Delfim Netto

VÃO SURGINDO OS NOMES DO MINISTÉRIO FIM DE FEIRA

Para atrair tico-ticos o fubá do Palácio do Planalto serve…
Segundo mandato presidencial no Brasil costuma ser fim de feira, mas Dilma Rousseff não precisava exagerar. Os nomes que vão sendo definidos para o seu novo Ministério parece que conseguirão o impossível: fazer-nos sentir saudades do anterior…
Para pilotar a economia em transe, dois subalternos de governos anteriores, os esforçados Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento). Igualzinho a time de futebol sem banco de reservas à altura: quando o titular é convocado para a Seleção, o técnico bota um garoto da base e fica rezando para dar certo. Deus dificilmente atende. 
Milagreiro dos milicos pode ser ministro de fato. De direito, não.
Fico surpreso por ela não ter recorrido ao Delfim Netto, eminência parda da política econômica nos dois primeiros governos do PT.  Pelo menos, já está acostumado a jogar no time principal.
Talvez seja apenas para não associar-se de forma tão explícita à nefanda ditadura militar. Por baixo do pano pode, conforme reza o evangelho segundo Lula: bastaria botar um Antonio Palocci qualquer fingindo dar as ordens, enquanto estivesse seguindo aplicadamente as diretrizes traçadas por quem é do ramo.
Mas, se o motivo for a péssima reputação do gordo signatário do AI-5, o que dizer da escolha da grande dama do agronegócio selvagem, Kátia Abreu, para o Ministério da Agricultura? Aí eu não entendo mais nada…
Por que não mudar o nome para Ministério do Agronegócio?
Finalmente, como Dilma é bem diferente de Marina Silva e Aécio Neves (a quem ela atribuía vassalagem ao grande capital), o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio será Armando Monteiro, a menina dos olhos da Confederação Nacional da Indústria. 
E o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, só não ficou com a Pasta da Fazenda porque não quis. Entre o poderoso chefão Lázaro Brandão e a presidenta da República, ele preferiu obedecer ao primeiro. Entre o poder econômico e o poder político, ele sabe muito bem quem realmente manda no Brasil
Mais fim de feira, impossível.

LIVRE PENSAR É SÓ PENSAR

Leio diariamente a Folha de S. Paulo, porque tive a sorte de contratar o provedor UOL no comecinho, quando o livre acesso à Folha e à veja fazia parte do pacote.
A Folha saiu fora desta jogada há muito tempo, mas continuou honrando o compromisso assumido: quem tinha adquirido o direito, o manteve.
A veja o desonrou, passando a dar acesso gratuito à edição de um sábado apenas a partir da 6ª feira seguinte. Até nisto se tornou uma revista picareta, para quem o solenemente pactuado entre duas partes não vale nada.
Às vezes vou também no portal do Estadão, da IstoÉ e da Época, geralmente atrás de uma informação específica. E, claro, acompanho o noticiário do UOL.
Fiz esta introdução porque, nesta 4ª feira, a Folha traz um bom número de textos que dão o que pensar. Vale a pena dar uma refletida em cima deles.
ELEIÇÕES: QUADRO ESTABILIZADO.
Sobre as eleições, a nova pesquisa do Ibope mostra um quadro estabilizado: Dilma, 38%; Marina, 29%; e Aécio, 19%. Apesar do wishful thinking dos internautas-torcedores e dos blogueiros amestrados, o cenário é desfavorável a Dilma, que não leva jeito nenhum de liquidar a fatura no 1º turno nem tem motivos para sonhar com uma virada de Aécio que tire Marina do 2º. 
O mais provável é mesmo que a disputa final seja entre Dilma e Marina, quando a acriana terá tempo igual no horário gratuito e vai se beneficiar da rejeição ao PT (que, aliás, é acentuada a ponto de até uma vitória sobre o Aécio ser incerta, conforme alertei; ao mover uma verdadeira guerra de extermínio contra Marina, uma candidata do campo da esquerda, o PT assumiu o insensato risco de devolver o governo à direita).
LATA D’ÁGUA NA CABEÇA

Em editorial, a Folha adverte que o (des)governador Geraldo Alckmin brinca com fogo e os paulistas poderão se queimar. O posicionamento é inatacável, desta vez assino embaixo de cada palavra:

… a crise de abastecimento [de água] é grave. Reconheça-se que se abate sobre a Grande São Paulo a maior estiagem em 84 anos –e, segundo especialistas, o panorama só deve melhorar a partir de meados de outubro.

Diante desse cenário excepcional, seria de esperar respostas também excepcionais, mas o governo paulista parece orientar-se mais pelo cronograma eleitoral do que pelo calendário das chuvas.

…Num ano eleitoral, opta-se pela solução menos desgastante para a imagem da administração estadual: o uso do volume morto.

 …uma segunda parte dessa reserva (…) acrescentará 10,7 pontos percentuais à capacidade das represas.

 Dado o ritmo de queda do Cantareira, o volume atual se esgotará em dois meses. Com a nova cota, o sistema ganhará sobrevida até fevereiro; o governador sustenta que as águas alcançarão março.

Que seja. Mesmo que as expectativas oficiais se confirmem, estará desenhado um quadro hídrico alarmante para o próximo ano.

…Ou seja, a não ser que as chuvas deste verão sejam abundantes, o sistema chegará ao início do próximo período de estiagem já num nível bastante crítico.

Como se vê, não se trata simplesmente de garantir o abastecimento até março de 2015. Mesmo que isso esteja assegurado, convém perguntar: e depois?

