aquecimento global

UM PROGRAMA PARA A ESQUERDA DO SÉCULO 21

Quando a esperança aquecia corações e
iluminava mentes: Primavera de Paris

Um dos grandes diferenciais da minha atuação na internet, em relação a outros articulistas de esquerda, é ir além desse maniqueísmo tosco a que muitos deles reduzem os acontecimentos políticos, numa época em que nada é tão simples como parece.

P. ex., o evidente interesse das potências ocidentais em derrubar o ditador líbio Muammar Gaddafi fez os desnorteados de esquerda, em nome do antiimperialismo, correrem a alinhar-se, explicita ou implicitamente, com um dos tiranos mais brutais e repulsivos do planeta.
Aí vem a Inteligência da Otan e assinala a presença de integrantes da Al Qaeda e da milícia xiita Hizbollah entre os revoltosos. Ué, mas Al Qaeda e Hizbollah não são  mocinhos  para a esquerda brasileira? E os insurgentes não são  teleguiados pela CIA?
Depois, ficamos sabendo que o grande aliado ocidental de Gaddafi é, nada mais, nada menos, do que o neofascista-mor Silvio Berlusconi.
Tanto que Franco Frattini, o ministro italiano do Exterior, empenha-se em salvar a vida e a liberdade do ditador, tentando encontrar um país africano que aceite receber esse traste e não se disponha a entregá-lo, como merece, ao Tribunal Penal Internacional, para que seja julgado como o foram os criminosos de guerra nazistas em Nuremberg.
Resumo da opereta: quem participa desse jogo político rasteiro e promíscuo do sistema — ou, dizendo de uma forma mais sofisticada, da realpolitik — tem a consistência ideológica da gelatina. Move-se por interesses, embora os fantasie com retórica oportunista de esquerda, centro ou direita.
Primavera de Praga

Mas nós, os revolucionários, não podemos chafurdar nessa lama, sob pena de sermos vistos pelos explorados apenas como  mais do mesmo.

Ou seja, cabe-nos defender, intransigentemente, princípios, ao invés de copiarmos o que há de pior no utilitarismo político dos inimigos — como a postura estadunidense de que certos ditadores são grandes fdp’s, mas são  nossos  fdp’s.
Não, os verdadeiros revolucionários repudiamos a todos e quaisquer ditadores, até porque é assim que pensam e sentem os melhores seres humanos, dos quais não podemos nos dissociar, se quisermos tê-los ao nosso lado na investida contra os podres poderes do planeta.
Hoje somos uma minoria pouco significativa. Precisamos desesperadamente romper o isolamento atual, voltando a representar uma alternativa de poder em escala mundial.

Mas, na era da internet, ou direcionamos nossa atuação para os homens com mente aberta e espírito crítico, ou para os sectários fanatizados. Não há meio termo.

E é mais do que tempo de optarmos definitivamente pelos primeiros e a eles endereçarmos nossas mensagens, instando-os a cerrar fileiras conosco para a salvação da espécie humana (sob gravíssima ameaça de ser extinta pela ganância capitalista) e acenando-lhes com a perspectiva de concretização das duas maiores bandeiras da humanidade através dos tempos: a liberdade e a justiça social.

…e a contestação à Guerra do Vietnã.

Em 1968, éramos capazes de sensibilizar os corações e convencer as mentes porque erguíamos as bandeiras corretas e travávamos o bom combate.

O desafio é reatarmos os fios da História, tendo como referecial  aquele último grande marco por nós atingido — e avançarmos.
Podem-se cortar muitas flores, mas não impedir a chegada da primavera. 

FUKUSHIMA: UM ALERTA CONTRA A MARCHA DA INSENSATEZ

Este blogue teve um sensível aumento no número de visitantes desde o último domingo, quando foi publicada a primeira notícia sobre a crise nuclear japonesa.

Houve também internautas que se queixaram de, no entender deles, as abordagens terem tom “panfletário” ou “alarmista”.

Ora, o Náufrago da Utopia repercute um pouquinho no Brasil e tem alguns leitores assíduos pelo mundo, mas está muito longe de poder causar pânico no Japão.

Isto me deixou com as mãos livres para desconsiderar o blablablá anestesiante e tentar trazer à tona o que realmente está acontecendo. Esta é, para mim, a grande missão de um jornalista (e também de um revolucionário, como ensinava Rosa Luxemburgo…).

Há tanta desinformação circulando que a verdade só pode ser garimpada por vislumbres.

