo sobre a repressão política no campo), por um sem-número de genocídios indígenas, pela prisão arbitrária de uns 50 mil brasileiros e pela tortura de, no mínimo, 20 mil cidadãos.

Balanço que pulveriza de vez a falácia de uma inverossímil brandura…


A NOITE QUE DUROU 21 ANOS

“Morte vela, sentinela sou
do corpo desse meu irmão 
que já se foi.
Revejo nesta hora 
tudo que aprendi, 
memória não morrerá!

Longe, longe ouço essa voz
que o tempo não vai levar!”

(Fernando Brant e Milton 
Nascimento, “Sentinela”)

No próximo 1º de abril, ao se completar meio século da pior mentira já enfiada goela dos brasileiros adentro -a quebra da normalidade institucional sob justificativas falaciosas, mergulhando o País nas trevas e barbárie durante mais de duas décadas-, é oportuno lembrarmos o que realmente foi a nada branda ditadura de 1964/85, ainda louvada por seus carrascos impunes, reverenciada por suas repulsivas viúvas e defendida pelos cuervos  que o totalitarismo criou.

Como frisou a bela canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando-nos de que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do despotismo.

Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a se destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; estas foram apenas pretextos, não causa.


Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas, é incontestável que a ultra-direita vinha há muito tempo tentando usurpar o poder.


Em novembro/1955, uma conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da Guerra, assumiu. Um dos golpistas presos: o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência parda do ditador Geisel.

Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.

Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.

E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart e iniciaram, juntamente com os conspiradores civis, a constituição de um governo ilegítimo, só voltando atrás diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.

Apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados grupos dos 11 brizolistas, inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado “contragolpe preventivo”, mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA, como hoje está mais do que comprovado. Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.

A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações.

Até que, com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e o Judiciário Poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.

As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.

Em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político, aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média.

Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio premeditado dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.

A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemático dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando ao genocídio a ocultação de cadáveres.

milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970 (quando aqui entraram tantos dólares quanto nos 10 anos anteriores somados), teve vida curta e em 1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.

As ciências, as artes e o pensamento eram cerceados por meio de censura, perseguições policiais e administrativas, pressões políticas e econômicas, bem como dos atentados e espancamentos praticados pelos grupos paramilitares consentidos pela ditadura.

Corrupção, havia tanta quanto agora, mas a imprensa era impedida de noticiar o que acontecia, p. ex., nos projetos faraônicos como a Transamazônica, Ferrovia do Aço, Itaipu e Paulipetro (muitos dos quais malograram).

A arrogância e impunidade com que agiam as forças de segurança causou muitas vítimas inocentes, como o motorista baleado em 1969 apenas por estar passando em alta velocidade diante de um quartel, na madrugada paulistana (o comandante da unidade ainda elogiou o recruta assassino, por ter cumprido fielmente as ordens recebidas!).

Longe de garantirem a segurança da população, os integrantes dos efetivos policiais chegavam até a acumpliciar-se com traficantes, executando seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (Esquadrões da Morte).

O aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus integrantes uma situação privilegiadíssima. Não só recebiam de empresários direitistas vultosas recompensas por cada “subversivo” preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor com os resistentes. Acostumaram-se a um padrão de vida muito superior ao que sua remuneração normal lhes proporcionaria.

Daí terem resistido encarniçadamente à disposição do ditador Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de estado, no momento em que ela se tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog, promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o ministro do Exército.

A ditadura terminou melancolicamente em 1985, com a economia marcando passo e os cidadãos cada vez mais avessos ao autoritarismo sufocante. Seu último espasmo foi frustrar a vontade popular, negando aos brasileiros o direito de elegerem livremente o presidente da República, ao conseguir evitar a aprovação da emenda das diretas-já.

Foi responsável pela morte de 827 opositores assumidos (os 457 que a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos listou, mais os 370 posteriormente identificados num estudo sobre a repressão política no campo), por um sem-número de genocídios indígenas, pela prisão arbitrária de uns 50 mil brasileiros e pela tortura de, no mínimo, 20 mil cidadãos. 

Balanço que pulveriza de vez a falácia de uma inverossímil brandura…

UM ESPECTRO RONDA A ESQUERDA PALACIANA: O BLACK BLOC

Ao qualificar estridentemente os black blocs de “fascistas” (o que não são), a presidenta Dilma Rousseff tenta justificar a postura autoritária do seu governo, de estimular enrijecimentos repressivos e penais. Omite, contudo, que eles estão ocupando
um espaço aberto pela domesticação da esquerda tradicional, que hoje nem sequer pronuncia mais a palavra revolução -tão cooptada está pelo capitalismo e tamanha é sua obsessão em se mostrar inofensiva para os inimigos de outrora, visando manter e aumentar cada vez mais suas boquinhas na democracia burguesa.