EMISSÃO DE GASES ESTUFA 
Ainda na linha dos efeitos futuros das nossas omissões atuais no trato das questões ambientais, Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, faz um alerta veemente (que dificilmente será ouvido, como sempre):

A atual conjuntura climática é inédita: os 13 anos deste século estão entre os 14 mais quentes desde que se mede a temperatura de forma sistemática. Da Califórnia, nos EUA, ao Brasil, estiagens inusitadas geram escassez no abastecimento de água, queda na produção agrícola, picos nos preços na energia.

…No Brasil, em plena campanha eleitoral, seria importante os candidatos à Presidência explicarem como pretendem enfrentar um tema que já deixou de ser ameaça e se tornou realidade.

 …Na perspectiva econômica, a única maneira de enfrentar a mudança climática é a de precificar o carbono, como agora reconhecem alguns importantes formadores de opinião. Ao precificar o carbono, seja por meio de impostos ou de alocação de cotas, promove-se a inovação e a eficiência.

Essa medida é essencial no Brasil, pois há dois indicadores preocupantes de perda de competitividade. O primeiro é que no último decênio piorou nossa quantidade de energia necessária para produzir uma unidade de PIB, isto é, nossa intensidade energética. O segundo é a piora de nossa intensidade de carbono, ou seja, a emissão de gases estufa por unidade de PIB.

…é sinal de que precisamos reverter a atual tendência. Corretamente, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que ao reduzir emissões nos tornamos mais produtivos. Mas as atuais políticas públicas não captam esse conceito [o grifo é meu].

“CONFUSÃO DANADA” OU GAFE?
Rui Castro faz fina ironia com a declaração de Dilma sobre o papel da imprensa (adiante corrigida, como vocês podem verificar aqui):

Na sexta passada (19), a presidente Dilma afirmou que ‘o papel da imprensa não é de investigar, e sim de divulgar informações’. A imprensa tomou nota e obedeceu. Ouviu a fala da presidente, dispensou-se de investigá-la e divulgou sua declaração.

Aliás, nem haveria o que investigar, já que foi uma declaração para vários jornalistas ao mesmo tempo, e no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. Como todos os jornais publicaram a mesma frase, supõe-se que foi exatamente o que a presidente falou e disse.

Dois dias depois, no entanto, Dilma acusou a imprensa de ter feito ‘uma confusão danada’ com a sua declaração. Disse que não disse o que disse, mas que, ao contrário, a imprensa deve investigar, sim, ‘para informar e até para fornecer prova’. E foi além: ‘O jornalismo investigativo pode até fornecer elementos. Agora, quem faz a prova é a investigação oficial. Sem ela, você não consegue condenar ninguém’.

É verdade. Se, mesmo com a investigação oficial, não se consegue condenar ninguém, imagine sem. Mas foi refrescante ouvir de Dilma que ela autoriza a imprensa a investigar –até para evitar outras ‘confusões danadas’ quando se trata de divulgar o que ela diz e, ao ser alertada para as gafes que comete, desdiz. Como isso é frequente, o aconselhável seria que a imprensa, ao ouvir suas declarações, fosse logo investigar para saber se ela declarou ou não o que declarou

A REPRODUÇÃO DA MEDIOCRIDADE
Moralmente, Delfim Netto carregará até a morte o estigma de ter sido um dos signatários do AI-5, acumpliciando-se com a abertura dos portões do inferno.
Como economista, sempre foi e dificilmente deixará algum dia de ser um defensor empedernido da perversidade e da desigualdade capitalistas –o que foi relevado, p. ex., por Lula, ao acolhê-lo como uma espécie de eminência parda dos seus governos, o grande guru macroeconômico de mediocridades como Antonio Palocci.
Mas, claro, é um homem sofisticado, capaz de nos oferecer observações e argumentações inteligentes. Então, como não sou nenhum fanático religioso, recuso-me a considerá-lo um demônio do qual só se podem esperar diabruras. Prefiro ler seus textos com espírito crítico, descartando muita coisa e aproveitando alguma.
Na sua coluna desta 4ª feira, p. ex., estes trechos são simplesmente irrespondíveis:

Uma das mais graves consequências da submissão das campanhas eleitorais ao domínio irresponsável dos ‘marqueteiros’ é a deseducação do honesto cidadão e a vacina contra a ética que transmitem à sociedade.

Não tem o menor constrangimento de afirmar o ‘fisicamente impossível’ ou mentir descaradamente, confiados na ingenuidade que é própria daqueles aos quais os sucessivos poderes incumbentes negaram, pela falta de educação, o espírito crítico. Trata-se de um processo de reprodução da mediocridade.

…Para o “marqueteiro” tudo isso não interessa. Se vendeu ou não o seu ‘sabonete’, embolsa a grana da sua genialidade e vai descansar até a próxima eleição. Para o candidato eleito não!

As falsidades que o elegeram são as mesmas que lhes serão cobradas no exercício do governo.

De duas aberrantes falsidades propagadas pelo PT, uma é que Marina, ao defender corretamente a atualização da ultrapassadíssima CLT, pretenda tornar mais selvagem ainda a terceirização (o que, convenhamos, seria simplesmente impossível!). A outra, que eu também tenho apontado, o Delfim detona com a maior facilidade;

Afirmar que um Banco Central independente ‘rouba a comida da boca do pobre’ é uma ignomínia.

Independente de quem, se sua diretoria é escolhida pelo presidente que lhe fixa os objetivos e aprovada pelo Senado, ao qual presta contas regularmente?

Bota ignomínia nisto! Ignóbil não é apenas a mentira em questão, como também o recurso desmedido às práticas nazistas e stalinistas de manipulação da opinião pública, por parte de quem jamais deveria espelhar-se em exemplos tão execráveis.

