Zefirelli assumiu que era “promíscuo”… |
O franco-atirador: arte ou lavagem cerebral? |
O amigo Jairo Ferreira foi na minha cola e se deu mal… |
Ou o cinema nos desafia, ou não é nada. |
Zefirelli assumiu que era “promíscuo”… |
O franco-atirador: arte ou lavagem cerebral? |
O amigo Jairo Ferreira foi na minha cola e se deu mal… |
Ou o cinema nos desafia, ou não é nada. |
O jornalista Paulo Francis estava certíssimo ao qualificar a sociedade de consumo de inferno pamonha, ou bocó. Acertou na mosca.
Até a segunda metade do século passado, as criticadas elites procuravam, pelo menos, tornar o cidadão comum melhor do que era. Podia-se, claro, discordar do tipo de melhora que tinham em mente, mas não do conceito de que nossa jornada na Terra deva ser evolutiva. Não nascemos prontos, construímo-nos ao longo da vida.
A sociedade de consumo modificou para pior, bem pior, tal equação.
Os homens deixaram de ser tratados como cidadãos. Passaram a ser encarados, isto sim, como consumidores. Não são mais gente, são mercado.
Então, não se questionam mais seus desejos. Se alguém estiver querendo comprar, haverá alguém disposto a vender. Literalmente tudo, seja às escâncaras ou por baixo do pano.
Em termos psicológicos, isto significa, simplesmente, que as pessoas são mantidas numa eterna infância. Não superam mais o narcisismo inicial. Não encontram mais a justa medida entre o que querem e o que podem. Não aprendem que sua felicidade depende da felicidade dos outros, que sua satisfação e seu prazer serão muito mais completos se compartilhados.
Ao mesmo tempo, os objetos de consumo pelos quais tanto anseiam nunca são plenamente satisfatórios. E as vítimas da engrenagem infernal do sistema passam a vida inteira correndo atrás do que jamais obtêm, adquirindo o que não precisam e trabalhando sofregamente sem que haja justificativa real para tanto estresse e tanto enfarte.
Este é o motivo maior do declínio da esquerda nas últimas décadas. O que oferecíamos era uma perspectiva de sociedade melhor, na qual as pessoas se tornariam melhores: era o ideal do homem novo.
Os consumistas passam a vida apaixonados pelo próprio umbigo e querendo ter o mundo como espelho, pois anseiam pateticamente por verem-se nele refletidos. Não o pretendem melhorar, o que gostariam é de melhorar a própria posição numa sociedade desumana e injusta. Vai daí que hoje são bem poucos os que se dispõem a dedicar a vida aos grandes ideais.
Há meio século a Escola de Frankfurt previu que chegaríamos exatamente a este inferno pamonha, no qual os indivíduos perderiam o controle sobre suas próprias vidas, sem nem mesmo atinarem com os motivos de sua infelicidade, mesmerizadas pela influência atordoante da indústria cultural.
O que fazer? –indagaria Lênin.
Herbert Marcuse apostava que tal manipulação cientificamente implementada seria capaz de evitar que a maioria formasse uma consciência crítica, mas não que acontecessem, em determinadas circuntâncias, explosões espontâneas de revolta. Não dá para represar-se tudo. E as contradições insolúveis do capitalismo estão aí para fornecerem os estopins de tais explosões espontâneas; caso da crise econômica global.
Como nós, da esquerda, devemos nos comportar nos intervalos entre tais explosões espontâneas, nas marés vazantes, quando as massas não estiverem dispostas a nos acompanharem em voos mais altos?
É uma questão crucial.
Podemos manter a coerência com nossos ideais e, mesmo não influindo decisivamente nos acontecimentos políticos, continuarmos contestando as injustiças sociais, as formas mais sofisticadas de exploração do homem pelo homem que hoje predominam, a desumanização que o capitalismo promove e barbárie à qual nos conduz. Assim, estaremos nos qualificando para liderar contingentes mais amplos quando estes acordarem do coma induzido pelo sistema.
Há os que preferem combater o monstro com as armas do monstro, acreditando que não se tornarão monstruosos. No entanto, acabam é igualando-se ao que combatem. Não mudam o mundo; são mudados pelo mundo.