Para quem aspira apenas a gerenciar o capitalismo pelo máximo possível de mandatos, os black blocs não passam de um empecilho, e como tal são tratados. Chama a polícia!

Para quem não abdicou dos ideais revolucionários em troca de um poder ilusório e subalterno, eles se constituem, isto sim, numa dura acusação: suas ações, algumas das quais desatinadas, são consequência de nossa incapacidade de engajar os jovens num combate mais consequente à desigualdade, injustiças e crimes que caracterizam a dominação burguesa. Nostra maxima culpa!

Faz um bom tempo que a esquerda brasileira alterna fases de legalismo exagerado com acessos, geralmente curtos, de radicalismo. 

Em 1935, Moscou ordenou um putsch contra a ditadura de Getúlio Vargas e o PCB, obedientemente, lançou-se à Intentona, de péssimas consequências. Aí, como gato escaldado, tornou-se refratário a ações mais extremadas ao longo das décadas seguintes.

Sua tibieza face ao golpe de 1964, contudo, mexeu com os brios dos comunistas. Houve luta interna, um sem-número de cisões e o PCB burocratizado deixou de ser a força hegemônica da esquerda. Como consequência, a decretação do AI-5 levou muitos agrupamentos resultantes da pulverização do partidão a aderirem à luta armada, que se tornou a principal (praticamente única)  forma de resistência à ditadura.

A trágica derrota dos guerrilheiros devolveu a bola para o campo da luta pacífica. E, com a chegada de Lula à Presidência da República, a revolução praticamente foi excluída dos planos e até dos discursos da esquerda chapa branca, cada vez mais inflada por oportunistas atraídos pela migalhas do poder.
Restava a esperança de que algum pequeno partido de esquerda repetisse a trajetória do PT, mas sem descaracterizar-se no meio do caminho. Era o sonho do PSOL, do PSTU, do PCO…
No más! Salta aos olhos que tal brecha histórica deixou de existir, não só em função do formidável aparato de comunicação de que hoje a burguesia dispõe, como também porque o PT conseguiu dilapidar o patrimônio moral acumulado pela esquerda durante a resistência à ditadura.
Na redemocratização de 1985, éramos respeitados por nosso heroísmo e tidos como uma reserva moral, uma alternativa à podridão capitalista; foi o que alavancou o crescimento petista. Os 11 anos do PT  no poder, contudo, corroeram tal conceito, favorecendo a disseminação da descrença na política e nos políticos (os quais voltaram a ser encarados, indistintamente, como farinha do mesmo saco).

Pouco importa o quanto se consigam mudar as sentenças do mensalão, o mal já está feito. Os petistas e seus aliados se preocuparam demais em salvar pessoas, quando o que importava mesmo era salvar a imagem dos revolucionários, não deixando que o cidadão comum passasse a desprezá-los como despreza os políticos convencionais.

Faltou a percepção de que a sanha reacionária não visava destruir o Zé Dirceu e o José Genoíno atuais, mas sim o símbolo do movimento estudantil de 1968 e o símbolo da guerrilha do Araguaia, pouco importando que um e outro já não fossem mais os homens que eram naquele passado distante. 
Tratava-se de um daqueles episódios nos quais as individualidades (até por terem cometido erros bisonhos) deveriam ser sacrificadas em nome da causa. Não o foram, e a indústria cultural deitou e rolou com a oportunidade única, concedida de mão beijada, de ficar desmoralizando a esquerda e seus mitos por oito anos a fio. Sabe-se lá até quando continuará capitalizando esta incrível lambança… O certo é que, quanto mais os condenados espernearem, mais ibope assegurarão para o espetáculo. O show nunca termina.
Por essa e outras, hoje praticamente inexiste o voto idealista; as eleições voltaram a ser decididas pelo voto interesseiro (que amiúde chega a ser mendicante)  e pelo voto útil. São os trunfos com que o PT conta para tentar quebrar o recorde do PRI: sete décadas de permanência estéril no poder, findos os quais os trabalhadores mexicanos continuavam tão explorados, humilhados e ofendidos como antes.

OS MASCARADOS JAMAIS CONSEGUIRÃO
IGUALAR A TRUCULÊNCIA DOS FARDADOS

Dilma mostra muita insensibilidade política ao acusar os black blocs de não serem “democráticos”, exatamente num momento em que o desencanto com a democracia brasileira é generalizado e os três Poderes parecem estar numa competição de quem se desmoraliza mais no menor espaço de tempo.