ELE TAMBÉM TEM DUAS CARAS. SÓ QUE AMBAS SÃO HORRÍVEIS.

Dentre os economistas que serviram a ditadura, os mais lembrados são Roberto Campos e Delfim Netto.
O primeiro tinha todos os defeitos e, ao menos, algum caráter. Quando foi abandonada a orientação por ele sempre defendida (era devoto do deus Mercado), não quis mais ser ministro.
O segundo tinha todos os defeitos, somados a um apetite insaciável pelo poder.

Expelido do Ministério da Fazenda em 1974 porque a economia brasileira entrara em parafuso, aceitou voltar por baixo, bem por baixo, em 1979.  Como ministro da Agricultura, mesmo ignorando se alface brotava no chão ou dava em árvores.

Além, é claro, de ter ajudado a escancarar as portas do inferno, ao assinar o AI-5. Hoje alega que ignorava com quantos paus o regime fazia suas canoas, mas homens dignos, nessas circunstâncias, abstêm-se, ao invés de tomarem partido no escuro e assinarem cheques em branco.

Seja quem for que detenha o poder…
Num país sério, seu prestígio teria virado pó a partir da redemocratização.

Aqui continuou dando aulas, escrevendo em jornais e até sendo a eminência parda de presidentes ditos de esquerda (existirão pessoas tão ingênuas a ponto de acreditarem que sejam mesmo os Paloccis da vida que traçam as linhas-mestras econômicas dos governos petistas?).

Agora, Delfim Netto cospe no prato em que comeu, inculpando o então presidente da Petrobrás, Ernesto Geisel, pelo fracasso de sua política econômica e consequentes cinco anos de ostracismo, mas omitindo que, quando assumiu o poder, Geisel teve pena dele e atirou-lhe uma boia, nomeando-o embaixador na França. 
E, como quem não quer nada, dá sua contribuiçãozinha ao lobby para a privatização a Petrobrás, malhando o ferro enquanto está quente:

…o Delfim estará ao seu dispor.

Em 1972, eu estava em Roma numa reunião do Fundo Monetário Internacional. E o Giscard D´Estaing que era o ministro de finanças da França, tinha ficado muito amigo do Brasil. E ele me disse: ‘olha Delfim, os árabes estão preparando um cartel. Eles vão elevar o preço do petróleo a US$ 6′. Nós pagávamos US$ 1,20 o barril.

Quando voltei para o Brasil, comuniquei isso ao presidente, o presidente convocou uma reunião. Nossa proposta (…) era: ‘vamos abrir a exploração de petróleo. Vamos fazer contrato de exploração de petróleo com empresas privadas’, que era para acelerar o processo.

O Geisel se opôs dramaticamente. Quem quebrou o Brasil foi o Geisel. O Geisel era o presidente da Petrobras. A Petrobras passou 20 anos produzindo 120 mil barris por dia. Quando houve a crise do petróleo, as reservas eram praticamente iguais a um ano de exportação, não tinha dívida. A dívida foi feita no governo Geisel.

O Geisel, na verdade, era o portador da verdade. O Geisel sempre tinha a verdade pronta.

Alguém esperava do Delfim Netto um comportamento diferente? Eu, não.

DE QUE LIXEIRA SAIU ESTA CARTILHA DE REPRESSÃO DITATORIAL?

Vamos supor que você fique sabendo da existência de um manual para a intervenção das Forças Armadas em situações que não configuram, nem de longe, o enfrentamento de inimigos externos (a missão que a elas compete numa verdadeira democracia).

Um manual que contenha tópicos como estes:
  • Operação de Garantia da Lei e da Ordem é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio… 
  • Forças Oponentes são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio… 
  • A decisão do emprego das Forças Armadas  na garantia da lei e da ordem compete exclusivamente ao Presidente da República, por iniciativa própria, ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais…
  • …pode-se encontrar, dentre outros, os seguintes agentes como Forças Oponentes: a) movimentos ou organizações; c) pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações… 
  • …podem-se relacionar os seguintes exemplos de situações a serem enfrentadas durante uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem: c) bloqueio de vias públicas de circulação; d) depredação do patrimônio público e privado; e) distúrbios urbanos; f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; g) paralisação de atividades produtivas; h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País; i) sabotagem nos locais de grandes eventos; e j) saques de estabelecimentos comerciais.
  • …podem-se relacionar as seguintes ações a serem executadas durante uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem: c) controlar vias de circulação urbanas e rurais; d) controlar distúrbios; e) controlar o movimento da população; f) desbloquear vias de circulação; h) evacuar áreas ou instalações; l) impedir o bloqueio de vias vitais para a circulação de pessoas e cargas; m) interditar áreas ou instalações em risco de ocupação; n) manter ou restabelecer a ordem pública em situações de vandalismo, desordem ou tumultos; r) prover a segurança das instalações, material e pessoal envolvido ou participante de grandes eventos; restabelecer a lei e a ordem em áreas rurais; e v) vasculhar áreas
Você, claro, pensará tratar-se de um documento encontrado entre as imundícies da lixeira da História, originário da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini, do Chile de Pinochet ou, mesmo, do Brasil de Médici.

Difícil mesmo seria você adivinhar que ele foi publicado no site do Ministério da Defesa brasileiro, no apagar das luzes de 2013, com o aval e a assinatura do ministro incumbido de defender e preservar a democracia que o País tanto sofreu para reconquistar (um senhor chamado Celso Amorim).

Parece que a paúra que lhes inspiram os indignados e a garotada dos rolezinhos, neste ano de Copa do Mundo e de eleição presidencial, está transtornando nossos governantes a ponto de eles abdicarem da mais comezinha cautela (para não falarmos do próprio instinto de sobrevivência!).