Se o que os eleitores queriam era um monstro… |
É chocante, p. ex., vermos as eleições se tornarem uma disputa de quem melhor se encaixa no perfil de candidato identificado exatamente pelos métodos que as empresas utilizam para avaliar a viabilidade de produtos: pesquisas qualitativas e as inferências dela extraídas pelos analistas.
Na eleição paulistana, o produto assim determinado como o de maior aceitação potencial no mercado seria um candidato ao mesmo tempo novo e conservador.
Isto explica o empenho do Lula em impor o Fernando Haddad, que nem de longe tem a cara do PT, mas se encaixa na imagem do novo.
O PMDB também apostou numa figura de galã de telenovela, Gabriel Chalita.
O PSDB pensou que desse para maquilar o (hoje) conservador José Serra, fazendo-o parecer bem mais novo do que é. Botou-o para pedalar, para subir em skates, para bater pênaltis, etc., mas a mágica besta não funcionou: ele quase caiu do skate, isolou o sapato e mergulhou o ridículo, tornando-se o alívio cômico da campanha na internet.
Como já tinha a preferência de cabresto dos evangélicos zumbificados e dos videotas acostumados a vê-lo posar de paladino dos consumidores, o novo conservador para o qual o eleitorado está pendendo é Celso Russomanno.
Pior: com parcela substancial de votos tradicionalmente petistas.
Então, é hora de o PT fazer uma profunda reflexão sobre se compensou abandonar as candidaturas ideológicas e aderir às candidaturas de consumo.
…encontraram: esta imagem atesta o acerto da escolha. |
Antigamente, quem votava no PT era por acreditar nos ideais e posturas do PT. O partido era o fator decisivo.
Agora, o candidato petista é propagandeado da mesmíssima forma e faz as mesmíssimas promessas mirabolantes dos centristas, direitistas e dos meros fisiológicos. Não tem mais sequer os cabos eleitorais voluntários, precisa contratar tarefeiros.
Então, quando a figura não convence, como o insosso Haddad, o atual eleitorado petista migra insensivelmente para um antípoda ideológico como o Russomanno.
E, se um dia houver crise grave, nestes tristes trópicos em que o golpismo nunca se torna prática definitivamente sepultada, jamais lutará pelo governante que escolheu.
O grande Plínio de Arruda Sampaio certa vez colocou o dedo na ferida: valeu a pena o PT ter chegado à Presidência com o compromisso de manter intocada a política econômica neoliberal, ou seja, limitado a gerenciar os negócios capitalistas como um FHC o faria?
Da mesma forma, não seria melhor, vencendo ou perdendo a eleição, educar o eleitorado, tentando convencê-lo de que precisa, isto sim, de um contestador, pouco importando se novo ou velho? Pois, prostrando-nos desta forma aos humores momentâneos das massas, o que faremos quando a maré for fascista? Escolheremos um candidato que seja clone do Mussolini?!
Há dois milênios, Jesus Cristo já dizia que não: “O que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?” (Mateus, 26:16).
O teatrólogo Luís Alberto de Abreu, meu amigo há quatro décadas, diz que os participantes da política oficial fazem pôse de direitistas, centristas ou esquerdistas, mas isto é meramente para consumo externo. Entre eles, estão sempre unidos na defesa dos seus privilégios imorais e maracutaias escandalosas. Sua verdadeira prioridade é manterem-se no lugar. Seus verdadeiros inimigos são os que tentam tomar-lhes o lugar.
Foi o que pensei num dia destes, quando ocorreu-me de estar esperando a chegada de um companheiro à Assembléia Legislativa; sem coisa melhor para fazer, fui matar tempo assistindo à sessão.
Meia dúzia de deputados presentes, numa tarde de dia útil.
Vem um direitista qualquer e pede ao presidente que inclua nas atas uma relação de vítimas da esquerda. Acaba o pronunciamento e some.
Vem um esquerdista e pede ao presidente que inclua nas atas uma relação de vítimas da direita. Depois fala sobre outras coisas.
Ninguém pede aparte, ninguém mostra desagrado, ninguém liga. Nada além de um ritual burocraticamente cumprido, sem a mínima emoção. Já vi enterros mais animados.
Ambos terão serviço para mostrar a seus eleitores, na próxima temporada de caça ao voto: “Olha as verdades que atirei na cara do inimigo!”.