Como o de que os japoneses estavam considerando inseguro o raio de 20 quilômetros em torno de Fukushima, e os estadunidenses o de 80 km.

Como o que está em jogo é a vida e a saúde de seres humanos, andou bem melhor a embaixada dos EUA, como comprova esta notícia que acaba de sair do forno:

Segundo o ministério da Ciência japonês foram detectados altos níveis de radiação num raio de 30 quilômetros da usina de Fukushima…

O governo japonês pediu aos moradores de um raio de 20 a 30 quilômetros próximo da usina de Fukushima que permaneçam em casa e com as janelas fechadas. A medida serve como forma de proteção contra a radiação da usina…

Especialistas ouvidos pela rede japonesa NHK, disseram que seis horas de exposição à radiação emitida pela usina corresponde ao nível máximo considerado seguro para um ano.

Chernobil nunca mais! (queríamos crer…}

Desde o primeiro momento, considerei a possibilidade de estarmos diante de um acidente tão grave como o de Chernobil e Three Miles Island, tanto que, no texto inicial, recapitulei esses dois episódios antes de abordar o atual.

Depois, vários fios soltos se juntaram para reforçar tal impressão, inclusive a inusitada fala do imperador que nunca fala.

Não deu outra:

Ainda nesta sexta-feira [hoje, 18/03], a Agência de Segurança Nuclear do Japão elevou de 4 para 5 o nível de gravidade do acidente nuclear na usina de Fukushima. O índice da Escala Internacional de Eventos Nucleares e Radiológicos varia entre 0 e 7.

Não significa que eu esteja  torcendo contra, ou qualquer simplismo desses.

Apenas, não vejo vantagem nenhuma em que acontecimentos tão graves sejam minimizados — primeiro passo para não se adotarem as providências que se impõem, visando evitar novos pesadelos como o desta semana.

Lembrem-se: uma regra de ouro do capitalismo é reduzir custos para maximizar lucros. Daí os subornos e fraudes com que os operadores de Fukushima iam contornando as medidas corretivas que há muito se impunham. Deu no que deu.

O certo é que a espécie humana está em risco  até de extinção, face à conjugação das catástrofes que serão causadas pelas alterações climáticas com a existência de usinas nucleares prontas para se tornar bombas atômicas, caso um tsunami ou algo que o valha acenda o  pavio.

Enfiarmos a cabeça na areia, como avestruzes, não aumentará as chances de nossos filhos e netos. Pois serão eles que sofrerão na carne as consequências de nossa insensatez e/ou omissão.

CAPANGAS DO EMPRESARIADO INTIMIDAM CIENTISTAS

No meu recente artigo O Ministério da Saúde adverte: celulares causam câncer cerebral, reproduzi estas interessantes declarações da epidemiologista Devra Davis sobre o rolo compressor que o empresariado lança contra quem denuncia os malefícios de seus produtos:

Tenho documentos para provar que existe um esforço sistemático e concentrado da indústria de telecomunicações para desacreditar ou suprimir pesquisas cujos resultados não lhe favorecem (…). Quando um estudo assim é publicado, a indústria patrocina outros estudos para desmenti-lo… há diversas formas de cozinhar os dados de uma pesquisa para invalidá-los ou evitar que se chegue ao resultado desejado.

Parece ser apenas a ponta de um iceberg, pois um ótimo artigo do jornalista Marcelo Leite  comprova a existência da mesmíssima prática na área do clima. 
Tendo em mente a minha advertência de que a ganância capitalista está cumprindo na atualidade o papel de agente da destruição da espécie humana, ao priorizar o lucro em detrimento até da vida das pessoas, leiam e reflitam:

 A revista britânica ‘Nature’ publica nesta semana uma entrevista reveladora com Phil Jones, climatologista que se tornou o pivô do escândalo conhecido como ‘Climagate’ há um ano.

Acusado de manipular e ocultar dados e de distorcer a ciência ligada ao aquecimento global, a partir de e-mails furtados por hackers dele e de seus colegas, Jones foi inocentado. Conta que recebeu ameaças, que pensou em suicídio e que, por alguns meses, só dormia com a ajuda de remédios.

O abatimento de Phil Jones mostra como o pesquisador médio está mal preparado para enfrentar a guerrilha movida pelos ‘céticos do clima’, que defendem que o aquecimento causado pelo homem não existe.