Será que não passa pela cabeça desses obtusos burocratas a possibilidade de um futuro presidente da República fazer o pior uso possível de tal cartilha de repressão ditatorial?!

Os signatários do Ato Institucional nº 5, dentre eles o Delfim Netto e o Jarbas Passarinho, também supunham que aquelas medidas totalitárias serviriam mais como espantalho, para intimidar e dissuadir os resistentes, do que para serem neles hediondamente aplicadas. Serão amaldiçoados até o final dos tempos por causa dos horrores que decorreram de suas insensatas assinaturas. 

Ai de quem escancara os portões do inferno, Amorim!

AI-5 x 45 ANOS: A 6ª FEIRA 13 MAIS FUNESTA DA NOSSA HISTÓRIA

“E você tendo ido,
não pode voltar,
quando sai do azul
e entra nas trevas”
(Neil Young,
“Hey Hey My My”
)
O 13 de dezembro de 1968 também caiu numa 6ª feira -a mais funesta da História brasileira.

Foi quando o ditador Arthur da Costa e Silva, seu vice Pedro Aleixo, 15 ministros de Estado, o chefe do SNI e futuro ditador Emílio Garrastazu Médici, o chefe do Estado Maior das Forças Armadas e futuro ditador Ernesto Geisel, os chefes do Estado Maior das três Armas e os dos gabinetes Civil e Militar, com uma simples canetada, deram sinal verde para torturas, assassinatos, estupros, ocultação de cadáveres e todo o festival de horrores dos anos subsequentes. 

Desses 24 sinistros personagens, apenas três permanecem vivos, com destaque para o então ministro do Trabalho Jarbas Passarinho, que proferiu a célebre frase “às favas todos os escrúpulos de consciência” e até hoje continua enturmado com as aves de mau agouro; e o ministro da Fazenda Delfim Netto, que não se arrepende da assinatura infame e afirma que, apresentando-se as mesmas circunstâncias, voltaria a proceder da mesma maneira. Rondon Pacheco, que chefiava o Gabinete Civil, é o terceiro.
O  golpe dentro do golpe, que levou ao paroxismo o fechamento ditatorial do País, foi o lance decisivo da disputa interna entre a linha dura militar (que queria radicalizar o arbítrio) e os conspiradores originais (oficiais veteranos da participação brasileira na 2ª Guerra Mundial).

Os últimos, encabeçados por Castello Branco, pretendiam usurpar o poder por pouco tempo. Falavam numa intervenção cirúrgica, durante a qual imporiam medidas que modernizassem o Estado e enfraquecessem a esquerda (prisões, perseguições, cassações, extinção de entidades legais, etc.). Aprenderam, contudo, que implantar uma ditadura é bem mais fácil que dar-lhe fim …
Delfim Netto, signatário do AI-5, diz que faria tudo de novo.

As duas posições competiram acirradamente pela hegemonia na caserna ao longo de 1968, mas o crescimento dos movimentos contestatórios fez a balança pender para  o lado dos ferrabrases. Estes iam ao encontro da cultura de intolerância que grassava (e ainda grassa) nos quartéis, pois se propunham a dotar o regime de meios para reagir com maior contundência às manifestações de rua e ao desafio das organizações armadas, passando por cima dos direitos humanos e das garantias constitucionais.

Pesaram também os interesses mesquinhos dos oficiais das três Armas, seduzidos pelas perspectivas que o prolongamento do regime de exceção e a ampliação dos poderes ditatoriais abriam para seu enriquecimento pessoal:

  • os da ativa, como gestores de um setor estatal que estava sendo cada vez mais inflado, ou como beneficiários de suas boquinhas; e
  • os da reserva como facilitadores dos favores oficiais (quase todos os grandes grupos privados contrataram milicos de pijama para integrarem seus conselhos de administração, como forma de terem seus interesses contemplados nos altos escalões governamentais).

O pretexto para a nova virada de mesa foi um discurso exaltado do deputado Márcio Moreira Alves numa sessão esvaziada (o chamado pequeno expedienteda Câmara Federal, no início de setembro de 1968.


Tratava-se de uma lengalenga sem verdadeira importância (incluía até uma sugestão às moças, de que não namorassem alunos das academias militares -vide aqui), proferida apenas para constar dos anais e poder ser exibida depois aos eleitores, quando ele lhes fosse pedir votos no pleito seguinte. Mas, um jornalista reacionário vislumbrou a oportunidade de uma provocação e trombeteou-a; em seguida, os partidários do enrijecimento a divulgaram amplamente, mimeografada, entre os fardados, insuflando a indignação.
Castello  Branco queria ditadura transitória. Não deixaram

As Forças Armadas se declararam atingidas e o governo pediu ao Congresso Nacional a abertura de um processo visando à cassação de Moreira Alves. Os parlamentares, depois de em tantas ocasiões e tão vergonhosamente se prostrarem aos ultimatos da caserna, daquela vez rechaçaram o pedido, temendo que outras cabeças fossem exigidas na sequência e a caça às bruxas acabasse extinguindo o mandato de muitos deles. Pateticamente, cantaram o Hino Nacional, sem perceberem que tinham é escancarado as portas do inferno.

A resposta da ditadura foi imediata e a mais tirânica possível: colocou os Legislativos federal e estaduais em recesso e impôs à Nação, na marra, novas e terríveis regras do jogo.

O presidente da República (escolhido por um Congresso Nacional expurgado e intimidado) passou a ter plenos poderes para cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos, suspender o habeas-corpus em crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto e julgar crimes políticos em tribunais militares, dentre outras medidas totalitárias.