Como a coisa se avacalhou tanto, com os Poderes da Nação sendo reduzidos ao espetáculo grotesco que hoje nos oferecem o Executivo, Legislativo e Judiciário?
Marcuse explica: com a imposição avassaladora do poder econômico sobre os três. Estão satelizados. Foram domesticados.
Daí minha irrisão cada vez que se fala em CPI para apurar algum dos infinitos esquemas de corrupção existentes.
Num bom filme que pouca gente notou, Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz (d. Paulo Gil Soares, 1967) a prosperidade fajuta que a descoberta do petróleo trouxe a um vilarejo longínquo não ilude a um menino. Em pleno banquete, ele não consegue mastigar a comida, vistosa mas falsa. E grita: “É tudo mentira! É tudo mentira!”. Num átimo, toda a riqueza recente desaparece e os cidadãos se descobrem vestidos com as roupas velhas, tão miseráveis como antes.
Único espectador da sessão do Legislativo paulista –havia uns dez alunos do ensino médio que estavam pagando mico e abriram largos sorrisos quando puderam ir embora–, também tive vontade de gritar: “É tudo mentira! É tudo mentira!”.
Seria inútil, pois vaias e protestos não mais chegam a seus ouvidos. A platéia foi isolada do palco por um enorme vidro, deixando a trupe mambembe totalmente a salvo da insatisfação do público.
E, como peixes num aquário, eles continuam executando movimentos totalmente vãos para todos, exceto para eles mesmos.
A internet até permite que um cidadão consciente acesse notícias com verdadeira relevância, mas a grande imprensa pinça, para destacar, quase sempre as que realmente não importam nem levam a lugar nenhum (parafraseando um verso do saudoso Raulzito). E são estas que fazem a cabeça da maioria bovinizada.
Vide, p. ex., este despacho de agora há pouco da Agência France Press, que certamente será pouquíssimo aproveitado no noticiário da grande imprensa, pois a compaixão e a solidariedade não convêm ao sistema:
“As medidas de austeridade aplicadas pelo governo português ameaçam os direitos humanos e afetaram de maneira ‘desproporcional’ os jovens, as pessoas idosas e os ciganos, considerou o comissário europeu de Direitos Humanos após uma visita a Portugal.
‘A austeridade orçamentária afetou de maneira desproporcional os direitos dos grupos mais vulneráveis, em particular os jovens, as pessoas idosas e os ciganos’, concluiu Nils Muiznieks em um comunicado após uma visita de três dias a Portugal.
‘O que é essencial é colocar os direitos humanos no centro da estratégia econômica, sobretudo em um contexto de austeridade, para não esquecer dos mais vulneráveis’, disse o comissário à AFP.
‘É preciso mudar a política se vemos que seu efeito nos grupos mais fracos é desproporcional’, acrescentou.
Enfraquecido pela crise da dívida, Portugal obteve em maio de 2011 uma ajuda da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional de € 78 bilhões (cerca de US$ 101 bilhões).
Em troca, deve aplicar uma política rigorosa, o que provocou um aumento da taxa de desemprego, que supera atualmente 15% da população economicamente ativa.
‘Incentivei o governo português a tomar medidas para evitar o reaparecimento da exploração infantil’, citou o comissário, que também se preocupou com o destino de entre 40 mil e 60 mil ciganos que vivem em Portugal e que são, muitas vezes, discriminados“.
E, como nos tempos nefandos da ditadura militar, trago sempre comigo e tento sempre fazer ecoar a indignação dos justos, “um grito que cresce/ cada vez mais na garganta,/ cravando seu travo triste/ na verdade do meu canto” (Thiago de Mello).
Vivo para o dia em que o cidadão comum afinal compreenderá a verdade tão bem enunciada por Glauber Rocha em Terra em Transe, pela boca do poeta Paulo Martins (Jardel Filho):
“Não é mais possível esta festa de medalhas, este feliz aparato de glórias, esta esperança dourada nos planaltos. Não é mais possível esta festa de bandeiras com guerra e Cristo na mesma posição! Assim não é possível, a impotência da fé, a ingenuidade da fé.
Somos infinita, eternamente filhos das trevas, da inquisição e da conversão! E somos infinita e eternamente filhos do medo, da sangria no corpo do nosso irmão!