Eles têm por objetivo central plantar uma semente de dúvida na ciência do clima, no que são auxiliados pelas incertezas inerentes à atmosfera. Bombardeiam os adversários com questionamentos e pedidos de informação, a fim de garimpar deslizes que possam tornar-se munição.

No caso dos e-mails furtados dos servidores da Universidade de East Anglia (Reino Unido), onde Jones chefiava a Unidade de Pesquisa de Clima (…), funcionou por algum tempo. Comentários cruéis, frases ambíguas e recomendações maliciosas davam verossimilhança à tese de que a CRU participava de uma conspiração para fraudar a ciência e calar os ‘céticos’.

Jones afastou-se do cargo. Foi investigado por mais de uma comissão. Nenhuma encontrou provas de fraudes…

…Os ‘céticos’ desferem seus ataques desde uma zona cinzenta, entre a periferia da pesquisa (há poucos cientistas atuantes na área em suas fileiras) e a franja de ‘think tanks’ conservadores dos EUA. Malícia e táticas de propaganda não lhes mancham a reputação, em especial se bem sucedidas.

A ciência do clima é importante demais para permanecer refém desse conflito.

A MARCHA DA INSENSATEZ

Um dos melhores acompanhamentos da marcha da insensatez no tratamento das questões ambientais em escala mundial é o do blogue Planeta e Clima da BBC Brasil, que recomendo como leitura obrigatória para quem sabe ou começa a tomar conhecimento da gravidade da ameaça que a humanidade enfrentará nas próximas décadas.

Eis, extraída dos textos publicados nos últimos 15 dias, uma amostra dos descaminhos ora trilhados, com as reações governamentais se mostrando cada vez mais irrisórias face à magnitude do problema.

“…enquanto a ciência é cada vez mais clara sobre os riscos das atuais emissões de carbono desenfreadas, o único plano para controlar o problema – o Protocolo de Kyoto – está dando os seus últimos suspiros. A partir de 2012, não temos mapa.

“Quando, em 2009, representantes de 193 países se encontraram em Copenhague, a expectativa era de que, ao cabo de duas semanas, presidentes e líderes de governo (que não por acaso compareceram em peso ao evento) fossem abanar para o mundo as folhas do rascunho pós-Kyoto.

“Em vez disso saíram, uns à francesa, outros meio apologéticos, com um tal ‘Acordo de Copenhague’, que na prática, em vez de avançar, atravancou o processo. Até hoje, ninguém sabe direito como incluí-lo na Convenção da ONU para Mudança Climática.

“Passados dez meses, pouca coisa mudou. Uns dizem até que se mudou, foi para pior. O Senado dos Estados Unidos engavetou o projeto de lei do clima proposto pelo presidente Barack Obama. Aquele mesmo que muitos já diziam que seria um avanço pequeno, depois das mudanças que sofreu nas mãos dos deputados.

“A Europa, em crise, continua como aquele aluno no colégio que se encolhe na carteira e torce para o professor não lhe dirigir uma pergunta, porque não sabe a resposta. Até o movimento ambientalista perdeu um pouco o rumo. Antes, a palavra de ordem era pressionar. E agora? Se pressionar demais, é capaz de degringolar tudo…”

“Uma em cada cinco espécies de planta está sob ameaça de extinção – situação tão grave quanto a enfrentada por mamíferos no planeta e mais grave que a dos pássaros. É essa a conclusão de um estudo de importantes instituições britânicas e da União Internacional para a Conservação da Natureza.

“…’As plantas são as fundações da biodiversidade e o seu significado em tempos de incerteza climática, econômica e política vem sendo ignorado por tempo demais’, avaliou o diretor do Royal Botanic Gardens (RBG), Stephen Hopper.

“A inédita Lista Vermelha das Plantas (…) afirma que no ano em que as Nações Unidas decidiram celebrar a biodiversidade, 22% das 380 mil espécies de plantas conhecidas estão ameaçadas”.

“Os desastres naturais, como enchentes, terremotos e tsunamis, mataram 3,3 milhões de pessoas em todo o mundo nos últimos 40 anos, diz um estudo divulgado nesta quinta-feira (11/10) pelo Banco Mundial, em parceria com as Nações Unidas.

“Desse total, cerca de 1 milhão de pessoas morreram na África, vítimas da seca.

“Após dois anos de pesquisa, os dois organismos internacionais estimaram ainda que os prejuízos causados por esses desastres poderão triplicar até o final do século, atingindo a cifra de US$ 185 bilhões ao ano.