Principal ferramenta do terror de estado, o AI-5 só seria atirado na lixeira dez anos depois. Nesse meio tempo, centenas de resistentes foram executados, dezenas de milhares torturados, mais de uma centena de parlamentares cassados, um sem-número de funcionários públicos no olho da rua, a arte amordaçada (mais de 500 filmes, 450 peças teatrais, 200 livros e umas 500 canções sofreram os rigores da censura), etc.

Quando os gorilas saíram do armário, o Brasil entrou no período mais bestial e vergonhoso de sua História.

UM DEPOIMENTO PESSOAL

Para jovens estudantes que, como eu, ingressaram na luta a partir do novo ascenso do movimento de massas,  aquele agourento 13 de dezembro de 1968 marcou o fim da aventura e o início da tragédia.

Movimento estudantil foi duramente atingido em Ibiúna

Passáramos o melhor ano de nossas vidas descobrindo a luta e descobrindo-nos na luta. Aí veio a fascistização total  e, diante da alternativa  desistir x perseverar, fizemos a opção digna… que se revelaria das mais sofridas.

Então, o AI-5 foi o divisor de águas entre o 1968 exuberante e o 1969 soturno. Entre o enfrentamento a céu aberto e o martírio nos porões. Entre a luta travada ao lado das massas despertadas e a luta que travamos sozinhos em nome das massas amedrontadas.

Meu avô morreu quando meu pai tinha 11 anos. Como era o primogênito, minha avó fez com que começasse imediatamente a trabalhar  numa fábrica escura, barulhenta e empoeirada, burlando a legislação que exigia idade mínima de 14 anos.

Passou o resto da vida lamentando a responsabilidade que desabou cedo demais sobre seus ombros. Num dia, estava despreocupadamente jogando bola no campinho ao lado de sua casa. No outro, esfalfando-se oito horas seguidas para colocar o pão na mesa familiar.

O AI-5 teve o mesmo efeito sobre mim. Até então, a militância era puro deleite. De um momento para outro, tornou-se um pesadelo que me deixou em frangalhos, além de tragar alguns dos meus melhores amigos e muitos companheiros estimados.

Parafraseando a bela canção de Neil Young, foi a saída do azul e entrada nas trevas.

DELFIM DIZ QUE REPETIRIA SUA IGNÓBIL ASSINATURA NO AI-5

Delfim como papagaio de pirata do ditador Costa e Silva
“Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria”, afirmou Delfim Netto, referindo-se à sua ignóbil assinatura no hediondo Ato Institucional nº 5. Ou seja, ainda hoje ele seria capaz de apoiar o elenco de medidas que desencadeou o arbítrio sem quaisquer limites.  
O AI-5 proibiu o Judiciário de conceder habeas corpus para os perseguidos políticos, dando à ditadura militar sinal verde para torturar os resistentes a bel-prazer, além de outras disposições totalitárias: reforçou os poderes do presidente da República para decretar estado de sítio, intervenção federal, suspensão de direitos políticos, restrições ao exercício de direitos públicos ou privados (principalmente o afastamento dos  subversivos  de seus cargos), cassação de mandatos eletivos, imposição de recesso ao Congresso, assembléias legislativas e câmaras municipais, etc.
Delfim foi convocado para depor na Comissão da Verdade do município de São Paulo e eram favas contadas que ele não perderia as estribeiras, dando espetáculo tão patético quanto o do torturador-símbolo da Nação, Carlos Alberto Brilhante Ustra, ao comparecer à Comissão Nacional da Verdade. 
Speer: condenado, como mereceu!
Não, ele é ave de outra plumagem; os serenos mandantes, que não chegaram a ter uma gota sequer de sangue nos seus ternos chiques, se diferenciavam em muito dos destrambelhados paus mandados, aqueles cujas fardas ficaram emporcalhadas com o sangue das vítimas. 
No entanto, foi acintosa e repulsiva a afirmação de Delfim, segundo quem  o AI-5 teria sido necessário porque o país “estava num estado de desarrumação geral”. Impor a paz dos cemitérios nunca foi método de arrumação.
Caso houvesse ocorrido aqui um julgamento como o de Nuremberg, mais do que justificável nas circunstâncias, decerto Delfim Netto seria condenado como o foi, p. ex., o arquiteto do Reich, Albert Speer, que também não era  pessoalmente responsável por nenhuma tortura ou assassinato, mas tinha total responsabilidade política por um governo monstruoso. 
Curiosamente, as desculpas esfarrapadas de ambos foram as mesmíssimas. Delfim alegou que desconhecia as torturas e teria até chegado a indagar do carrasco Médici se elas existiam, sendo tranquilizado. Acredite quem quiser.
Speer foi mais longe, afirmando ter participado do planejamento de um atentado contra Hitler que acabou não ocorrendo (claro!).
Em ambos os casos, nenhuma pessoa viva corroborou as versões daqueles a quem convinha mentir.
Uma camaradagem escrita nas estrelas
O paralelismo se deu, inclusive, quanto às provas fotográficas. 
Speer foi confrontado com uma imagem dele visitando o campo de concentração de Mauthausen, mas garantiu que era apenas uma viagem protocolar e não lhe teria sido mostrado nada que caracterizasse o Holocausto.
Esfregaram no nariz do Delfim uma foto em que aparece alegremente ao lado do empresário-símbolo do financiamento à repressão, mas ele, presumivelmente, negou que conhecesse tal faceta de Henning Boilesen. Acredite quem quiser.
Uma sentença como a de Speer, de 20 anos de prisão, teria caído muito bem para o gordo ministro (ou seria melhor dizermos  sinistro?) da ditadura.