E não assumimos a nossa violência, não assumimos as nossas idéias, como o ódio dos bárbaros adormecidos que somos. Não assumimos o nosso passado, tolo, raquítico passado, de preguiças e de preces. Uma paisagem, um som sobre almas indolentes. Essas indolentes raças da servidão a Deus e aos senhores. Uma passiva fraqueza típica dos indolentes.
Não é possível acreditar que tudo isso seja verdade! Até quando suportaremos? Até quando, além da fé e da esperança, suportaremos? Até quando, além da paciência, do amor, suportaremos? Até quando além da inconsciência do medo, além da nossa infância e da nossa adolescência suportaremos?“
É de Norman O. Brown a tese de que o capitalismo, em sua fase terminal, tornou-se agente da destruição da humanidade.
“O mundo está ‘perigosamente’ despreparado para lidar com futuros desastres naturais, advertiu a agência de desenvolvimento internacional da Grã-Bretanha. A agência britânica informou que o despreparo é causado pela ausência de contribuição dos países ricos ao fundo de emergência mundial.O fundo de emergência é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas, criada como resposta a tsunamis, com o objetivo de auxiliar regiões afetadas por desastres naturais.De acordo com informações de funcionários da ONU, o fundo emergencial sofre com um déficit equivalente a R$ 130,5 milhões para 2012.A escassez do fundo, segundo especialistas, tem relação direta com a série de tragédias naturais que ocorreram ao longo de 2011, como o tsunami seguido por terremoto no Japão; a sequência de tremores de terra na Nova Zelândia, enchentes no Paquistão e nas Filipinas e fome no Chifre da África.Ontem (26) peritos japoneses e estrangeiros concluíram que medidas de precaução adequadas poderiam ter evitado os acidentes radioativos, na Usina de Fukushima Daiichi, no Nordeste do Japão, em 11 de março deste ano……Segundo eles, houve falhas no que se refere às influências de terremotos e tsunamis na estrutura física da usina“.
Resumo da opereta: o lucro é a prioridade máxima, dane-se a nossa sobrevivência! A mesma lógica perversa se constata numa infinidade de outras ocorrências. O capitalismo nos obriga a flertar com a morte.
Transgride-o e o transcende, empurrando os domesticados seres humanos para uma convivência amorosa/harmoniosa com o(a) outro(a) –e, por extensão do mesmo clima, com todos os demais e com a natureza.
Impelindo-os, enfim, à aventura da libertação.
“A grande crise do capitalismo virá quando chegar a catástrofe ambiental. Penso que haverá desastres cada vez mais frequentes e profundos. Haverá um momento de virada na história, uma espécie de barbárie ou alguma forma de regulação global dos mercados. (…)
Não sei quando isso acontecerá, mas essa será a crise de fundo do capitalismo: destruir as condições de sua própria existência, destruindo o ambiente, modificando condições que nunca deveriam ter sido modificadas.“
Agora, podemos estar diante de uma situação semelhante. O capitalismo se torna cada vez mais pernicioso e destrutivo, porque esgotou seu papel histórico e tem sobrevida parasitária.
“Estive em Barcelona e vi os indignados. Agora também em Wall Street. São muito similares. Resistem a se engajar no sistema político, em levantar temas políticos…Todos esses movimentos refletem uma era de exclusão. (…) O centro de gravidade desses movimentos são os excluídos, os desempregados, estudantes semiempregados, juventude desempregada, até membros precários da classe média. É um conglomerado de grupos diferentes todos vivendo um estado de precariedade porque foram excluídos da possibilidade de ter uma posição estável [dentro do sistema, pois esta se tornou] um privilégio para poucos.
…É um movimento muito fluido e flexível. (…) Há espontaneidade, flexibilidade. É fascinante. Aparecer, desaparecer. É parte de sua força e de sua fraqueza.
…os participantes são de esquerda, são radicais democratas participativos, que preferem estruturas horizontais a verticais. Protestam contra o capitalismo que enxergam ao seu redor“.