“De acordo com o levantamento, o número fica ainda maior quando considerado o impacto das mudanças climáticas. Apenas os ciclones tropicais têm potencial de causar prejuízos que variam de US$ 28 bilhões a US$ 68 bilhões a cada ano, diz o estudo.

“Além disso, cerca de 1,5 bilhão de pessoas poderão estar expostas a tempestades e terremotos até 2050 – o dobro do número considerado atualmente.

“…’São os mais vulneráveis, e não os ricos, que acabam enfrentando o peso das ameaças naturais, muitas vezes agravadas por políticas ruins’, diz o texto”.

HAVERÁ UM SÉCULO 22?

Não sabemos quais serão a amplitude e as exatas consequências do aquecimento global que já produzimos.

Mas, tudo indica que elas se farão sentir intensamente nas próximas décadas, sob a  forma de tempestades, furacões, tufões, tsunamis, erupções, degelo, inundações, maremotos, terremotos,  desertificação, fome, sede, pestes, penúria.

E, desde Fukushima, sabemos que tais ocorrências poderão  servir como estopim para catástrofes nucleares.

Pior: até hoje não deixamos de agravar a situação. Então, por mais que tergiversem os defensores do primado do lucro sobre o meio ambiente, é impossível afirmarmos neste instante que a espécie humana continuará existindo por muito tempo. Que haverá um século 22.

E não são só as alterações climáticas que se constituem em gravíssima ameaça para os que virão depois de nós

Assim ficaram as crianças de Chernobyl
O diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, alerta:

“Estamos destruindo as fundações que sustentam a vida neste planeta. (…) Toda a vida na Terra existe graças aos benefícios da biodiversidade, na forma de terra fértil e água e ar limpos. Mas estamos agora próximos de perder o controle, se não fizemos grandes esforços para conservar a biodiversidade”.

Em mais um encontro mundial que não gerará respostas à altura do desafio enfrentado, o ministro do Meio Ambiente do Japão, Ryo Matsumoto, reforçou a advertência: a perda da biodiversidade poderá chegar a um ponto irreversível se não for freada em tempo.
Temo que a humanidade só se mobilize para tentar garantir sua sobrevivência quando o risco se tornar gritante. E aí poderá ser tarde demais.
Mas, pelo menos para os revolucionários, a ficha já deveria ter caído há muito tempo: a lógica e a dinâmica capitalistas são excludentes em relação às medidas que poderão salvar a humanidade e diminuir as perdas que inevitavelmente vão ocorrer durante a maior crise por ela já enfrentada.

A superação do capitalismo por outra forma de organização econômica, política e social, baseada na solidariedade e na cooperação dos homens para o bem comum, assume caráter urgente e dramático neste início do século 21.

Sem isto, mesmo que sobre alguém para contar a história, o frenesi da sobrevivência colocará uns contra outros, entregues à cegueira egoista do salve-se quem puder, e muitos serão sacrificados sem necessidade por conta dos que estarão se preservando em demasia.
Hoje o 1º mundo já consente, indiferente, que a fome e a miséria ceifem enormes contingentes humanos dos países periféricos. Como reagirá em circunstâncias mais críticas?
Alguém acredita que, sob o capitalismo, os países mais prósperos socorrerão as nações devastadas do 3º mundo?
Ou conservarão para si tudo que lhes aumentar a chance de salvação?
Neles os imigrantes já não são perseguidos e discriminados em razão dos empregos que  roubam  dos trabalhadores nativos?
O que virá depois? O extermínio dos inferiores e dos fracos, por parte dos superiores e dos fortes?
Enfim, por mais difícil que seja, cabe aos melhores seres humanos a tarefa de tentarmos unir a humanidade para o enfrentamento racional e solidário das graves crises que se avizinham.
A contagem regressiva está em curso.

CRÔNICA DA PASMACEIRA GLOBALIZADA

Obama estava certo: Lula é mesmo o cara.

Ou, digamos, o político pós-moderno por excelência.

Pois, a História pode não ter acabado com o advento do capitalismo globalizado, mas parou. Está imobilizada há duas décadas, esperando que um empurrão a ponha novamente em movimento.

Depois da queda do muro de Berlin, nada de realmente importante aconteceu no clubinho das nações desenvolvidas (e das quase, como o Brasil). A política econômica de todas elas é a mesmíssima, o neoliberalismo explícito ou implícito, atendendo aos interesses e conveniências do grande capital.