A PUNIÇÃO DOS TORTURADORES, PARA ALÉM DO SIMPLISMO E DO PANFLETARISMO

Ultimamente, alguns personagens acolhidos com tapete vermelho pela mídia têm manifestado pontos de vistas semelhantes aos que venho sustentando desde 2008, sobre a punição dos carrascos de 1964/85.
Ou seja, se a grande imprensa ciosamente me mantém fora de suas páginas, não é por eu escrever besteiras, mas pelo motivo diametralmente oposto: o de que minhas consistentes análises não convêm aos interesses dominantes. Exatamente o que ocorria nos EUA, durante os tempos nefandos do macartismo.
Quase cinco anos depois de haver redigido meu polêmico artigo Uma proposta para o acerto das contas do passado, as minhas avaliações e prognósticos se confirmaram amplamente. Quem se der ao trabalho de ler (acesse aqui) e refletir, constatará que os acontecimentos rumaram exatamente na direção por mim prevista.
Quero deixar registrado, p. ex., que o ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi acaba de declarar à imprensa que é “inegociável” a punição dos carrascos da ditadura militar, mas que a prisão dos ainda vivos “é dispensável”, podendo ser substituída por outras possibilidades de sanção na área civil.

Foi  o que propus naquele momento no qual ficou bem evidenciado que o Executivo e  o Legislativo não tinham nenhuma vontade de (ou coragem suficiente para) encaminhar a revogação da ridícula anistia de 1979, uma verdadeira aberração à luz do Direito, pois ditadores não podem conceder um habeas corpus preventivo para si próprios e para seus esbirros. 

Como a revogação era condição  sine qua non  para que os responsáveis pelos crimes hediondos fossem merecidamente remetidos às prisões, o jeito seria curvarmo-nos à evidência dos fatos e procurarmos alternativa. Mas, muitos preferiram continuar batalhando pelo inviável, ao invés de tentarem garantir o viável.

Agora, a ficha finalmente caiu para o Vannuchi: é importante que os Ustras e Curiós passem à História como condenados, mesmo que não cumpram pena. Assim, aqueles que no futuro sentirem-se tentados a seguir seu infame exemplo, terão motivos para temer que um Estado menos omisso os despache em tempo hábil para o cárcere. A impunidade total lega aos pósteros um precedente muito pior.

Também o filósofo Hélio Schwartsman veio, alguns dias atrás, ao encontro das minhas posições:

…a anistia de 1979 não resultou de uma negociação entre militares e oposição, mas foi imposta pelos poderosos da época. Pior, mesmo depois de se terem posto fora do alcance de punições, os militares continuaram sonegando informações sobre a estrutura de comando dos subterrâneos da ditadura e o paradeiro dos desaparecidos.

Um julgamento de verdade, que mobilizasse investigadores, promotores e advogados, seria uma ótima oportunidade para esclarecer tudo. Mesmo assim, penso que eventuais condenados nesse processo deveriam ser poupados da cadeia. Punições que chegam 40 anos depois dos fatos já não atingem os autores dos delitos, mas encontram pessoas totalmente distintas, tanto em suas células como em suas ideias…

Como qualquer dos antigos torturados, é-me impossível sentir a mais remota compaixão pelos “autores dos delitos”. Mas, em termos gerais, sempre acreditei que a prescrição dos crimes seja uma prática indissociável da civilização. Então, entre minhas convicções e minhas dores, prefiro transcender as dores e manter as convicções.

E há um aspecto pragmático que os companheiros nunca levaram em conta: o povo brasileiro não veria com bons olhos o encarceramento de tais anciães, que a rede direitista exploraria  ad nauseam  em sua propaganda odiosa. Seria darmos um tiro no pé, com relação ao objetivo que deveríamos priorizar, qual seja o de conquistarmos as novas gerações para os ideais em nome dos quais fomos torturados (e muitos dos nossos, covardemente executados).

Precisamos desesperadamente ampliar nossas fileiras, se ainda pretendermos forjar a sociedade igualitária e livre que tínhamos (e temos!) em nossos corações. A tarefa ficou inconclusa, e   ela é muito mais importante do que o acerto das contas do passado.  

Finalmente, neste domingo (02) foi a vez do escritor Carlos Heitor Cony destacar o óbvio:

Não se trata de punir o sargento Azambuja, o comissário Peçanha, o policial Noronha. Todos os criminosos, de agora e de outros regimes de força, alegam que cumpriram ordens. O trabalho da Comissão da Verdade está pecando pela horizontalidade das culpas, quando o importante é exibir para a história a verticalidade dos crimes.

É uma tecla na qual tenho batido insistentemente: toda a cadeia de comando das Forças Armadas, começando pelos generais ditadores, tem de ser responsabilizada pelo arbítrio e suas consequências; e, quanto ao poder real que os personagens detinham para determinar os rumos da ditadura, muito mais culpado pela ocorrência de assassinatos e torturas foi o Delfim Netto (pois os signatários do AI-5 deram sinal verde para todas as atrocidades subsequentes) do que os meros paus mandados como o Ustra, o Curió e o delegado Fleury. 
Quase ninguém mais atira na cara do Delfim Netto o seu pecado capital de haver retirado a coleira dos pitbulls, deixando-os livres para atacarem quem, como e quando quisessem. Eu consideraria uma paródia de justiça se o Ustra fosse processado criminalmente e o Delfim escapasse incólume.

E não me conformo em ver o Ustra tão execrado e o Delfim tão prestigiado, a ponto de haver sido uma espécie de  ghost minister  durante o Governo Lula.

AGORA ENTENDO O LULA-LÁ: ELE ESTAVA CÁ E FOI PARA O LADO DE LÁ…..