Eis os parágrafos iniciais da notícia Brasileiro produz abaixo da média mundial, de Mariana Schreiber, Folha de S. Paulo:
“A produtividade do trabalhador brasileiro está abaixo da média mundial e tem evoluído em ritmo bem menor do a que a dos trabalhadores de outros países emergentes.Um brasileiro produziu no ano passado, em média, um quinto da riqueza gerada por um americano, um terço da de um sul-coreano e cerca da metade da de um argentino, calcula a consultoria americana Conference Board.De 2005 a 2010, a produtividade do brasileiro cresceu em média 2,1% ao ano, taxa inferior as de China (9,8%), Índia (5,8%) e Rússia (3,2%).Segundo economistas, isso ajuda a explicar a perda de competitividade do produto brasileiro e o aumento da inflação no país. Na medida em que a remuneração cresce mais rápido que a produtividade, produtos e serviços tendem a ficar mais caros“.
E uma questão mais geral: produzir mais para quê, se o volume do que o mundo inteiro produz é mais do que suficiente para a quantidade de seres humanos existente? O xís da questão é o que se produz e como se reparte.
Nas barricadas parisienses, gritando slogans como “a imaginação no poder” e “é proibido proibir”, muitos estudantes erguiam as bandeiras negras do anarquismo, que marcara forte presença nos movimentos revolucionários do século 19, mas havia perdido terreno desde a vitória do bolchevismo em 1917.
A tentativa de construção do socialismo em países isolados e economicamente atrasados já se evidenciava desastrosa, por degenerar em totalitarismo. A URSS e seus satélites, bem como a China e Cuba, sacrificavam uma das principais bandeiras históricas das esquerdas, a liberdade, para priorizarem a outra, a igualdade.
E nem a esta última conseguiam ser totalmente fiéis. Propiciavam, sim, melhoras materiais significativas para os trabalhadores, mas nem de longe extinguiram os privilégios, tornando-os até mais afrontosos ao substituírem as antigas classes dominantes por odiosas nomenklaturas (as camadas dirigentes do partido único e as burocracias governamentais, que se interpenetravam e coincidiam na justificativa/imposição de seu status de mais iguais).
O desencanto dos jovens europeus com o socialismo real se somou à constatação de que o proletariado industrial das nações prósperas se tornara baluarte, e não inimigo, do capitalismo. Seduzido pelos avanços econômicos que vinha obtendo, preferia tentar ampliá-los do que apostar suas fichas numa transformação radical da sociedade. Ou seja, face à célebre alternativa de Rosa Luxemburgo – reforma ou revolução? – os aristocratizados operários do 1º mundo optaram pela primeira, como Edouard Bernstein previra.
Em termos teóricos, o filósofo Herbert Marcuse já dissecara tanto o desvirtuamento do marxismo soviético quanto a transformação do capitalismo avançado num sistema impermeável à mudança, a partir da sedução do consumo, da eficiência tecnológica e da influência atordoante da indústria cultural, que estava engendrando um homem unidimensional (incapaz de exercer o pensamento crítico).
Foi ele a grande inspiração dos jovens contestadores de 1968, mesmo porque praticamente augurara sua entrada em cena, assumindo o papel de vanguarda que o proletariado deixara vago.
Para Marcuse, somente os descontentes com a sociedade (pós) industrial – intelectuais, estudantes, boêmios, poetas, beatniks e demais outsiders – perceberiam seu totalitarismo intrínseco e seriam capazes de revoltar-se contra ela. Os demais, partícipes do sistema como produtores e consumidores, seguiriam mesmerizados por sua racionalidade perversa.
O diagnóstico de Marcuse acabaria sendo melancolicamente confirmado quando esses descontentes colocaram a revolução nas ruas de Paris e o proletariado lhes voltou as costas, preferindo arrancar pequenas concessões de De Gaulle do que apeá-lo do poder. O Partido Comunista Francês, quem diria, desempenhou papel decisivo na manutenção do status quo, ajudando a salvar o capitalismo na França.
Mas, o esmagamento das primaveras de Paris e de Praga não conteve o impulso dessa nova maré revolucionária, que continuou pipocando nos vários continentes, com especial destaque para a contracultura e o repúdio à Guerra do Vietnã por parte da juventude estadunidense.
Foi, principalmente, nos EUA que os novos anarquistas se lançaram à criação de comunidades urbanas e rurais para praticarem um novo estilo de vida, solidário e livre. Substituíam os antigos laços familiares pela comunhão grupal – ou, como diziam, tribal – e dividiam fraternalmente as tarefas relativas à sua sobrevivência, tal como sucedia nas colônias cecílias de outrora.