E, como nada de essencial pode mudar nas relações macroeconômicas (o poder real…), a política vira teatro, representação. Multiplicam-se e exageram-se ad nauseam os adjetivos, porque o substantivo permanece sempre o mesmo.

Parafraseando Shakespeare, a política oficial virou uma história cheia de som e fúria, significando nada, que safados contam para conquistar e manter suas posições no sistema. E os idiotas são os que levam a sério tal encenação.

Vai daí que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com sua bagagem de sindicalista, acaba sendo o homem certo para este momento errado da História da humanidade.

O que ele aprendeu como dirigente metalúrgico foi a prática da negociação. Greves, manifestações de protesto, discursos inflamados, para ele, não passavam de meios para se atingir o fim: o acordo satisfatório para sua categoria.

Não fazia questão, nem mesmo, de ostentar os louros da vitória.

Outros — os generosos patrões, advogados, ministros do Trabalho, etc. — poderiam ser aclamados pela mídia, desde que os metalúrgicos, ao verificarem o contracheque, ficassem satisfeitos com o valor grafado. Na eleição seguinte do sindicato, seria este o critério que garantiria a Lula a gratidão de seus representados e os votos que o reelegeriam.

Como presidente da República, o que ele faz? Exatamente o mesmo: busca resultados através da negociação, sem ligar para o blablablá da mídia.

A direita fez campanha falaciosa contra o Programa Nacional de Direitos Humanos? Tudo bem. Cortam-se alguns trechos polêmicos, tornam-se ambíguos outros e se transfere a decisão do que realmente importa — o balanço final da ditadura militar — para a Comissão da Verdade, na qual os adeptos da mentira não prevalecerão.

A direita fez campanha histérica contra as cotas raciais? Tudo bem. Aprova-se um Estatuto da Igualdade Racial água-com-açúcar, mas deixa-se a brecha para implementá-las como “ações afirmativas”.

A direita fez campanha hidrófoba contra o refúgio concedido a Cesare Battisti? Tudo bem. Deixa-se o caso esfriar e depois, quando ninguém está mais ligando, confirma-se a decisão do ministro da Justiça.

É o que convém a todos: no fundo, nada preocupa mais os Demóstenes que carregam os estandartes da direita do que sua imagem no day after. Se saem bem na foto ou ninguém se lembra mais do que diziam antes, o que lhes importam os ganhos não ostensivos dos ditos adversários?

Esta postura pragmática, desideologizada, resultaria até no plano internacional, pois foi Lula quem apontou o melhor caminho para se lidar com o programa nuclear do Irã.

Só que prevaleceu a intransigência de Israel, país que insiste em manter artificialmente a mentalidade da guerra fria em pleno século 21.

Graças ao poder econômico e de mídia concentrado nas mãos de judeus, Israel ainda consegue fazer suas idiossincrasias e paranóias determinarem decisões do governo dos EUA, das nações mais influentes e do Conselho de Segurança da ONU.

Mas, não passa de uma excrescência, de uma aberração que tem os dias contados.

Quem viver, verá: ou o estado judeu passa a respeitar os valores civilizados e o Direito internacional, convivendo com seus vizinhos ao invés de massacrá-los, ou vai acabar ensejando a aliança que o destruirá.

Também se verá que os períodos de pasmaceira não duram para sempre; a História há de engatar de novo sua marcha para a frente.

Nem que tenha de pegar no tranco: as consequências cada vez mais danosas da prioridade do lucro sobre os interesses superiores da humanidade haverão de forçar uma reação, pois, quando se chegar à beira do abismo, o instinto de sobrevivência do homem vai falar mais alto.

SEM RETROCESSO, MAS SEM FANTASIA

“Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer”
(Chico Buarque)
Previsivelmente, houve leitor deste blogue se manifestando contra meu posicionamento acerca da ex-companheira de VAR-Palmares e atual presidenciável no artigo Dilma aos investidores estrangeiros: nada muda na economia.

E, para um que escreve, há sempre vários outros que pensaram o mesmo e não se deram ao trabalho de escrever. Então, vale a pena deixar um pouco mais clara a questão.

A fala de Dilma aos investidores estrangeiros, ao garantir que, se eleita, nossa política econômica continuará seguindo os ditames do capitalismo globalizado, deve até ser elogiada pela sinceridade. Ao menos não nos tenta vender gato por lebre.

Mas, se o que Dilma promete, verdadeiramente, é manter a ortodoxia neoliberal que convém aos grandes empresários, aos banqueiros e ao agronegócio, por que devemos apoiá-la contra Serra? Qual a diferença entre ambos, em termos macroeconômicos? Nenhuma.