Quem ainda conserva um mínimo de capacidade crítica, constata a cada momento ser o econômico o único poder que realmente conta: em torno dele gravitam os satelizados Executivo, Legislativo e Judiciário, arrotando independência em relação às miudezas mas submetendo-se caninamente à voz do dono nas questões que afetam os interesses maiores do grande capital.
Então, com a esquerda palaciana se distanciando cada vez mais do campo revolucionário e alguns partidos bem intencionados desperdiçando esforços em eleições nas quais patinam sem saírem do lugar, a esperança que resta (como augurava há meio século o fundamental Herbert Marcuse) são os contingentes à margem do jogo de cartas marcadas do sistema: os indignados que se mobilizam por meio das redes sociais e vêm sacudindo a pasmaceira da política brasileira.
Alguns já mostram uma surpreendente maturidade política, elegendo objetivos e alvos com muito discernimento, conscientes de que lhes cabe conquistarem corações e mentes, sem fornecerem pretextos para que a imprensa canalha os difame. É o caso, p. ex., do Movimento Passe Livre e dos organizadores de escrachos contra os monstros impunes da ditadura militar.

Os black blocs partem para o confronto físico com os efetivos policiais e para ações que a nossa excelentíssima presidenta coloca todas no mesmo saco de “vandalismo”, como se destruir instalações bancárias fosse algo tão negativo quanto a atividade que nelas se desenvolve. Dilma deveria reler Brecht: “O que importa o roubo de um banco, comparado à fundação de um banco?”.

No entanto, os mascarados jamais conseguirão igualar a truculência dos fardados. E -lição que aprendemos amargamente nos anos de chumbo!- os jagunços do sistema eram descartáveis e facilmente substituíveis, enquanto nós nos enfraquecíamos a cada baixa sofrida, perdendo companheiros de valor inestimável.

Enfim, as batalhas campais com a repressão tendem a terminar mal para o lado dos black blocs, além de conduzi-los à prisão. Devem ser evitadas tanto quanto possível, o que não implica cruzarem os braços diante das agressões bestiais que os PMs amiúde desfecham sobre os manifestantes. Quando os agentes do Estado se comportam como hordas de linchadores, é lícito, sim, defender-se deles. 

Quanto à destruição de bens, mesmo que justificada, nunca vai transparecer como tal para o grande público, já que a imprensa burguesa a apresentará da pior forma possível, fazendo a cabeça dos videotas. Com mais humor e menos furor, o recado poderia ser passado sem chocar o homem comum, nem facilitar tanto a vilificação por parte da mídia.
A atuação dos black blocs, no seu todo, deveria ser melhor dosada, pois os excessos só favorecem o inimigo. Confio em que eles saberão extrair as lições dos últimos episódios, efetuando as correções táticas que se impõem.
E respeito a determinação com que combatem o capitalismo, exibindo um espírito de luta há muito inexistente em tantos esquerdistas que os vituperam, preocupados apenas com os transtornos que poderão trazer à Copa das maracutaias e à próxima temporada de caça aos votos.

Dos primeiros, podemos esperar que amadureçam. Os segundos, em sua maioria, já apodreceram. 

O DIA DA GRANDE MENTIRA FAZ 49 ANOS

“Morte vela, sentinela sou
do corpo desse meu irmão 
que já se foi.
Revejo nesta hora 
tudo que aprendi, 
memória não morrerá!

Longe, longe ouço essa voz
que o tempo não vai levar!”

(Sentinela, Fernando Brant
e Milton Nascimento)

Neste 1º de abril, ao se completarem 49 anos da pior mentira já enfiada goela dos brasileiros adentro –a quebra da normalidade institucional, mergulhando o País nas trevas e barbárie durante duas décadas–, é oportuno lembrarmos o que realmente foi a nada branda ditadura de 1964/85, ainda louvada por seus carrascos impunes, reverenciada por suas repulsivas viúvas e defendida pelos  cuervos  que o totalitarismo criou. 
Como frisou a bela canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando-nos de que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do despotismo.
Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a se destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; estas foram apenas pretextos, não causa.

Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas, é incontestável que a ultra-direita vinha há muito tempo tentando usurpar o poder.