A idéia era a de irem expandindo a rede de territórios livres até que engolfassem toda a sociedade. Então, em vez de colocarem a tomada do poder como ponto-de-partida para as transformações sociais, deflagradas de cima para baixo, eles pretendiam expandir horizontalmente seu modelo, pelo exemplo e adesão voluntária (nunca pela coerção!), até que se tornasse dominante.
Acreditavam que, descaracterizando seus ideais para conquistarem os podres poderes, os revolucionários acabavam sendo mudados pelo mundo antes de conseguirem mudar o mundo. Então, era preciso que ambos os processos ocorressem simultaneamente: deveriam construir-se como homens novos à medida que fossem construindo a sociedade nova.
Esse anarquismo renascido das cinzas e atualizado foi o último grande referencial revolucionário do nosso tempo, daí despertar até hoje a simpatia dos jovens que buscam a saída do inferno pamonha do capitalismo (uma definição antológica do Paulo Francis!) e a ojeriza daquela esquerda que ainda se restringe aos projetos de conquista do poder político.
A questão é se, como em outras circunstâncias históricas, a maré revolucionária será novamente retomada a partir do último ápice atingido (mesmo que com intervalo de décadas entre os dois ascensos).
Os artistas, antenas da raça, crêem que sim. Desde o genial cineasta suíço Alain Tanner (Jonas, Que Terá 25 Anos no Ano 2000), para quem as vertentes e tendências de 1968 voltarão a confluir, reatando-se os fios da História; até nosso saudoso Raul Seixas, que nos aconselhava a tentarmos outra vez e tantas vezes quantas fossem necessárias, não dando ouvidos às pregações tendenciosas da mídia contra a geração das flores e das barricadas.
Esta digressão, que começou citando uma pungente canção de Vandré, merece ser encerrada com um desabafo, que talvez venha a se revelar profético, do bravo guerreiro Raulzito: “Todo jornal que eu leio/ Me diz que a gente já era/ Que já não é mais primavera/ Oh baby, oh baby,/ A gente ainda nem começou”.
(artigo que escrevi em abril/2008, quando a Primavera de Paris completava 40 anos)
“A polícia chamada ao local apreendeu facilmente Chapman, (…) sorrindo, certo (e está certíssimo) que do anonimato se tornará, como Lennon, uma celebridade. Esse o motivo aparente do crime. O canibalismo de celebridades que é rotina neste país (e no Brasil e todo o mundo ocidental), graças a um sistema de comunicações que evita assuntos sérios, mas que fornece um ‘circo’ permanente, obsessivo, avassalador, sobre a vida dos bem-sucedidos e ricos, excitando sentimentos contraditórios da adoração bocó dos fãs, à frustração homicida que às vezes se manifesta à la Chapman”.
Hoje a Folha não critica mais o inferno pamonha, pois assumiu tranquilamente o papel que nele lhe cabe: direcionando-se para um público um tantinho mais sofisticado, não evita os assuntos sérios, mas lhes dá tratamento circense, com indisfarçável pendor para as provocações pueris e sólida blindagem contra o pensamento verdadeiramente crítico.
Marcuse explica:
“….a dominação — disfarçada em afluência e liberdade — se estende a todas as esferas da vida pública e privada, integra toda oposição autêntica, absorve todas as alternativas. A racionalidade tecnológica… [se torna] o grande veículo de melhor dominação, criando um universo verdadeiramente totalitário, no qual sociedade e natureza, corpo e espírito são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo.
…Pois ‘totalitária’ não é apenas uma coordenação política terrorista da sociedade, mas também uma coordenação técnico-econômica não terrorista, que opera através da manipulação das necessidades por interesses adquiridos“.
A influência atordoante, mesmerizante e — vamos falar claro — imbecilizante da indústria cultural tem sido fundamental para a reprodução desse universo verdadeiramente totalitário…
Quanto mais o capitalismo putrefato se evidencia como ameaça terrível à sobrevivência da humanidade, mais se impõe uma releitura dos proféticos autores que há décadas nos alertaram: perpetuando-se para além do esgotamento de sua função histórica, o capitalismo assumiria na sobrevida o papel de agente do instinto de morte.