No primeiro turno, evidentemente, quem é contra a hegemonia capitalista poderá votar em algum candidato mais adequado ao seu perfil, como Plínio de Arruda Sampaio.

Aí, se o 2º turno for mesmo entre Dilma e Serra, só restará a um anticapitalista basear sua opção nos fatores secundários, já que o principal terá saído da pauta: nenhum deles se propõe a substituir o capitalismo por uma organização política, econômica e social fundada na igualdade, no primado do bem comum e na cooperação entre os homens. A desigualdade, a ganância e a competição continuarão intocadas.

Mesmo assim, entre o reformismo de Dilma e o chicote do Serra, a escolha será óbvia.

Para quem conhece as condições subumanas em que vegetam, mais do que vivem, tantos brasileiros, o Bolsa-Família e outros paliativos vão ser sempre melhores do que nada.

O que não podemos é acalentar ilusões de que por aí chegaremos a uma sociedade solidária e livre. Já se passou um século desde que Edouard Bernstein pregou a transição automática do capitalismo para o socialismo, com a progressiva ampliação das conquistas sociais.

E o que vemos é exatamente o contrário, como Rosa Luxemburgo previu: a desigualdade, o desperdício e o parasitismo estão piores do que nunca.

Com a agravante de que a atuação predatória do capitalismo sobre o meio ambiente cada vez mais ameaça extinguir a espécie humana.

Então, há, sim, motivo para nos empenharmos em evitar a vitória de José Serra, o ex-presidente da UNE que ousou colocar a tropa de choque da PM no campus da USP. Quem foi capaz disso, é capaz de qualquer coisa.

Mas, sem fantasia. Eleita Dilma, teremos de arregaçar as mangas e travar nossa luta onde ela deve ser travada, no seio da sociedade, pois não serão os governos que nos vão conduzir à terra prometida.

Se apostarmos todas as nossas fichas neles, continuaremos sempre longe do “tempo em que o homem seja amigo do homem”, sonhado por Brecht e pelos melhores seres humanos.

PARA ALÉM DA TRAGÉDIA ANUNCIADA

Uma leitora acusou-me de estar criticando o descaso do Rio de Janeiro com seus pobres por preferir que as Olimpíadas viessem para São Paulo.

Não, nunca fui dado ao bairrismo. Preocupo-me mesmo é com a sina dos miseráveis.

Penso sempre em quão inúteis são os sacrifícios e tormentos que os homens infligem aos homens.

No Brasil, p. ex., temos áreas imensas para ocupar, de forma consciente, sem prejuízo do verde que te quiero verde.

Por que nos concentrarmos em cidades que deixam de ser maravilhosas exatamente pelo excesso de gente?

Por que não nos espalharmos, morando em núcleos dedicados, cada um, a determinada faina?

Nos primórdios da industrialização, as vilas operárias erguiam-se ao lado das fábricas.

Na Mooca da minha infância morava boa parte dos trabalhadores do grande cotonifício lá instalado. Como meu pai, que levava 15 minutos para caminhar até seu emprego.

Hoje, as pessoas mais pobres são as que residem a uma distância maior do seu ganha-pão. Chegam a perder até quatro horas no ir e vir. Para quê?

E qual a necessidade de habitarem em áreas de risco, quando poderiam estar residindo em segurança?

Nenhuma. Pois, já estão dadas todas as condições para os homens reconstruírem o mundo de forma equilibrada, harmoniosa e justa, garantindo a cada indivíduo deste sofrido planeta uma morada decente, alimentação suficiente, educação e saúde, utensílios e lazer, tudo que hoje associamos à vida civilizada.

Basta eliminarmos o que é inútil e direcionarmos o labor humano para a produção do essencial.

Ao longo dos milênios, os seres humanos tiveram como principal motivação, na luta contra a necessidade, a obtenção de melhores condições materiais que a dos vizinhos. Como a cenoura erguida à frente do burro para que ele puxe a carroça, isto fez a humanidade avançar, quando ainda não havia o suficiente para todos viverem igualmente bem.

Hoje há. A barreira da necessidade foi transposta pelos avanços científicos e tecnológicos dos dois últimos séculos. Então, o que impede o homem de alçar-se a um patamar superior de civilização não é mais a carência do básico, mas o desvio do esforço humano para o supérfluo, em detrimento dos enormes contingentes humanos colocados à margem do progresso.