Delfim Netto com o amigo de hoje
Houve um tempo em que Lula, o metalúrgico, era dr. Jeckyll para nós e mr. Hide para a direita. Chegou até a passar 31 dias preso no Deops, quando Paulo Maluf governava São Paulo.
No Brasil redemocratizado, o dirigente patronal Mário Amato garantiu que haveria uma fuga em massa de empresários para o exterior caso Lula chegasse ao poder. Derrotá-lo constituiu prioridade máxima para os grandes capitalistas nas três últimas eleições presidenciais do século passado.
Tudo mudou a partir de 2002, quando Lula, por intermédio do Zé Dirceu, pactuou com Mefistófeles… ou melhor, com Roberto Marinho e outros donos do Brasil.
Permitiram-lhe ganhar a eleição e ele permitiu que os banqueiros e demais expoentes da exploração do homem pelo homem dormissem tranquilos, com a certeza de que seus privilégios permaneceriam  imexíveis
Sucederam-se as fotos repulsivas de Lula aos beijos e abraços com figuras que ele e o PT antes acusavam de  inimigos do povo: Toninho Malvadeza, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Fernando Collor, José Sarney, Paulo Maluf.
As mais chocantes foram as aproximações com Collor, que trombeteara para milhões de brasileiros sua infidelidade, a paternidade de uma filha ilegítima e a tentativa de convencer a mãe a abortar; e com Maluf, o antigo carcereiro, aquele cujo principal mote de campanha era “vou botar a Rota na rua!”.
E muitos no mercado financeiro sabiam que uma execrável eminência parda ditava a política econômica do Governo Lula, enquanto os Paloccis da vida posavam de ministros de Fazenda: o serviçal predileto dos generais ditadores e signatário do AI-5, Delfim Netto. Isto foi antes do Lula sair do armário, quando ele ainda tinha certo pudor em assumir publicamente suas relações promíscuas.
Ahora, no más! O  estranho casal  hoje se exibe com total desenvoltura, a ponto de o Delfim alinhar-se com os principais empenhados em blindar a imagem de Lula durante o julgamento do  mensalão  e o tiroteio eleitoral.
Delfim Netto com os amigos de outrora
Na sua coluna desta 4ª feira (26), ele não hesita em insinuar que a mídia, assumindo “o partido que melhor reflete sua visão de mundo”, está afrouxando “os compromissos com a moralidade pública”, ao publicar com destaque os “excessos verbais” e a “agressão selvagem” que tucanos & cia. fazem a Lula.
Delfim  –pasmem!– qualifica de  abusiva  a conduta de alguns meios de comunicação, por estarem  procurando maliciosamente, “no calor da disputa eleitoral, tentar destruir, com aleivosias genéricas, a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ignorando o grande avanço social e econômico por ele produzido com a inserção social, o fortalecimento das instituições, a redução das desigualdades e a superação dos constrangimentos externos que sempre prejudicaram o nosso desenvolvimento”. 
Ele não se expressava de forma tão rebuscada ao bajular o carniceiro Médici. Sua retórica melhorou com o tempo.
O caráter, não. Coturnos ou sapatos, ele lambe o que for necessário para manter sua influência no círculo do poder
Quanto ao Lula, eu não chegaria ao extremo de afirmar que ele virou um  monstro  para nós. Mas, não resta dúvida de que os piores direitistas agora o veem como  médico.

A COMISSÃO DA VERDADE E AS CABEÇAS DA HIDRA

É um tiro na mosca o artigo de José Luiz Niemeyer dos Santos Filho, doutor em ciência política pela USP: Comissão da Verdade tem de incluir elites civis.
Vem ao encontro de uma posição que venho defendendo desde o início das discussões sobre a punição dos torturadores: a de que a culpa dos mandantes foi imensamente maior que a dos paus mandados, os únicos colocados na berlinda.
Os pittbuls agiram exatamente como se espera de pittbuls. Fiquei com raiva muito maior dos presumivelmente civilizados que lhes retiraram as focinheiras e atiçaram contra nós: presidentes, ministros, altos comandantes militares, cúmplices civis, etc.
Começando pelos signatários do Ato Institucional nº 5, horda que tem Jarbas  Mandei às Favas Meus Escrúpulos  Passarinho e Delfim Netto como remanescentes (creio que todos os outros já estão no inferno).
Com medidas como a supressão do habeas corpus nos chamados casos de Segurança Nacional, o AI-5 foi uma licença dada à repressão para torturar e matar. Aquelas canetas pingavam sangue.
Mais que do cabo Polvorelli da Polícia do Exército, que me agrediu covardemente pelas costas e estourou para sempre meu tímpano, eu guardei raiva dos almofadinhas da 2ª Seção que às vezes vinham me visitar, curiosos sobre como seria seu congênere da guerrilha (eu comandava o setor de Inteligência da VPR).
Aqueles canalhas em fardas impecáveis ou ternos da moda, alguns até exalando perfume, eram os que analisavam, em gabinetes confortáveis e fora do alcance de nossos gritos, os apontamentos dos interrogatórios conduzidos sob torturas as mais bestiais.
Balelas que impingíamos aos tacanhos brutamontes incumbidos do serviço braçal às vezes eram por eles desmascaradas. Como consequência, apanhávamos dobrado.
Nosso sangue neles não espirrava, ao contrário dos torturadores. Mas, eram culpados por nosso sangue espirrar: diziam quem, quando e quanto deveria sofrer. Eu não conseguia admitir que pessoas sofisticadas, conscientes do que faziam, se dedicassem a ofício tão hediondo.
Então, a perspectiva de ver apenas os Curiós engaiolados nunca me satisfez. Questão de perspectiva.
Eis os trechos principais do texto de Niemeyer dos Santos Filho:
A participação ativa dos setores civis da sociedade no golpe militar de 31 de março de 1964 deve ser discutida e aprofundada, inclusive naquilo que se refere à tortura e ao desaparecimento daqueles que se opunham ao regime.
A participação civil nos regimes ditatoriais é regra quando se observa alguns dos processos históricos contemporâneos. Além dos militares e dos serviços secretos, sempre há aqueles grupos civis que incentivaram a ruptura institucional a partir do uso da força militar.
Foi assim no movimento de ascensão do nazismo na Alemanha, do fascismo na Itália e do comunismo na antiga União Soviética. É padrão: o setor conservador e radical das Forças Armadas se ancora no meio civil como braço auxiliar para a ação de poder.
E tão grave quanto: os setores civis, principalmente das elites empresariais conservadoras, utilizam-se da caserna para manterem privilégios e garantirem novas regalias.