Em novembro/1955, uma conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da Guerra, assumiu. Um dos golpistas presos: o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência parda do ditador Geisel.
Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.
Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.
E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart e iniciaram, juntamente com os conspiradores civis, a constituição de um governo ilegítimo, só voltando atrás diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.
Apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados   grupos dos 11  brizolistas, inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado “contragolpe preventivo”, mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA, como hoje está mais do que comprovado. Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.
A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações.
Até que, com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e o Judiciário Poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.
As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.
Em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político, aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média.
Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio premeditado dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.
A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemático dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando ao genocídio a ocultação de cadáveres.
O milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970 (quando aqui entraram tantos dólares quanto nos 10 anos anteriores somados), teve vida curta e em 1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.
As ciências, as artes e o pensamento eram cerceados por meio de censura, perseguições policiais e administrativas, pressões políticas e econômicas, bem como dos atentados e espancamentos praticados pelos grupos paramilitares consentidos pela ditadura.
Corrupção, havia tanta quanto agora, mas a imprensa era impedida de noticiar o que acontecia, p. ex., nos projetos faraônicos como a Transamazônica, Ferrovia do Aço, Itaipu e Paulipetro (muitos dos quais malograram).
A arrogância e impunidade com que agiam as forças de segurança causou muitas vítimas inocentes, como o motorista baleado em 1969 apenas por estar passando em alta velocidade diante de um quartel, na madrugada paulistana (o comandante da unidade ainda elogiou o recruta assassino, por ter cumprido fielmente as ordens recebidas!).
Longe de garantirem a segurança da população, os integrantes dos efetivos policiais chegavam até a acumpliciar-se com traficantes, executando seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (Esquadrões da Morte).
O aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus integrantes uma situação privilegiadíssima. Não só recebiam de empresários direitistas vultosas recompensas por cada “subversivo” preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor com os resistentes. Acostumaram-se a um padrão de vida muito superior ao que sua remuneração normal lhes proporcionaria.
Daí terem resistido encarniçadamente à disposição do ditador Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de estado, no momento em que ela se tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog, promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o ministro do Exército.
A ditadura terminou melancolicamente em 1985, com a economia marcando passo e os cidadãos cada vez mais avessos ao autoritarismo sufocante. Seu último espasmo foi frustrar a vontade popular, negando aos brasileiros o direito de elegerem livremente o presidente da República, ao conseguir evitar a aprovação da emenda das diretas-já.

CHUMBO GROSSO CONTRA LULA

Na análise que fiz sobre o 2º turno da eleição paulistana (ver aqui), pensei em incluir um alerta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recomendando que reforçasse sua segurança.

A vitória de Fernando Haddad, aposta temerária de Lula que deu certo, praticamente afastou qualquer possibilidade de não ser ele o candidato do PT à eleição presidencial de 2014, com enorme chance de conquistar o terceiro mandato.

Ora, há direitistas dispostos a tudo para quebrarem o círculo virtuoso do lulismo.

As analogias históricas não podem ser descartadas, pois as repetições das tragédias ocorrem amiúde –e nem sempre como farsas.

Em 1945, as forças retrógradas pensaram que bastaria uma pequena ajuda estadunidense para se livrarem de Getúlio Vargas, a pretexto da supressão de uma ditadura semelhante às derrotadas nos campos de batalha da II Guerra Mundial.

O objetivo imediato foi conseguido, com o pressionado Vargas abdicando do poder e de concorrer à eleição presidencial imediata. Contudo, ele apoiou o poste Eurico Gaspar Dutra, fazendo com que fosse eleito; depois, sucedeu-o pela via democrática.

Desde setembro a “veja” tudo faz para
que seja aceita a barganha a delação

Os reaças contra-atacaram com a articulação (capitaneada pela UDN) para forçar o seu impeachment, por corrupção, em 1954.

Se tal cartada também tivesse falhado, qual seria o passo seguinte? Sabe-se lá. O certo é que quem vai tão longe, não volta atrás; joga cada vez mais pesado.

O lulismo já está no terceiro mandato presidencial e a conquista do quarto parece ser favas contadas. O escândalo do  mensalão  não produziu o mesmo resultado do  mar de lama, assim como o Cansei! não conseguira bisar a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade.

Então, minha sensibilidade política, no próprio domingo da eleição, era de que alguma ação mais contundente seria tentada pela direita, já que nas urnas ficou bem difícil barrar Lula. Mas, como muita gente confunde  reflexão  com  torcida, acabei deixando pra lá. Estou cansado de ser mal interpretado.

A notícia d’O Estado de S. Paulo, de que o condenado Marcos Valério Fernandes de Souza oferece-se para incriminar Lula em troca de uma vaguinha no programa federal de proteção à testemunha (o que o livraria do xilindró), mostra uma alternativa à  opção Kennedy, com a vantagem de não deixar para trás  perguntas que não querem calar.

Seria baterem de novo na tecla  mar de lama, só que agora com pata de elefante, envolvendo Lula inclusive na morte de um ex-prefeito de Santo André, o arquivo queimado Celso Daniel.

Vamos ver o que decidirão o procurador-geral da República e o Supremo Tribunal Federal. Pode-se depreender que a proposta indecente do traira tendia a não ser aceita, daí terem-na vazado para a imprensa, visando constranger Roberto Gurgel e o STF. Já há ministros do Supremo admitindo que Valério seja protegido.

O certo é que Lula tem um caminho pedregoso pela frente, até a eleição de 2014. Se ainda usasse barbas, deveria botá-las de molho…