Que proveito o homem comum tira da existência dos bancos, da publicidade, de quase todas as burocracias, da indústria bélica?

Nenhum. São atividades desnecessárias, como tantas outras. Nada perderíamos com sua supressão, por obsolescência.

Organizando-se para disponibilizar apenas o que é realmente necessário, os homens poderiam dar sua contribuição à coletividade numa jornada de trabalho muito menor do que a atual — e em condições realmente humanas, não estafantes e/ou estressantes.

Teriam tempo de sobra para buscar o que quisessem acrescentar a suas vidas: um convívio realmente humano com seus semelhantes, cultura, esportes, dança, ioga, o que preferissem.

Até o luxo, por que não? Desde que o conseguissem obter sem que isto implicasse privar outro cidadão do essencial, como agora.

Tudo depende de uma mudança de prioridades:

  • o bem comum como medida de todas as coisas, em lugar da desigualdade e da ganância;
  • a racionalidade, em lugar da anarquia do mercado;
  • a cooperação, em lugar da competição;
  • a tomada das principais decisões pela própria comunidade, em lugar da delegação de poderes a profissionais;
  • a coexistência harmoniosa com a natureza, em lugar da sua devastação.

É viável? Sim, sem dúvida. Como dizia uma velha canção do Vandré: “é só saber querer/ pra poder chegar”.

Se os homens forem se unindo aos poucos, com as premissas corretas, poderão tomar seu destino nas mãos — sem prejuízo da liberdade, da qual ninguém realmente civilizado hoje abre mão.

Ainda mais quando as agressões insensatas à natureza estão colocando em risco o próprio futuro da espécie humana. A união acabará sendo obrigatória, como alternativa à extinção.

Ou alguém acredita que os atuais poderes planetários conseguirão, p. ex., reduzir as emissões dos gases causadores das alterações climáticas a um patamar seguro, na contramão dos interesses de várias indústrias?

ENTROPIA

“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!

“(…) Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

“(…) E é assim que acaba o mundo
E é assim que acaba o mundo
E é assim que acaba o mundo
Não com estrondo, mas com um suspiro.
(“Os Homens Ocos”, T. S. Eliot)

Às vésperas do carnaval, fim de tarde, uma ventania com intensidade que eu jamais vira arrancou do trilho uma das lâminas da porta de correr do meu apartamento, atirando-a violentamente contra o sofá.

O vidro espalhou-se por toda sala, juntamente com a chuva que passou a entrar, torrencial.

Saí em busca de material para fazer uma proteção provisória, que nos permitisse atravessar a noite.

Árvores caídas, semáforos desligados, um muro tombado, buzinas, congestionamento infernal.

Telefone, internet e TV a cabo out.

Horas depois, ruas e avenidas ainda sem iluminação. Cavaletes e avisos improvisados alertando os motoristas contra as novas crateras.

No dia seguinte, maratona de telefonemas para vidraceiros das redondezas, depois até de bairros distantes. Todos eles, depois do vendaval, com serviço para mais de uma semana.

Lá pelo trigésimo, bingo! Mas, fiquei com a suspeita de que as coisas jamais voltarão verdadeiramente ao normal.

Que, doravante, estaremos sempre botando a casa em ordem… para vê-la de pernas pro ar no momento seguinte.

E o noticiário segue repleto de ocorrências muitíssimo piores, no mundo inteiro.

As catástrofes naturais que já aconteciam, agora têm ímpeto muito mais devastador.

As que não ocorriam, passaram a suceder.

Mas os podres poderes — cujo papel é perpetuar a competição, a ganância e o privilégio — não reagem como deveriam, para ao menos evitar que a vingança da natureza sele o fim da espécie humana.

Pois já não existe dúvida nenhuma de que a humanidade muito sofrerá durante, pelo menos, algumas décadas.

Por mais que a imprensa evite constatar que dois e dois somam quatro, todos temos a sensação de que o apocalypse now está chegando muito mais depressa do que supõe nossa vã ciência.

E os homens nem de longe se dão conta de que, ou se unem e tomam o destino nas mãos, ou os governos continuarão cavando suas sepulturas.

Olho para minhas doces filhas e fico me indagando se atingirão minha idade.

Se ainda haverá seres humanos no planeta daqui a meio século, em nossa contagem de tempo… que talvez nada mais seja.