Se os excessos cometidos pelos radicais de farda ocorreram, é necessário ressaltar que eles aconteceram também por incentivo e por interesse desses grupos.

Vale lembrar que a deflagração do golpe militar de 1964 foi precedida por uma movimentação da classe média paulista (a chamada ‘Marcha com Deus Pela Liberdade’, que foi organizada também por grupos ligados às grandes empresas de São Paulo).
Os bons companheiros: Boilesen, financiador 
da repressão, e Delfim, signatário do AI-5

O ano de 1964 é também resultado do apoio irrestrito dos chamados ‘capitães da indústria’ de São Paulo e dos representantes mais conservadores das oligarquias agrárias do Nordeste à época.

São grupos civis, com origem ligada ao empresariado, que frequentavam recepções de congraçamento entre civis e militares, gabinetes governamentais e ambientes acadêmicos ideológicos, como a Escola Superior de Guerra (…), que viam no golpe de 1964 uma oportunidade única.
Essa oportunidade se baseava em uma estratégia que foi regra mestra no desenvolvimento econômico do período: o arrocho salarial para manutenção dos ganhos de capital, agenda decisiva para a manutenção do patamar de lucratividade dos investimentos nacionais e internacionais no período após Juscelino, de rápida industrialização do país.
Mas o incentivo para o golpe e o decisivo apoio durante boa parte da execução do regime de 1964 não ficam restritos a essa ação quase ‘institucional’ dos grupos civis que se fundiam aos interesses dos militares mais radicais à época.
Mais graves foram as ações pensadas e organizadas diretamente por grupos civis radicais, como o obscuro ‘Comando de Caça aos Comunistas’, a ‘Operação Bandeirantes’, entre outras, que foram conduzidas a partir de ações clandestinas, com o apoio dos serviços secretos militares e das lideranças e grupos empresariais à época.
Esperemos que (…) a Comissão da Verdade, de alguma forma, também possa se deter nesta seara que envolve uma segunda sombra do regime de 1964.

1968 É HOJE

Qualquer semelhança…

Tentando “entender os movimentos dos  indignados  americanos e da ocupação de Wall Street“, Delfim Netto, no artigo Origem da Crise, alinhou fatos que nos fazem, isto sim, perceber como o capitalismo agoniza (embora não possamos prever quanto tempo durarão seus estertores, nem quais malefícios ainda nos acarretará nesta sua agonia final):

  1. A renda per capita não cresce desde 1996;
  2. A distribuição dessa renda tem piorado há duas décadas;
  3. O nível de desemprego em abril de 2008 era de 4,8% da população economicamente ativa, o que, em parte, compensava aqueles efeitos;
  4. Em janeiro de 2010, o desemprego andava em torno de 10,6% e, desde então, permanece quase igual (9,2%);
  5. O colapso da Bolsa cortou pelo menos 40% da riqueza que os agentes  pensavam  que possuíam;
  6. A combinação da queda da Bolsa com a queda do valor dos imóveis residenciais fez boa parte do patrimônio das famílias evaporar-se;
  7. Ao menos 25% das famílias têm hoje menos da metade que  supunham  ter em 2008.
    …não é mera coincidência.

    Singelamente, o antigo serviçal de ditadores avalia:

    O grande problema é que a maioria dos cidadãos não entende como isso pode ter acontecido. Sentem que foram assaltados à luz do dia, sob os olhos complacentes das instituições em que confiavam: o poder Executivo e o Banco Central. Assistem confusos o comportamento do Legislativo.

    Não chega à conclusão óbvia: os cidadãos foram mesmo assaltados à luz do dia, explorados, espoliados,  depenados, saqueados, esbulhados, manipulados, engambelados, logrados, iludidos — f…, enfim.
    Com sua distorcida visão de mundo, Delfim também passa longe de outra conclusão óbvia: a de que as vítimas do capitalismo estão finalmente começando a despertar de sua letargia, sob os golpes de recessões desnecessárias (sofrendo privações para pagar a conta de situações causadas em grande parte pela ganância desmedida dos bancos, os quais são magnanimamente socorridos pelos governos) e das ameaças que sabem estar sendo incumbadas para a própria sobrevivência de seus filhos e netos.

    Não, segundo Delfim são apenas “pequenos grupos mais exaltados tentam reviver, com passeatas festivas de fim de semana, o espírito  revolucionário  de 1968, que deu no que deu”.

    Prefiro me fiar nos pensadores comprometidos com a felicidade do ser humano, como Karl Marx, para quem a nova onda revolucionária começa sempre no ponto mais alto atingido pela anterior.
    É exatamente o que está ocorrendo agora, com grande chance de ser aquela que varrerá o mundo, livrando-nos de uma vez por todas da exploração do homem pelo homem e todas as iniquidades decorrentes.