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE MARINA SILVA

Marina Silva é colunista da Folha de S. Paulo. Mas, ao contrário de José Sarney, cujos artigos oscilam entre a vacuidade ornamental (quase todos) e o jus sperniandi de quem foi merecidamente condenado no tribunal da opinião pública (quando defende sua indefensável atuação parlamentar), Marina Silva tem o que dizer.
O de hoje, Conversa circular (acessar aqui), dá conta de que as iniciativas internacionais contra o aquecimento global continuam tímidas. Ela constata “o ritmo lento desses avanços, insuficiente para o tamanho e a urgência do problema”.

Marina quer que o mundo chegue a 2020 com a emissão dos gases poluentes 25% a 40% menor do que a registrada em 1990. E parece considerar que bastará isso para que a temperatura média global não suba mais que dois graus acima da que existia anteriormente à revolução industrial.

Diz Marina que, ultrapassada a barreira dos 2ºC, o Brasil teria sérios problemas com o equilíbrio do sistema hídrico, comprometendo “nossa matriz energética limpa”.

A mim me parece que, ultrapassada a barreira dos 2ºC, o Brasil e o mundo teriam sérios problemas com catastrófes em escala nunca vista, aniquilando enormes contingentes humanos e condenando outros ao desabrigo e à fome.

No fundo, o que vemos é um monumental chutômetro dos ditos especialistas e das ditas autoridades, em escala global. Ninguém mostra firmeza quanto ao terreno em que está pisando, mesmo porque se trata de um desafio totalmente novo.

O bom senso nos aconselha a tomarmos as piores projeções como as mais prováveis e agirmos em função delas. Por um motivo simples: se as superestimarmos, teremos apenas feito mais rapidamente que o necessário aquilo que deveria mesmo ser feito; se as subestimarmos, colocaremos a espécie humana em risco de extinção. É simples assim.

Mas, contrapõem os advogados do diabo, digo, do capitalismo, a concentração de esforços e recursos na área ambiental se dará em detrimento das iniciativas contra a miséria, então 3 bilhões de miseráveis morrerão.

O comezinho bom senso nos socorre de novo. Faltam ao mundo recursos para, simultaneamente, erradicar-se a pobreza e reduzirem-se drasticamente as emissões de gases poluentes? Ou isto só é impossível mantida a escala de valores capitalista, segundo a qual a obtenção do lucro conta mais do que a satisfação das necessidades humanas (e, em última análise, até do que a sobrevivência da humanidade)?

O certo é que, priorizando o bem comum e a coexistência harmoniosa com o planeta, temos, sim, potencial produtivo suficiente para proporcionar a cada ser humano uma existência digna e segura. Mas, mantidas as prioridades atuais, talvez não haja século 22.

Ter colocado o mundo à beira do precipício é um dos motivos mais gritantes pelos quais o capitalismo deve ceder lugar a um sistema econômico coletivista. Daí a insistência de certos analistas em negarem ou minimizarem o perigo com que nos defrontamos. São as sereias que, insensivelmente, tentam nos atrair para a morte.

Quanto a Marina, parece-me um pouco ingênua quando, p. ex., contrasta a atitude dos senhores do mundo, de empurrarem com a barriga as decisões relativas às questões ambientais, com a premência demonstrada na atual crise global do capitalismo, quando têm disponibilizado rios de dinheiro para evitar que a recessão vire depressão.

Até agora a ficha não parece ter caído para ela: é assim que agirão até o fim. Ou tomamos o destino da humanidade nas mãos, ou eles o continuarão comprometendo até o ponto de não-retorno. Se ficarmos esperando que ouçam a voz da razão, ai de nossos descendentes!

Quanto às pretensões políticas de Marina, discordo daqueles que tentam desqualificá-la como samba de uma nota só. Infelizmente, essa nota só (os desequilíbrios ambientais) se tornou um problema maior do que todos os priorizados pela vã politicalha desses detratores.

Mas, não vejo a Presidência da República como a melhor trincheira para ela nas lutas a serem travada daqui para a frente. É uma função esvaziada, figurativa, que hoje se submete às decisões do poder econômico no fundamental e só tem autonomia para administrar as miudezas do dia a dia.

Tanto quanto Heloísa Helena, não terá papel de protagonista nas encenações da política oficial enquanto se mantiver coerente com seus ideais. E, se abrir mão deles para virar estrela, deixará de representar uma esperança em dias melhores.

Esqueça os palcos do poder e venha para as ruas conosco, Marina! É aqui que você pode fazer a diferença. E é aqui, e só aqui, que podemos construir uma História diferente para nosso sofrido povo.